T1C2 - O Horizonte de Projeção do Saber do Direito Penal Flashcards
O que é o direito penal?
(a) Conjunto de lei penais: a legislação penal. Violação se chama “delito” e consequência é “coerção jurídica particularmente grave” (pena ou medida de segurança); ou (b) Ciência jurídico-penal: o sistema de compreensão (ou interpretação) da legislação penal. Zaffaroni chama de “saber do direito penal”
Qual é o horizonte de projeção do saber do direito penal?
É o “objeto da ciência”: a pretensão de regulamentação de condutas humanas por meio de cominações
Qual é a relação entre o direito penal e a filosofia?
A filosofia estuda o ser dos entes em geral (ontologia). A ciência do direito estuda um ente específico
Por que o direito penal possui um caráter público?
Porque por meio dele o Estado intervém para tutelar bens jurídicos (elementos de que a pessoa necessita para se realizar) contra ataques que os afetem e assim lesem a segurança jurídica
Qual é o espaço que não pode ser penetrado por nenhum ramo do direito democrático (incluindo o direito penal)?
Todo ser humano é uma pessoa. Pessoa é ser capaz de autodeterminar-se de acordo com sua consciência: é um ser moral. Só há mérito moral quando a pessoa poderia ter agido de modo imoral e optou por não fazê-lo. O Estado não pode impor uma “moral”. Estado deve reconhecer o âmbito de liberdade moral. Estado não pode punir o exercício da autonomia moral. Estado serve para proteger direitos. O objetivo do direito é a segurança jurídica (e não a expiação ou castigo)
Quais as respostas usuais sobre o objetivo da legislação penal?
Há basicamente duas visões. (a) Segurança jurídica (para uns, tutela de bens jurídicos; para outros, tutela de valores ético-sociais). A pena dirige-se aos que ainda não delinquiram (prevenção geral) e possui conteúdo retributivo. (b) Defesa social. A pena dirige-se aos que já delinquiram (prevenção especial) e possui conteúdo ressocializador
O objetivo da legislação penal é a segurança jurídica ou a defesa social?
A segurança jurídica, por meio da tutela de bens jurídicos. Visa a assegurar a coexistência, evitando a guerra de todos contra todos. A defesa social só pode ser cogitada se igualada à segurança jurídica. Afinal, uma visão “organicista ou antropomórfica” da sociedade geraria um direito penal transpersonalista e autoritário. O direito penal existiria para garantir a segurança de um “superente gigantesco” em relação ao qual a pessoa seria pouco mais do que nada. Violaria a dignidade humana. Só se pode pensar em defesa social se “defesa” for “prevenção” e “social” for “assegurar coexistência”
O objetivo da legislação penal é a segurança jurídica pela tutela de bens jurídicos ou de valores ético-sociais?
Ambos. Trata-se de um falso dilema. O direito penal tem aspiração ética: exerce “função formadora do cidadão”. Mas visa à segurança jurídica. Ao tutelar bens jurídicos, desvalora tanto a conduta (antiética) quanto o resultado (que afeta um bem jurídico por lesão ou perigo). Todavia, só há crime quando há conduta e resultado. Não se pune mera conduta antiética no Estado de Direito. Exige-se um resultado que representa afetação a bem jurídico
O direito penal possui caráter sancionador ou constitutivo?
“Predominantemente” sancionador e “excepcionalmente” constitutivo. Como regra, o direito penal não cria a antijuridicidade. Delitos seriam ilícitos (civil, trabalhista, administrativo) se não fossem criminalizados. Direito penal apenas aumenta a tutela por meio da coerção penal. Excepcionalmente, cria a antijuridicidade. P.ex.: delitos tentados, omissão de socorro. Mas ainda assim não “cria bens jurídicos ou direitos”
Qual o caráter diferenciador do direito penal?
O direito penal diferencia-se dos demais ramos do direito em razão do meio pelo qual provê a segurança jurídica: a “coerção penal” (sanção especificamente preventiva ou particularmente reparadora, não necessariamente “mais grave” do que a sanção civil ou administrativa)
O direito penal tem função preventiva geral?
Para alguns, sim. Por meio da “retribuição exemplar”. Zaffaroni critica. Para ele, a prevenção geral se funda em mecanismo inconsciente. Pessoas em geral se privariam de vontades em respeito à lei; criminoso, não. Pessoas clamam por “vingança” e “retribuição” (Lei de Talião). Direito penal no Estado Democrático de Direito não pode ser instrumento da “vingança da multidão anônima”. A prevenção geral não pode ser o fim “jurídico” da coerção penal, embora “socialmente” possa exercer tal função “eventualmente e de forma não necessária”. Só um “Estado de terror” buscaria a “prevenção geral” como fim da pena. Para garantia da segurança jurídica, a sanção retributiva (reparatória: cível ou administrativa) deve ser a responsável pela “prevenção geral”, de modo racional, “formando cidadãos” a não “prejudicar o próximo”. Direito penal só seria necessário quando a “sanção retributiva” fosse insuficiente para evitar
Como conciliar o repúdio à tese da busca da prevenção geral e o reconhecimento de que a principal função da pena tenha caráter “simbólico”?
É simples. A função “simbólica” da pena opera no plano social (ser); a prevenção especial penal, no plano jurídico (dever ser). A pena não “deve ter” função de prevenção geral em um Estado de Direito que tutele direitos humanos. O jurista, ao perceber que eventual pena não exerça qualquer função preventiva especial penal, mas apenas função “simbólica”, deve reputar a pena inconstitucional e deixar de aplicá-la
A função preventiva especial da pena visa apenas a evitar a reiteração delitiva?
Não. Se visasse, o limite da pena seria a periculosidade do agente. Visa a prover a segurança jurídica. Se o limite fosse a periculosidade, a pena geraria distorções, punindo com muita severidade pessoas “perigosas” (que precisassem de muito tempo para ser “ressocializadas”) que praticaram pequenos delitos, gerando desconforto na comunidade e, consequentemente, menor segurança jurídica. Visa a garantir a segurança jurídica por meio da “ressocialização” do apenado, por meio de uma “tomada de consciência”
O que visa a função preventiva especial da pena quando atinge alguém seletivamente criminalizado?
Visa a diminuir a vulnerabilidade do condenado. Deve buscar fazê-lo “tomar consciência” de que ele está “condicionado” a ser “bode expiatório” no controle social. Assim, com a “tomada de consciência”, ele, com autonomia moral, optaria por se readaptar ao convívio social. Não significa uma “descondicionamento”, semelhando a uma “escola de adestramento de cães”. A criação de hábitos de trabalho e educação não são fins em si mesmos, não visam a um “descondicionamento”
A pena pode ter função especial em relação ao sujeito passivo?
Sim. A pena de reparação de danos, aplicada sob a forma de coerção penal, evita qualquer tendência à vingança privada. É bastante útil e deve ser aplicada na medida do possível. O Direito Penal, assim, passa a tutelar bens jurídicos, reparando-os, revertendo a expropriação causada pela conduta do apenado