Direito de sucessões Flashcards

1
Q

Antes da partilha, pode um dos herdeiros alienar algum bem particularizado que compõe a herança?

A

Art. 1.793. O direito à sucessão aberta, bem como o quinhão de que disponha o co-herdeiro, pode ser objeto de cessão por escritura pública.

§ 1 o Os direitos, conferidos ao herdeiro em conseqüência de substituição ou de direito de acrescer, presumem-se não abrangidos pela cessão feita anteriormente.

§ 2 o É ineficaz a cessão, pelo co-herdeiro, de seu direito hereditário sobre qualquer bem da herança considerado singularmente.

§ 3 o Ineficaz é a disposição, sem prévia autorização do juiz da sucessão, por qualquer herdeiro, de bem componente do acervo hereditário, pendente a indivisibilidade.

Comentários:

[…]

O § 2o é decorrência lógica do art. 1.791, segundo o qual a herança defere-se como um todo unitário e indivisível até a partilha. Sendo a herança uma universalidade, sem que se possa, antes da partilha, individualizar o direito de cada herdeiro sobre cada um dos bens que a compõem, não se pode cogitar do herdeiro alienar determinado bem, singularmente considerado, pois não se sabe se a ele pertencerá por ocasião da partilha. Essa impossibilidade não tem, no entanto, caráter absoluto, como deixa claro o § 3o, ao estabelecer que, havendo prévio consentimento do juiz do inventário, é possível a alienação, por qualquer herdeiro, de bem da herança, mesmo pendente a indivisibilidade. Não se trata de autorização judicial para venda de determinado bem, para que o valor obtido seja incorporado ao espólio, mas venda de bem pelo herdeiro, antecipando-se a partilha.

Observe-se que o § 3o não comina de nulidade tal disposição sem prévia autorização judicial. Prevê simplesmente que é ineficaz. A alienação se tornará eficaz se houver autorização judicial posterior, convalidando-a; ou, ainda, se, consumada a partilha, o bem alienado vier a compor o quinhão do alienante.

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2
Q

Quem são as pessoas que não podem ser nomeadas herdeiras nem legatárias?

A

Art. 1.801. Não podem ser nomeados herdeiros nem legatários:

I - a pessoa que, a rogo, escreveu o testamento, nem o seu cônjuge ou companheiro, ou os seus ascendentes e irmãos;

II - as testemunhas do testamento;

III - o concubino do testador casado, salvo se este, sem culpa sua, estiver separado de fato do cônjuge há mais de cinco anos;

IV - o tabelião, civil ou militar, ou o comandante ou escrivão, perante quem se fizer, assim como o que fizer ou aprovar o testamento.

Art. 1.802. São nulas as disposições testamentárias em favor de pessoas não legitimadas a suceder, ainda quando simuladas sob a forma de contrato oneroso, ou feitas mediante interposta pessoa.

Parágrafo único. Presumem-se pessoas interpostas os ascendentes, os descendentes, os irmãos e o cônjuge ou companheiro do não legitimado a suceder.

Art. 1.803. É lícita a deixa ao filho do concubino, quando também o for do testador.

Comentários ao art. 1.801:

[…]

No inciso III, há proibição de ser beneficiado o concubino do testador casado, salvo se este, sem culpa sua, estiver separado do cônjuge há mais de cinco anos. Este inciso contém grave incoerência com a disciplina da união estável e do concubinato no atual Código, pois a união estável pode ser constituída pelo cônjuge, independentemente do lapso de tempo de separação de fato, sem questionamento sobre culpa (art. 1.723, § 1o); e o concubinato é conceituado como relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar (art. 1.727). Conclui-se que, havendo separação de fato, não há concubinato. A solução parece ser a de manter a vedação exclusivamente para a situação definida pelo Código como concubinato, ou seja, de relações não eventuais mantidas por pessoa casada, sem estar separada de fato do cônjuge. Se houver separação de fato, não há que se falar mais em concubinato, devendo ser considerada inócua a segunda parte do inciso. Nesse sentido, o Enunciado n. 269 aprovado na III Jornada de Direito Civil, promovida pelo CEJ do CJF, em dezembro de 2004: “A vedação do art. 1.801, inciso III, do CC não se aplica à união estável, independente do período de separação de fato (art. 1.723, § 1o)” (Guilherme Calmon Nogueira da Gama).

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3
Q

A administração e guarda dos bens da herança caracterizam a sua aceitação tácita?

A

Art. 1.805. A aceitação da herança, quando expressa, faz-se por declaração escrita; quando tácita, há de resultar tão-somente de atos próprios da qualidade de herdeiro.

§ 1 o Não exprimem aceitação de herança os atos oficiosos, como o funeral do finado, os meramente conservatórios, ou os de administração e guarda provisória.

§ 2 o Não importa igualmente aceitação a cessão gratuita, pura e simples, da herança, aos demais co-herdeiros.

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4
Q

A renúncia à herança exige forma escrita? Pode ser dar de forma tácita? Quais são suas consequências práticas?

A

Art. 1.806. A renúncia da herança deve constar expressamente de instrumento público ou termo judicial.

Comentários:

A renúncia deve ser manifestada por instrumento público ou termo judicial e, portanto, é ato solene. Não admite outra forma e não pode ser tácita. Pode ser firmada por mandatário com poderes expressos (o STJ, no julgado à frente, assentou ser necessária procuração por instrumento público, insuficiente por instrumento particular, podendo ser conferido mandato, ainda, por termo nos autos). É imprescindível que a renúncia seja manifestada antes da aceitação. Se houver aceitação tácita prévia, não se poderá mais cogitar de renúncia, pois a aceitação é irrevogável. A afirmação tem interesse prático: o herdeiro renunciante, em face da herança renunciada, é considerado inexistente, o que acarreta conse-quências como, por exemplo, seus filhos não herdarem por direito de representação e ele não arcar com o imposto causa mortis.

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5
Q

A disposição da meação pela viúva em favor dos filhos depende de instrumento público?

A

Art. 1.793. O direito à sucessão aberta, bem como o quinhão de que disponha o co-herdeiro, pode ser objeto de cessão por escritura pública.

§ 1 o Os direitos, conferidos ao herdeiro em conseqüência de substituição ou de direito de acrescer, presumem-se não abrangidos pela cessão feita anteriormente.

§ 2 o É ineficaz a cessão, pelo co-herdeiro, de seu direito hereditário sobre qualquer bem da herança considerado singularmente.

§ 3 o Ineficaz é a disposição, sem prévia autorização do juiz da sucessão, por qualquer herdeiro, de bem componente do acervo hereditário, pendente a indivisibilidade.

Art. 1.806. A renúncia da herança deve constar expressamente de instrumento público ou termo judicial.

O ato de renúncia à herança deve constar expressamente de instrumento público ou de termo nos autos, sob pena de invalidade.
Daí se segue que a constituição de mandatário para a renuncia à herança deve obedecer à mesma forma, não tendo a validade a outorga por instrumento particular (REsp 1236671/SP, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, Rel. p/ Acórdão Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 09/10/2012, DJe 04/03/2013)

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6
Q

Qual é a diferença entre suceder por estirpe e por cabeça e em que hipóteses essas sucessões ocorrem?

A

Art. 1.810. Na sucessão legítima, a parte do renunciante acresce à dos outros herdeiros da mesma classe e, sendo ele o único desta, devolve-se aos da subseqüente.

Art. 1.811. Ninguém pode suceder, representando herdeiro renunciante. Se, porém, ele for o único legítimo da sua classe, ou se todos os outros da mesma classe renunciarem a herança, poderão os filhos vir à sucessão, por direito próprio, e por cabeça.

Comentários:

O artigo é complemento do anterior, 1.810. O renunciante é considerado inexistente e sua parte acresce à dos demais herdeiros do mesmo grau dentro da mesma classe. Sendo assim, os descendentes do renunciante não herdam por direito de representação, como estabelece o art. 1.811. O direito de representação é conferido aos descendentes de herdeiro premorto. Herdam, por estirpe, a parte que caberia ao herdeiro premorto. Na renúncia, ao contrário, como dispõe o art. 1.810, a parte do renunciante acresce à dos coerdeiros da mesma classe e do mesmo grau.

Assim, se o autor da herança tinha quatro filhos, um deles premorto, e este por sua vez havia deixado dois filhos, netos do de cujus, a herança será repartida em quatro, cabendo aos dois netos uma quarta parte da herança, que caberia ao pai deles se estivesse vivo. Se o pai deles, no entanto, está vivo na abertura da sucessão do de cujus, mas renuncia, considera-se que nunca existiu, como se o autor da herança tivesse deixado somente três filhos, dentre os quais a herança é repartida. Os netos, nessa segunda hipótese, nada recebem.

A ressalva da parte final do art. 1.811 também é desdobramento do artigo anterior. Se o renunciante é o único de determinado grau ou se todos do mesmo grau renunciarem, serão chamados a suceder os do grau seguinte, por direito próprio, por cabeça, não por representação. No exemplo, se renunciam os quatros filhos do de cujus, são chamados a suceder, por direito próprio, por cabeça, não por representação, todos os netos.

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7
Q

É admissível a renúncia parcial à herança?

A

Art. 1.808. Não se pode aceitar ou renunciar a herança em parte, sob condição ou a termo.

§ 1 o O herdeiro, a quem se testarem legados, pode aceitá-los, renunciando a herança; ou, aceitando-a, repudiá-los.

§ 2 o O herdeiro, chamado, na mesma sucessão, a mais de um quinhão hereditário, sob títulos sucessórios diversos, pode livremente deliberar quanto aos quinhões que aceita e aos que renuncia.

Comentários:

O artigo principia por estabelecer não ser possível parcial aceitação ou renúncia à herança. Do contrário, o herdeiro só aceitaria o ativo ou, então, renunciaria ao passivo, subvertendo o princípio de que herda o patrimônio do de cujus, incluindo o ativo e o passivo. Em seguida, veda a aceitação e renúncia condicionais ou a termo, ou seja, subordinadas a evento futuro e incerto ou futuro e certo. O intuito é impedir que a aquisição do patrimônio permaneça por longo período sem definição, a depender de termo ou condição.

Caso alguém acumule a qualidade de herdeiro e legatário, a herança e o legado serão considerados separadamente, para fins de aceitação e renúncia, de modo que poderá renunciar à herança e aceitar o legado, ou vice-versa. O § 2o representa novidade em relação ao CC/1916, resolvendo polêmica então existente. Os quinhões recebidos a títulos sucessórios diversos são considerados distintos para aceitação e renúncia. Suponha-se um herdeiro legítimo e também testamentário: poderá renunciar à deixa testamentária e aceitar a decorrente da lei; e, também, o inverso.

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8
Q
A
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9
Q

Cite as hipóteses de indignidade e diferencia-a do instituto da deserdação.

A

Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:

I - que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;

II - que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;

III - que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.

Art. 1.962. Além das causas mencionadas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos descendentes por seus ascendentes:

I - ofensa física;

II - injúria grave;

III - relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto;

IV - desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade.

Art. 1.963. Além das causas enumeradas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos ascendentes pelos descendentes:

I - ofensa física;

II - injúria grave;

III - relações ilícitas com a mulher ou companheira do filho ou a do neto, ou com o marido ou companheiro da filha ou o da neta;

IV - desamparo do filho ou neto com deficiência mental ou grave enfermidade.

Comentários ao art. 1.814:

Conceito e distinção da deserdação: sob o título “Dos Excluídos da Sucessão”, o capítulo trata das hipóteses e efeitos da indignidade. A indignidade é ato ilícito cometido pelo sucessor, a que se comina sanção de exclusão da sucessão em face de determinada herança. Justifica-se a sanção em casos nos quais a lei considera que houve, por parte do sucessor, ingratidão incompatível com a sucessão, em face do autor da herança ou familiares próximos dele. A indignidade se aplica a todos os tipos de sucessores: herdeiros legítimos e testamentários, e legatários. Difere da deserdação, porque esta, embora também seja hipótese de exclusão da sucessão, só tem aplicação a herdeiros necessários e, além disso, não decorre diretamente da lei, mas da vontade do autor da herança, manifestada em testamento. A exclusão abrange, inclusive, o direito real de habitação do cônjuge sobrevivente (art. 1.831).

Comentários ao art. 1.961:

Deserdação e indignidade: os herdeiros necessários também são excluídos da sucessão nos casos de indignidade. Apesar do mesmo efeito, há diferenças importantes entre deserdação e indignidade. A deserdação decorre de disposição testamentária; a indignidade, da lei. A deserdação só priva da sucessão herdeiros necessários; a indignidade, todo tipo de sucessor (herdeiros necessários, facultativos, testamentários e legatários). A causa da deserdação, devendo ser declarada por testamento, necessariamente antecede a abertura da sucessão; a da indignidade pode-lhe ser posterior. Todas as causas de indignidade justificam deserdação, como prevê expressamente o art. 1.961, mas, além delas, há outras causas de deserdação, arroladas nos arts. 1.962 e 1.963, que não configuram indignidade.

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10
Q

O reconhecimento da indignidade demanda ação própria ou pode ser realizado no próprio inventário?

A

Art. 1.815. A exclusão do herdeiro ou legatário, em qualquer desses casos de indignidade, será declarada por sentença.

§ 1 o O direito de demandar a exclusão do herdeiro ou legatário extingue-se em quatro anos, contados da abertura da sucessão.

§ 2 o Na hipótese do inciso I do art. 1.814, o Ministério Público tem legitimidade para demandar a exclusão do herdeiro ou legatário.

Comentários:

Necessidade de ação própria para reconhecimento da indignidade: a declaração da sanção por indignidade se faz por sentença, em ação própria, proposta contra o suposto indigno. Foi suprimida a menção, do Código anterior, à ação ordinária, levando José Luiz Gavião de Almeida a defender o reconhecimento da indignidade no inventário, desde que não seja questão de alta indagação, quando a ação própria se revelar desnecessária, havendo, por exemplo, sentença penal condenatória, com trânsito em julgado, por homicídio doloso (Código Civil comentado. São Pau-lo, Atlas, 2003, v. XVIII, p. 163). Respeitada essa posição, é possível o legislador não ter sido muito técnico no artigo em questão, mas a referência à sentença faz concluir que exige em todas as hipóteses ação própria, pois no curso do inventário a indignidade seria declarada por decisão interlocutória, que tecnicamente não é sentença, pois não põe fim ao processo. A própria previsão, no parágrafo único, de prazo decadencial, faz concluir que é indispensável o ajuizamento de ação própria.

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11
Q

Os herdeiro podem reclamar os bens da herança após ela ter sido declarada vacante?

A

Art. 1.820. Praticadas as diligências de arrecadação e ultimado o inventário, serão expedidos editais na forma da lei processual, e, decorrido um ano de sua primeira publicação, sem que haja herdeiro habilitado, ou penda habilitação, será a herança declarada vacante.

Art. 1.822. A declaração de vacância da herança não prejudicará os herdeiros que legalmente se habilitarem; mas, decorridos cinco anos da abertura da sucessão, os bens arrecadados passarão ao domínio do Município ou do Distrito Federal, se localizados nas respectivas circunscrições, incorporando-se ao domínio da União quando situados em território federal.

Parágrafo único. Não se habilitando até a declaração de vacância, os colaterais ficarão excluídos da sucessão.

Comentários ao art. 1.822:

A declaração de vacância produz como efeitos a transferência da guarda e administração dos bens arrecadados ao Poder Público e a exclusão definitiva, em face da sucessão, dos colaterais que até então não tiverem se habilitado. Os descendentes, ascendentes, cônjuge e companheiro sobreviventes poderão reclamar os bens nos cinco anos seguintes à abertura da sucessão. Também poderão reclamar os quinhões ou bens que lhes couberem, nesse prazo, os herdeiros testamentários e inclusive legatários, caso seja descoberto testamento no curso do processo de arrecadação da herança jacente, pois a exclusão definitiva, a partir da declaração de vacância, só se dá em face dos colaterais, como estatui o parágrafo único, norma restritiva que deve ser interpretada restritivamente. Decorrido o prazo de cinco anos da abertura da sucessão, os bens arrecadados se incorporam definitivamente ao patrimônio público, sem possibilidade de reclamação posterior de herdeiros ou legatários que venham a aparecer.

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12
Q

Na petição de herança, o autor pode reivindicar bens alienados a terceiros?

A

Art. 1.827. O herdeiro pode demandar os bens da herança, mesmo em poder de terceiros, sem prejuízo da responsabilidade do possuidor originário pelo valor dos bens alienados.

Parágrafo único. São eficazes as alienações feitas, a título oneroso, pelo herdeiro aparente a terceiro de boa-fé.

Comentários:

Herdeiro aparente é o que ostenta, perante todos, a situação de herdeiro, embora não o seja. É o que ocorre, por exemplo, quando os pais do de cujus recebem a herança e, depois, surge um filho deste (vitorioso, por exemplo, em ação de investigação de paternidade), com preferência na ordem de vocação hereditária. Os pais, nesse exemplo, eram herdeiros aparentes. Se haviam alienado bens da herança, preservam-se as alienações onerosas a adquirente de boa-fé, como meio de conferir segurança às relações jurídicas. Do contrário, isto é, se são alienações gratuitas ou a adquirente de má-fé, justifica-se a ineficácia delas, pois o que recebeu os bens por doação ou outra liberalidade não terá prejuízo com o reconhecimento da ineficácia, só ficará privado de uma vantagem.

Quanto ao adquirente de má-fé, não subsiste a alienação porque sabia estar adquirindo bem não pertencente ao alienante. Tendo por norte essas premissas, extraídas do parágrafo único, compreende-se a disposição do caput. Nos casos de ineficácia da alienação efetuada pelo herdeiro aparente, o verdadeiro herdeiro poderá reclamar os bens da herança do terceiro que os detiver. Terceiro que, necessariamente, será adquirente a título gratuito ou de má-fé. Se este tiver feito nova alienação do bem hereditário, a segunda alienação deverá ser analisada segundo os critérios do parágrafo único, preservando-a, portanto, se onerosa a terceiro subadquirente de boa-fé; considerada igualmente ineficaz se houve liberalidade ou feita a pessoa de má-fé.

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13
Q

No caso de regime de comunhão parcial, se o cônjuge falecido tiver deixado, além de bens comuns, bens particulares, o cônjuge sobrevivente terá direito de concorrer com os descendentes na sucessão de ambos?

A

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: (Vide Recurso Extraordinário nº 646.721) (Vide Recurso Extraordinário nº 878.694)

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais.

Comentários:

[…]

Concorrência com os descendentes e comunhão parcial: a primeira controvérsia relevante diz respeito ao casado pelo regime da comunhão parcial quando o autor da herança houver deixado bens particulares. Se deixou bens particulares, não está presente a exceção da parte final do inciso I e, portanto, o cônjuge concorre à he-rança. No entanto, em que medida? Há quem sustente que, nessa hipótese, o cônjuge concorre em face dos bens particulares e comuns, pois a norma não faz distinção (posição de diniz, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v. VI: “Direi-to das sucessões”, 21. ed. São Paulo, Saraiva, 2007, p. 122; e de Carvalho neTo, Inácio de. Direito su-cessório do cônjuge e do companheiro. São Paulo, Método, 2007, p. 130-1).

Esse entendimento, porém, apegado à redação literal, acarreta grave contradição sistemática, pois, como visto, no regime da comunhão universal, o cônjuge não concorre, porque todos os bens são comuns. A se adotar esse entendimento, basta que, na comunhão parcial, haja um bem particular para o cônjuge concorrer em relação aos bens comuns inclusive, o que é de absurda incoerência, pois seria tratado mais favoravelmente do que o casado pela comunhão universal.

Tome-se o seguinte exemplo: o sujeito era proprietário de um veículo de valor irrisório e de dez imóveis valiosos, aquele adquirido antes do casamento, estes após. Se era casado pela comunhão universal, a viúva tem meação sobre todos os bens, sem concorrer à herança. A se adotar a orientação ora questionada, se eram casados pela comunhão parcial, a viúva teria a meação e mais uma cota hereditária sobre todos os imóveis, além da cota sobre o veículo. Para realçar ainda mais a incoerência, destaque-se que só terá a cota hereditária adicional sobre os dez imóveis por cau-sa do veículo. Se este não existisse, todos os bens seriam comuns e a viúva passaria a se enquadrar na exceção da parte final do inciso I.

É ilógico que a existência ou não de bens particulares, circunstância aleatória, possa ser o critério jurídico a diferenciar o tratamento em relação aos bens comuns. Essa solução teratológica só pode ser superada mediante análise sistemática, que mantenha a coerência entre as duas exceções, do casado pela comunhão universal e parcial. A coerência é preservada mediante aplicação da regra clara que se intui da norma: o cônjuge concorre nos bens particulares, não nos comuns. No regime da comunhão parcial, portanto, havendo bens particulares, a solução é a de se esta-belecer a concorrência do cônjuge com os descendntes nos bens particulares exclusivamente, não nos bens comuns, porque em relação a estes o cônjuge já está protegido pela meação.

[…]

Concorrência com descendentes, comunhão parcial e a posição assentada pelo STJ: o STJ, a quem incumbe pacificar a interpretação da lei federal, vinha apresentando julgados discrepantes sobre o tema. Por exemplo, no REsp n. 992.749 (rel. Min. Nancy Andrighi, j. 01.12.2009), sustentou-se que, na comunhão parcial, o cônjuge herdaria em concorrência com os descendentes nos bens comuns, não nos particulares, situação que é o oposto do que foi acima defendido. No REsp n. 974.241 (rel. Min. Honildo Amaral de Mello Castro, j. 07.06.2011), foi adotada posição contrária, assentando-se não concorrer o cônjuge com descendentes nos bens comuns, somente nos particulares.

Essa divergência de orientações permaneceu em outros julgados subsequentes, até que sobreveio julgado uniformizador, pela 2a Seção, que é a Seção que reúne a 3a e a 4a Turmas, as duas com competência para julgar causas relativas ao direito das sucessões. Trata-se do REsp n. 1.368.123, relator para o acórdão Ministro Raul Araújo, j. 22.04.2015 (cf. a ementa à frente, no tópico jurisprudência), tendo prevalecido por maioria (8 votos contra 1) o entendimento de que, no regime de comunhão parcial, na concorrência com descendentes, o cônjuge não concorre nos bens em face dos quais já está protegido pela meação, nos bens comuns, concorrendo somente nos bens particulares, de modo que, havendo bens comuns e particulares, separam-se uns e outros na operação da partilha, resguardando-se ao cônjuge meação nos bens comuns, partilhando-se a outra metade dos bens comuns exclusivamente entre os descendentes; recebendo o cônjuge, no acervo de bens particulares, cota hereditária concorrente com os descendentes. Por conseguinte, salvo eventual superação desse precedente do STJ, em princípio está pacificada no direito brasileiro essa posição interpretativa sobre o alcance do tópico final do inciso I do art. 1.829 do CC.

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14
Q

Como se dá a concorrência entre cônjuge e descendente quando o regime é da participação final nos aquestos?

A

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: (Vide Recurso Extraordinário nº 646.721) (Vide Recurso Extraordinário nº 878.694)

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais.

Comentários:

[…]

Concorrência e participação final nos aquestos: o inciso I não se refere ao regime de participação final nos aquestos criado pelo atual Código. Pelo silêncio, seria o caso, a princípio, de entender que, casado por esse regime, o cônjuge sobrevivente concorre com os descendentes em relação a todos os bens. Não pode ser essa a solução, porém, diante das peculiaridades desse regime.

Segundo o art. 1.672, durante o casamento, valem as regras da separação total de bens, mas, na dissolução da sociedade conjugal, inclusive pela morte (art. 1.685), há direito de meação nos bens adquiridos onerosamente durante o casamento. Na sucessão, portanto, a situação é a mesma da comunhão parcial. Ante essa identidade de situações, impõe-se a mesma solução legal: em relação aos bens comuns, em face dos quais tem meação e está protegido, o cônjuge não concorre com os descendentes, concorrendo somente em face dos bens particulares (cf. a opinião, por exemplo, de Euclides de Oliveira, op. cit., p. 110). O legislador não omitiu intencionalmente o regime da participação final nos aquestos, simplesmente se esqueceu de mencioná-lo.

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15
Q

Qual é o entendimento da jurisprudência quanto à existência, ou não, de direito sucessório do cônjuge casado sob o regime de separação convencional de bens?

A

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: (Vide Recurso Extraordinário nº 646.721) (Vide Recurso Extraordinário nº 878.694)

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais.

Comentários:

[…]

Separação convencional: uma vez que o inciso I exclui a concorrência no regime da separação obrigatória de bens, sem mencionar a separação convencional, passou-se a entender na doutrina que, sendo convencional, o cônjuge concorre à herança em todos os bens. Mantém-se, assim, a coerência com a regra geral enunciada: na separação convencional todos os bens são particulares, de modo que o viúvo não tem meação a resguardá-lo, devendo ser deferida cota hereditária para protegê-lo.

Ante a consagrada dicotomia entre separação obrigatória e convencional, aquela imposta pela lei a determinadas situações, esta resultante da opção dos nubentes em pacto antenupcial, a doutrina majoritária aponta equívoco na remissão, do inciso I do art. 1.829, ao art. 1.640, parágrafo único, pois a separação obrigatória está contemplada no art. 1.641 e o art. 1.640, parágrafo único, não diz respeito à separação obrigatória ou convencional. Diante desse equívoco que, à primeira vista, parecia evidente, o PL n. 699/2011 (reapresentação do PL n. 6.960/2002 e do PL n. 276/2007) propõe corrigir a remissão, passando a constar art. 1.641.

Essas conclusões que pareciam tranquilas foram refutadas pelo professor Miguel Reale, em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, de 12 de abril de 2003, no qual afirmou que a menção à separação obrigatória visa a abranger tanto a separação imposta por lei como a convencional. Argumenta o professor que, prevalecendo a concorrência na separação convencional, seria esvaziado o art. 1.687, que disciplina o regime de separação de bens, no momento crucial da morte de um dos cônjuges.

Respeitados o saber e a autoridade do ilustre professor, não é possível considerar incluída a separação convencional na expressão separação obrigatória. Em primeiro lugar, por ser, como se disse, consagrada em doutrina e jurisprudência a dicotomia entre as expressões “separação obrigatória”, imposta por lei, e “separação convencional”, sem se confundi-las. Assim sendo, não é possível, por maior que seja a autoridade da fonte histórica, adotar interpretação contrária ao texto expresso da lei. Por isso o professor propugnava que, não prevalecendo a posição por ele defendida, fosse alterado o inciso I, para excluir a expressão obrigatória (em razão da crítica por ele formulada, foi apresentado o PL n. 1.792/2007 para promover tal alteração, incluindo a separação convencional nas exceções à concorrência de cônjuge e descendentes, projeto esse que veio a ser arquivado).

Em segundo lugar, por não parecer verdade que a concorrência com os descendentes, no caso da separação convencional, esvazia o art. 1.687, que disciplina tal regime de bens. A separação convencional não acarretava, no regime do CC/1916, nem no atual, vedação a direito sucessório do cônjuge sobrevivente. Pelo contrário, o cônjuge figurava no Código anterior, e ainda figura no atual, na terceira classe da ordem de vocação hereditária e recolhe toda a herança à falta de descendentes e ascendentes, qualquer que seja o regime de bens. Além disso, no atual Código, como adiante será visto em detalhes, o cônjuge sempre concorre com ascendentes, qualquer que seja o regime de bens. No CC/1916 (art. 1.611, § 1o), o casado pela separação convencional tinha direito ao usufruto vidual; no Código atual, é assegurado a ele o direito real de habitação. Como se percebe nessas situações, não há incompatibilidade entre proteção patrimonial sucessória ao cônjuge sobrevivente e o regime de separação convencional. Diante disso, a ampliação dessa proteção, estendendo-lhe o direito à concorrência com os descendentes, não acarreta conflito com o art. 1.687.

Em terceiro e último lugar, é de se repisar o atual Código ter visado à proteção muito mais ampla do que a do sistema anterior ao cônjuge sobrevivente. Procurou, ainda, deferir-lhe cota hereditária, em concorrência com os descendentes, nos bens particulares, para que não fique desprotegido na viuvez. A concorrência na separação convencional está afinada com esses princípios. Seria incoerente assegurar ao casado pela comunhão parcial cota na herança dos bens particulares, ainda que sejam os únicos deixados pelo de cujus, e não conferir o mesmo direito ao casado pela separação convencional. Quando se casaram pela comunhão parcial, o intuito foi evitar a comunicação dos bens anteriores ao casamento. Apesar dessa opção dos nubentes, na sucessão, o viúvo terá participação hereditária nesses bens. Pela mesma razão deve ser assegurada cota na herança dos bens particulares quando se trata de separação convencional.

Esse debate, sobre a concorrência ou não do cônjuge com os descendentes na separação convencional, repercutiu na jurisprudência. Houve um primeiro precedente do STJ, acolhendo os argumentos do professor Miguel Reale, negando concorrência do cônjuge com descendentes no caso de separação convencional (REsp n. 992.749, rel. Min. Nancy Andrighi, 3a T., j. 01.12.2009). Mas julgados posteriores do STJ passaram a adotar posição oposta, até que sobreveio julgamento em embargos de divergência, pela 2a Seção, a que congrega a 3a e a 4a Turmas, as duas às quais incumbe julgar causas relativas a direito das sucessões, pacificando a questão (Ag. Reg. nos EREsp n. 1.472.945, rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, 2a S., j. 24.06.2015, v.u.). Nesse julgado, o STJ decidiu pela concorrência do cônjuge com descen-dentes no regime da separação convencional e, ainda, que essa concorrência configura hipótese de sucessão necessária, ou seja, não pode ser afastada pela vontade dos nubentes, antes da abertura da sucessão, nem por testamento.

Essa posição consolidada pelo STJ, no entanto, traz ao sistema um problema grave, que provavelmente foi a fonte de preocupação do profes-sor Miguel Reale e da Min. Nancy Andrighi no precedente acima citado.

O problema, inexistente no sistema anterior, é que muitas vezes optam pela separação convencional pessoas maduras, que já têm patrimônios e renda próprios bastantes a seu sustento, frequentemente após casamentos ou uniões estáveis anteriores, com filhos exclusivos, não desejando de forma nenhuma comunicação patrimonial em propriedade plena, mesmo por sucessão hereditária. Operando-se essa concorrência necessariamente, é possível que o patrimônio do de cujus, passando em parte para o da viúva por exemplo, possa ser objeto de nova sucessão quando da morte desta, transmitindo-se a novo cônjuge dela, ou a seus filhos exclusivos. Esse risco de sucessivas transmissões hereditárias pode levar essas pessoas a desistirem do casamento, a desistirem da formação de nova família, efeito que essa hipótese de sucessão necessária pode causar. Esse risco não existia no sistema anterior, de concorrência do cônjuge com descendentes em usufruto vidual (CC/16, art. 1.611, § 1o), pois, ocorrendo novo casamento do cônjuge sobrevivente, ou com sua morte, o usufruto extinguia-se e a propriedade plena consolidava-se em mãos de filhos do de cujus, sem possibilidade de transmissão a filhos exclusivos do cônjuge sobrevivente ou a novo cônjuge ou companheiro dele.

Para remediar o inconveniente da concorrência em propriedade plena no atual CC, talvez a solução mais adequada seja admitir que, no pacto antenupcial, ou por sua posterior alteração, os cônjuges possam, nesse caso específico de separação convencional, renunciar antecipadamente à herança do outro. A questão ficaria, assim, relegada à opção dos nubentes. Deixaria de se tratar de hipótese de sucessão necessária.

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Q

É admissível a postulação de alimentos em face do espólio?

A

Seria possível argumentar que a tutela sucessória imperativa nos casos de separação convencional tem por finalidade assegurar ao cônjuge sobrevivente um mínimo de participação na herança, para lhe garantir subsistência digna, quase que em caráter alimentar. Para tal hipótese, a solução adequada, a nosso ver, seria a aplicação do art. 1.700 do CC, ou seja, se o sobrevivente não tem renda própria nem bens para sua subsistência, se era dependente financeiramente do de cujus, poderia postular o recebimento de alimentos, em caráter excepcional, calculados proporcionalmente às forças da herança. Como tivemos oportunidade de sustentar em dissertação de mestrado, defendida na Universidade de São Paulo em 2013, sob o título Sucessão necessária, orientação do professor Claudio Luiz Bueno de Godoy, esse art. 1.700, embora situado no livro do direito de família, cuida de instituto diretamente relacionado ao direito das sucessões, hipótese de legado legal de alimentos, em similitude ao legado testamentário de alimentos do art. 1.920, e seria importante válvula de escape do sistema, de aplicação excepcional e subsidiária, para atendimento de determinadas situações como a acima mencionada. Ocorre que o STJ, no REsp n. 1.354.693, j. 26.11.2014, por maioria de votos, em julgamento de sua 2a Seção, contrariando posição doutrinária e jurisprudencial dominantes até então, acolheu a interpretação mais restritiva existente sobre o alcance desse art. 1.700, restringindo sua aplicação a alimentos vencidos e não pagos até a abertura da sucessão, o que significou, em termos práticos, a inutilização da norma, tornando-a inaplicável em diversas situações-limite, abrindo flancos no sistema, causando risco de deixar totalmente desprotegidas pessoas vulneráveis que eram sustentadas pelo de cujus. É o caso do sujeito abastado, com vários imóveis e que destina um dos diversos aluguéis para o sustento de um irmão inválido, sem bens e sem renda. Morrendo o alimentante, seus bens são herdados por seus filhos, os quais não são obrigados a prestar alimentos ao tio inválido, ainda que haja sobra suficiente na herança, porque não há obrigação alimentar além do segundo grau de parentesco (art. 1.697) e o tio é parente de terceiro grau. Seria o caso, ainda, ora abordado, do cônjuge sobrevivente casado por separação total, ao qual não restou renda nem bens, e que era sustentado pelo de cujus.

É importante ressalvar que, pela posição consolidada pelo STJ no referido julgado, afirmando que o casado por separação total concorre necessariamente com descendentes, e salvo se a questão vier a ser reexaminada pelo viés constitucional acima defendido, há grande probabilidade de que eventual pacto antenupcial com renúncia à concorrência com descendentes na separação convencional venha a ser considerado inválido pelo Judiciário, nesse particular aspecto.

Art. 1.700. A obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do art. 1.694.

Art. 1.920. O legado de alimentos abrange o sustento, a cura, o vestuário e a casa, enquanto o legatário viver, além da educação, se ele for menor.​

Comentários ao art. 1.845 (Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.):

c) e, por último, em nossa opinião, o legado legal ou legado ex lege de alimentos, do art. 1.700 do CC. Embora essa norma esteja situada no Livro “Do Direito de Família”, cuida de hipótese de transmissão de obrigação de alimentos por sucessão hereditária, situação similar à do legado testamentário de alimentos do art. 1.920 do CC. A norma do art. 1.700 é objeto de acirrada polêmica interpretativa, na doutrina e jurisprudência (cf. os respectivos comentários, nesta obra). Em nossa opinião, esmiuçada na referida dissertação, a obrigação de prestar alimentos, desse art. 1.700, entre outros aspectos: (I) transmite-se nos limites das forças da herança; (II) aplica-se somente a alimentos contemporâneos à abertura da sucessão, devidos a cônjuge, companheiros e parentes; (III) não se confunde com o pagamento das dívidas do espólio; (IV) os alimentos incidem sobre todo o acervo hereditário, não somente sobre os frutos dos bens transmitidos; (V) são arbitrados de acordo com as possibilidades do acervo hereditário e as necessidades do legatário alimentando; (VI) podem ser negados se o alimentando também é herdeiro e recebe quinhão hereditário suficiente para atender suas necessidades alimentares; (VII) têm aplicação subsidiária, para os casos nos quais não haja outro parente de grau igual ao de cujus que possa arcar com alimentos; (VIII) oneram herdeiros, necessários, legítimos facultativos, testamentários e legatários, mas deve ser observado o grau de hierarquia dos títulos sucessórios, de modo que, havendo, por exemplo, herdeiros necessários e testamentários, os alimentos oneram a estes preferencialmente, e aqueles somente em caráter subsidiário; (IX) o arbitramento impõe juízo de ponderação entre os interesses em conflito, como no caso de alimentos em favor de irmão do de cujus, mas cujo pagamento pode comprometer a subsistência de filhos menores, que eram dependentes do autor da herança, hipótese na qual o legado legal de alimentos pode vir a ser negado.

JURISPRUDÊNCIA:

DIREITO CIVIL. AÇÃO DE ALIMENTOS. ESPÓLIO. TRANSMISSÃO DO DEVER JURÍDICO DE ALIMENTAR. IMPOSSIBILIDADE. 1. Inexistindo condenação prévia do autor da herança, não há por que falar em transmissão do dever jurídico de prestar alimentos, em razão do seu caráter personalíssimo e, portanto, intransmissível. 2. Recurso especial provido. (REsp 775180/MT, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 15/12/2009, DJe 02/02/2010)

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Q

No regime de separação obrigatória de bens, pode-se reconhecer o direito do cônjuge de concorrer com os descendentes na herança, apesar da literalidade do art. 1.829, I, do CC?

A

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: (Vide Recurso Extraordinário nº 646.721) (Vide Recurso Extraordinário nº 878.694)

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais.

Comentários:

[…]

Separação obrigatória: nas hipóteses que enuncia, o art. 1.641 impõe o regime de separação de bens no casamento. Essas hipóteses são as seguintes: das pessoas que se casam com violação das causas suspensivas do art. 1.523 (similares aos impedimentos impedientes do CC/1916), a do maior de 70 anos (inciso II do art. 1.641, com a redação que lhe deu a Lei n. 12.344/2010) e a de todos que dependerem para casar de suprimento judicial. Nesse regime, pela interpretação literal do inciso I do art. 1.829, o cônjuge sobrevivente não concorre à herança com os descendentes. A explicação na doutrina para essa exceção é: se o legislador impôs o regime de separação obrigatória no casamento, abriria brecha caso permitisse a comunicação de patrimônios particulares na sucessão causa mortis. Parece realmente esse o intuito da disposição legal.

Essa solução, no entanto, não é coerente, pois o cônjuge concorre com ascendentes sempre, qualquer que seja o regime de bens, mesmo na separação obrigatória. Recolhe toda a herança, mesmo casado pela separação obrigatória, se não houver descendentes e ascendentes. É herdeiro necessário e tem direito real de habitação independentemente do regime de bens. Não há nenhuma incompatibilidade, como se vê, entre o regime de separação obrigatória e o direito sucessório do cônjuge supérstite.

Trata-se da única exceção à regra geral mencionada, do cônjuge concorrer com os descendentes nos bens particulares, não nos comuns: na separação obrigatória, não concorre, em tese, nos particulares. Essa disposição legal, se interpretada literalmente, acarreta graves problemas e incoerências, pois a separação obrigatória é imposta para proteção de um ou de ambos os nubentes e a exceção no direito sucessório pode prejudicar justamente aquele a quem o regime de bens visa a proteger. Tome-se o exemplo da adolescente que, aos 14 anos, casa-se com suprimento judicial de idade, por causa de gravidez. O casamento será realizado pelo regime da separação obrigatória de bens para protegê-la, em sua imaturidade, do marido talvez interessado unicamente em seu patrimônio. No entanto, se ela ficar viúva não concorrerá à herança com seus descendentes. A adolescente receberá, nesse caso, tratamento pior do que pessoas maduras que se casam fazendo opção pela separação total de bens (pois, na separação convencional, como visto, o viúvo herda parte dos bens particulares).

Outro exemplo é o do septuagenário, a quem a lei impõe separação obrigatória, para protegê-lo do cônjuge mais novo, que pode estar interessado unicamente no patrimônio dele. Se o mais jovem morre primeiro, o idoso não herdará em concorrência com os descendentes. É inadmissível que a lei feita para proteger alguém possa ser aplicada de modo a prejudicá-lo.

Para reparar esse absurdo, é preciso concluir que, na separação obrigatória, o cônjuge que se visa a proteger com esse regime concorre nos bens particulares. Essa é a solução apontada para o problema pelo coautor desta obra, Hamid Charaf Bdine Júnior. Não há incoerência em estabelecer que um dos cônjuges (o que a lei visa a proteger) tem direito sucessório e o outro não, pois é isso o que acontece, por exemplo, no casamento putativo, quando um cônjuge está de boa-fé e o outro não (art. 1.561, § 1o). É possível vislumbrar a possibilidade, inclusive, de situação na qual os dois cônjuges incidem em hipóteses de separação obrigatória, por exemplo, se os dois casarem com suprimento de idade ou consentimento, ou se ambos se casaram com mais de 70 anos de idade. Nesses casos, a vedação à concorrência com os descendentes não poderá ser aplicada em relação a nenhum deles.

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Q

Se, antes do decurso do prazo de separação de fato de um casal, um dos consorte falece, terá o outro direito de concorrer com os descendentes à herança, não obstante a separação de fato?

A

Art. 1.830. Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente.

Comentários:

Separação de fato por dois anos: em segundo lugar, cessa o direito sucessório do cônjuge, também, se, ao tempo da abertura da sucessão do outro, estavam separados de fato há dois anos. Assim, a contrario sensu, nesses dois anos subsiste o direito do cônjuge sobrevivente.

Há incoerência na fixação do prazo de dois anos, pois, no regime anterior à EC n. 66/2010, o decurso do prazo de um ano de separação de fato era suficiente para se postular separação judicial litigiosa, sem perquirição de culpa, no pressuposto de que, transcorrido esse prazo, não havia mais a comunhão plena de vida, efeito do casamento (art. 1.511). A incongruência se acentua a partir da EC n. 66/2010, ante a interpretação de que o divórcio se tornou admissível sem necessidade de transcurso de prazo mínimo e sem discussão de culpa, podendo ser postulado, por exemplo, no dia seguinte ao casamento. Também há contradição entre a fixação de dois anos de separação de fato para perda do direito sucessório quando a lei autoriza que o cônjuge separado de fato possa, logo após a separação de fato, constituir união estável (art. 1.723, § 1o).

A prevalecer a interpretação literal do art. 1.830, será possível a subsistência do direito sucessório do cônjuge durante dois anos e, antes de findo esse prazo, estar caracterizada união estável do autor da herança, o que resultará na concorrência à sucessão entre cônjuge e companheiro sobrevivente.

Suponha-se, por exemplo, o autor da herança, casado pela comunhão universal, proprietário de imóvel antes da separação de fato. Constitui união estável antes de dois anos e adquire mais um imóvel. Em relação ao imóvel anterior à separação de fato, a esposa terá meação. A outra metade constituirá a herança, que será deferida integralmente aos filhos, sem concorrência da esposa, por já ter meação. Quanto ao segundo imóvel, a companheira é que tem meação, pois, na união estável, salvo pacto escrito em contrário, valem as regras da comunhão parcial de bens (art. 1.725). A outra metade comporá a herança. Essa metade do segundo imóvel, que compõe a herança, em face da esposa, será considerada como bem particular, a prevalecer o entendimento de que os bens adquiridos durante a separação de fato não se comunicam. Em tese, portanto, a esposa teria uma cota hereditária, em concorrência com os filhos, em face dessa parte da herança. Cônjuge e companheira poderão, nesse exemplo, tor-nar-se condôminas do mesmo imóvel.

Para evitar essa situação absurda, a interpretação possível, a harmonizar o art. 1.830 com o art. 1.723, § 1o, é a de permanecer o direito sucessório do cônjuge por dois anos se nesse prazo não houver o autor da herança constituído união estável. Se houver união estável, cessa o di-reito do cônjuge antes dos dois anos, por rompido o vínculo afetivo, que é o valor fundador do direito familiar e, por extensão, do direito sucessório. A formação de união estável é a demonstração inequívoca da ruptura dos laços afetivos com o cônjuge. Surgindo direito sucessório do companheiro, é incompatível com a subsistência do direito do cônjuge.

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19
Q

Se o de cujus deixar mais de um imóvel residencial para inventarias, terá o cônjuge direito real de habitação?

A

Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.

Comentários:

[…]

Único imóvel residencial a inventariar: como observa José Luiz Gavião de Almeida, a parte final do artigo não pode ser aplicada literalmente. Estabelece que haverá o direito real de habitação no imóvel residencial se for o único dessa natureza a inventariar. A limitação ao único imóvel a inventariar é resquício do Código anterior, pois o direito real de habitação era conferido exclusivamente ao casado pela comunhão universal. Casado por esse regime, o viúvo tem meação sobre todos os bens. Havendo mais de um imóvel, é praticamente certo que ficará com um deles, em pagamento de sua meação, o que lhe assegura moradia. Nessa hipótese, não tem necessidade do direito real de habitação. No atual Código, porém, estendido esse direito a todos os regimes de bens, não há sentido, por exemplo, em negar o direito real de habitação ao casado pela separação de bens, se houver mais de um imóvel residencial a inventariar. Com mais razão deve lhe ser assegurada tal proteção se houver mais de um imóvel. Como também observa esse jurista, com inteira razão, o viúvo, na hipótese de vários imóveis, não poderá escolher sobre qual pretende fazer recair o direito real, embora possa exigir um que seja de conforto similar àquele em que morava (Código Civil comentado. São Paulo, Atlas, 2003, v. XVIII, p. 219-20).

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20
Q

Como se dá a concorrência do cônjuge com ascendentes na sucessão?

A

Art. 1.837. Concorrendo com ascendente em primeiro grau, ao cônjuge tocará um terço da herança; caber-lhe-á a metade desta se houver um só ascendente, ou se maior for aquele grau.

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21
Q

Há alguma distinção no direito dos irmãos bilaterais e dos irmãos germanos na sucessão?

A

Art. 1.841. Concorrendo à herança do falecido irmãos bilaterais com irmãos unilaterais, cada um destes herdará metade do que cada um daqueles herdar.

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22
Q

Quem são os herdeiros necessários?

A

Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.

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23
Q

O renunciante à herança de uma pessoa poderá representá-la na sucessão de outra?

A

Art. 1.856. O renunciante à herança de uma pessoa poderá representá-la na sucessão de outra.

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24
Q

O reconhecimento da nulidade de testemento está sujeita a prazo decadencial?

A

Art. 1.859. Extingue-se em cinco anos o direito de impugnar a validade do testamento, contado o prazo da data do seu registro.

Comentários:

O artigo fixa em cinco anos o prazo para impugnação da validade do testamento. O prazo é de decadência, não de prescrição, distinção fundamental ante a disciplina diferenciada de cada um dos institutos (cf. arts. 189 a 196, sobre prescrição; e 207 a 211, sobre decadência).

Ao se referir à arguição de invalidade do testamento, sem fazer diferenciação, o artigo contempla as hipóteses de nulidade e anulação. Se pretendesse referir-se exclusivamente às hipóteses de anulabilidade, não teria sido empregada a expressão genérica impugnação da validade. No plano da invalidade estão os negócios jurídicos nulos e os anuláveis. Nesse sentido, as lições de Zeno Veloso (Comentários ao Código Civil. São Paulo, Saraiva, 2003, v. XXI, p. 21); e Ana Cristina de Barros Mon-teiro França Pinto, atualizadora da obra de Wa-shington de Barros Monteiro (Curso de direito ci-vil, 35. ed. São Paulo, Saraiva, 2003, v. VI, p. 127).

Fixando prazo decadencial para arguição de nulidade absoluta, o artigo estabelece exceção à regra geral de o ato nulo não convalescer pelo decurso do tempo (art. 169). O testamento nulo, portanto, pode ser sanado se a nulidade não for arguida em cinco anos.

Zeno Veloso (op. cit., p. 27) observa com acuidade a importância da distinção entre testamento nulo (o que tem defeito em sua formação) e inexistente (que, apesar da aparência de testamento, não chegou a se formar), pois a inexistência não se convalida com o decurso do tempo, dando o ilustre jurista, como exemplo de inexistência, entre outros, o caso de testamento em que a assinatura do testador é falsa.

O termo inicial do prazo de cinco anos é a data do registro do testamento. Aberta a sucessão, os testamentos devem ser registrados por ordem judicial, em procedimento de jurisdição voluntária, disciplinado nos arts. 1.125 a 1.134 do CPC/73 (arts. 735 a 737 do CPC/2015; nem todos os arts. possuem correspondente no CPC/2015).

Cuidando parcialmente do mesmo tema do art. 1.859, o art. 1.909 e seu parágrafo único dispõem que a ação anulatória de disposições testamentárias inquinadas de erro, dolo ou coação tem prazo decadencial de quatro anos, contados da data na qual o interessado tiver conhecimento do vício. Trata-se de contradição aberrante, pois o termo inicial do prazo pode ser bem posterior à data do registro do testamento, de modo que o prazo para anulação, nessas hipóteses de erro, dolo ou coação, pode suplantar os cinco anos do prazo para arguição de nulidade absoluta. O PL n. 699/2011 (reapresentação do PL n. 6.960/2002 e do PL n. 276/2007) visa a sanar esse equívoco, estabelecendo prazo para impugnação do testamento por nulidade de cinco anos e para anulação quatro, ambos os prazos contados do registro do testamento.

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25
Q

Os portadores de deficiência mental têm capacidade para testar?

A

Art. 1.860. Além dos incapazes, não podem testar os que, no ato de fazê-lo, não tiverem pleno discernimento.

Parágrafo único. Podem testar os maiores de dezesseis anos.

Comentários:

O artigo trata da capacidade testamentária ativa. A regra é a capacidade para testar, a incapacidade é a exceção, nas hipóteses enunciadas no artigo. Não têm capacidade testamentária ativa: os incapazes (todos eles, visto que a lei não distingue entre incapacidade absoluta e relativa), com exceção dos menores púberes, entre 16 e 18 anos, que têm plena capacidade testamentária pela ressalva expressa do parágrafo único; e os que, por causa transitória e eventual (embriaguez, uso de tóxicos etc.), não estão, ao testar, em seu pleno discernimento.

Zeno Veloso tacha de equívoco gravíssimo a inclusão dos relativamente incapazes dentre os que não podem testar, entendendo não haver razão para lhes vedar a capacidade testamentária ativa (Comentários ao Código Civil. São Paulo, Sa-raiva, 2003, v. XXI, p. 29-30). No mesmo sentido, Célia Barbosa Abreu considera descabida a vedação à capacidade testamentária ativa aos relativamente incapazes, tratados de forma diversa dos menores púberes, aos quais o parágrafo único reconhece essa capacidade (Curatela e interdição civil. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2009, p. 171-2). Respeitadas essas abalizadas opiniões, parece que a crítica não procede, pois não têm pleno discernimento os ébrios habituais, os viciados em tóxicos e os que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade (hipóteses dos incisos II e III do art. 4o). Zeno Veloso pondera que o ébrio habitual e o toxicômano podem não estar sob efeito, respectivamente, do álcool ou de tóxicos, ao fazer o testamento, mas a hipótese do inciso II do art. 4o é dos alcoólatras e toxicômanos que, por força da dependência dessas substâncias, não têm mais o pleno discernimento, mesmo quando não estão sob o efeito delas.

[…]

O testamento elaborado por quem não tem capacidade testamentária ativa é nulo e não se convalida pela capacidade superveniente, como expressamente prevê o art. 1.861.

Se houver curatela, basta, para reconhecimento da nulidade, a prova de que já havia sido determinada, observando-se os limites nela estabelecidos, verificando-se se estabelecida restrição para testar. Se não estava à época submetido à curatela, deverá ser feita prova cabal de prejuízo ao pleno discernimento, por doença mental, por exemplo. Não se admite, em relação aos submetidos a curatela por enfermidade ou deficiência mental, a alegação de validade de atos praticados em intervalos lúcidos, por ser discutível a plena sanidade nesses intervalos, nos quais os sintomas da doença mental não se manifestam, e, também, pela insegurança jurídica que tal alegação gera.

Sílvio de Salvo Venosa (Direito civil, 3. ed. São Paulo, Atlas, 2003, v. VII, p. 142-3) defende, com razão, a validade do testamento feito por interditado que se curou da enfermidade mental, antes do levantamento da interdição, provada cabalmente a plena capacidade ao tempo do testamento. Sendo válido o testamento, também, antes do levantamento da interdição, daquele que está interditado por não poder exprimir sua vontade, por exemplo, da pessoa que sai do estado de coma. O atual Código criou a figura da curatela a pedido do curatelado (art. 1.780), a fim de facilitar a vida do enfermo ou portador de deficiência física, que, nesses casos, preserva o pleno discernimento e, portanto, a capacidade de testar.

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26
Q

Explique as modalidades de testamento conjuntivo.

A

Art. 1.863. É proibido o testamento conjuntivo, seja simultâneo, recíproco ou correspectivo.

Comentários:

O testamento conjuntivo, também chamado de mão comum, é o efetuado, em único instrumento, por mais de uma pessoa. A proibição do art. 1.630 do CC/1916 foi reproduzida em preceito idêntico no art. 1.863. A razão da proibição decorre, em primeiro lugar, do entendimento de que, ao testar conjuntamente, no mesmo testamento, os testadores estariam violando o preceito que veda contrato sobre herança de pessoa viva (art. 426), pois a reciprocidade dele resultante, o objetivo pretendido pela disposição comum, poderia acarretar interesse, que repugna à moral e ao direito, na morte do cotestador. Em segundo lugar, o testamento conjuntivo tornaria iníqua a revogabilidade que é característica essencial do testamento (art. 1.858), pois, tendo duas pessoas testado conjuntamente, por algum tipo de vínculo, a revogação das disposições testamentárias por uma delas acarretaria frustração desse liame que é vedado nas disposições de última vontade.

Além da proibição, o artigo enumera as modalidades de testamento conjuntivo. No simultâneo, duas pessoas fazem disposição idêntica em face de terceiro ou terceiros (ambos declaram, por exemplo, que deixarão todos os seus bens para determinada pessoa). Pelo recíproco, um testador institui o outro seu herdeiro ou legatário. No correspectivo, evidencia-se mais claramente a interdependência entre as disposições testamentárias de cada um dos testadores, pois guardam a mesma proporção, constando expressamente que a disposição testamentária de um tem por razão de ser a do outro.

Apesar de algumas opiniões divergentes, como a de Orlando Gomes (Sucessões, 12. ed. Rio de Ja-neiro, Forense, 2004, p. 102), o entendimento dominante é o testamento conjuntivo só se caracterizar se efetuado no mesmo instrumento, não havendo a mesma vedação para disposições simultâneas, recíprocas ou correspectivas em cédulas separadas, pois, nesse caso, é preservada a característica essencial da revogabilidade do testamento.

27
Q

Quais são os requisitos de validade do testamento particular?

A

Art. 1.876. O testamento particular pode ser escrito de próprio punho ou mediante processo mecânico.

§ 1 o Se escrito de próprio punho, são requisitos essenciais à sua validade seja lido e assinado por quem o escreveu, na presença de pelo menos três testemunhas, que o devem subscrever.

§ 2 o Se elaborado por processo mecânico, não pode conter rasuras ou espaços em branco, devendo ser assinado pelo testador, depois de o ter lido na presença de pelo menos três testemunhas, que o subscreverão.

[…]

Art. 1.879. Em circunstâncias excepcionais declaradas na cédula, o testamento particular de próprio punho e assinado pelo testador, sem testemunhas, poderá ser confirmado, a critério do juiz.

Comentários:

Inovação do atual CC, o artigo trata do testamento particular elaborado em circunstâncias excepcionais, por força das quais o legislador dispensa o acompanhamento de sua leitura e a assinatura por testemunhas. Exige-se somente ao testador apontar na cédula a circunstância excepcional que impede o concurso de testemunhas. É a hipótese, por exemplo, do náufrago em ilha deserta, ou de outras menos improváveis, como a do sujeito preso em prédio em chamas etc. Desde que haja circunstância que impeça a presença de testemunhas, constando a indicação dessa circunstância na cédula, o juiz poderá confirmar o testamento.

Como observa Zeno Veloso, cessada a circunstância excepcional, deveria o legislador ter estabelecido um prazo de caducidade do testamento, no qual o testador poderia realizar outro, por uma das formas ordinárias (Comentários ao Código Civil. São Paulo, Saraiva, 2003, v. XXI, p. 146). Diante da falta de previsão legal, em tese não será possível estabelecer prazo de validade. Não é possível invocar, por analogia, disposições dos testamentos especiais.

28
Q

É admissível a concomitância de testamento e codicilo?

A

Art. 1.881. Toda pessoa capaz de testar poderá, mediante escrito particular seu, datado e assinado, fazer disposições especiais sobre o seu enterro, sobre esmolas de pouca monta a certas e determinadas pessoas, ou, indeterminadamente, aos pobres de certo lugar, assim como legar móveis, roupas ou jóias, de pouco valor, de seu uso pessoal.

Art. 1.882. Os atos a que se refere o artigo antecedente, salvo direito de terceiro, valerão como codicilos, deixe ou não testamento o autor.

Comentários:

É possível deixar como disposição de última vontade somente codicilo, aplicando-se as regras da sucessão legítima quanto ao resto do patrimônio. É possível, também, a concomitância de testamento e codicilo, uma vez que, a princípio, têm objetos distintos. A única ressalva é a do art. 1.884, segundo o qual, elaborando testamento após ter feito codicilo, este só subsistirá se for confirmado no testamento. À falta de confirmação, considera-se revogado o codicilo. A ressalva salvo direito de terceiro, segundo a doutrina de Pontes de Miranda, transcrita por Zeno Veloso (Comentá-rios ao Código Civil. São Paulo, Saraiva, 2003, v. XXI, p. 154), é inútil e incompreensível.

29
Q

Se o herdeiro ou legatário sob condição falece antes do implemento desta, seu direito é transferido aos seus herdeiros?

A

Art. 1.897. A nomeação de herdeiro, ou legatário, pode fazer-se pura e simplesmente, sob condição, para certo fim ou modo, ou por certo motivo.

Comentários:

[…]

Se o beneficiário morre antes do implemento da condição, a disposição testamentária caduca, pois o direito hereditário não tinha sido adquirido (art. 125), e, por isso, não se transmite com a morte do herdeiro ou legatário aos herdeiros deles. No exemplo, se o legatário morre antes de concluir o curso universitário, a disposição testamentária caduca; seus sucessores não recebem o direito eventual.

É importante salientar ser essa solução, na sucessão causa mortis, distinta do que ocorre nos negócios inter vivos, pois, nestes, a morte do titular de direito condicional acarreta a transmissão do direito a seus herdeiros, de modo que, ocorrendo a condição após a morte do beneficiário, os herdeiros deste poderão reclamar o bem.

30
Q

Será inválida uma disposição testamentária vinculada a uma condição impossível?

A

Art. 1.897. A nomeação de herdeiro, ou legatário, pode fazer-se pura e simplesmente, sob condição, para certo fim ou modo, ou por certo motivo.

Comentários:

[…]

Parte da doutrina afirma que a invalidade estabelecida no art. 123 (do negócio jurídico sujeito a condições física ou juridicamente impossíveis quando suspensivas, ilícitas ou contraditórias) se aplica à sucessão testamentária, pois, segundo se argumenta, não há norma expressa autorizando tratamento diferenciado na sucessão causa mortis. Adotado esse entendimento, a condição assim viciada torna a disposição testamentária totalmente inválida: o herdeiro ou legatário nada recebem.

Em contraposição, baseados em distinção que se fazia no Direito romano, Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de direito civil, 15. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2004, v. VI, p. 262) e Orlando Gomes (Sucessões, 12. ed. Rio de Janeiro, Foren-se, 2004, p. 154) sustentam que, nesse caso, considera-se inválida a condição, não a disposição testamentária à qual foi aposta, de modo que a deixa vale como se fosse pura e simples. Essa orientação parece ser a mais acertada: no caso de testamento, há o princípio peculiar de, quando possível, preservá-lo, pois, aberta a sucessão, não há mais como emendá-lo. Por conta disso, segundo essa orientação doutrinária, deve-se, ao contrário do que ocorre nos negócios inter vivos, manter a disposição testamentária, descartando-se a condição, no pressuposto de que, apesar da condição, o intuito maior do testador era contemplar o herdeiro designado ou o legatário.

31
Q

A disposição testementária feita sob encargo pode ser revogada no caso de não cumprimento deste?

A

Art. 1.897. A nomeação de herdeiro, ou legatário, pode fazer-se pura e simplesmente, sob condição, para certo fim ou modo, ou por certo motivo.

Comentários:

[…]

Para certo fim ou modo: a disposição testamentária pode também ser feita sob encargo, obrigação acessória imposta ao herdeiro ou legatário. No caso de encargo, o herdeiro ou legatário adquire o bem desde a abertura da sucessão, salvo se o encargo for imposto sob condição suspensiva, tal como dispõe o art. 136. Essa aquisição desde a abertura da sucessão é o que difere o encargo da condição suspensiva. Se o encargo for ilícito ou impossível, considera-se não escrito, e a disposição vale como pura e simples.

Segundo parte da doutrina, a disposição testamentária pode ser revogada se não cumprido o encargo, invocando-se por similitude a norma do art. 562, segundo a qual a doação onerosa pode ser revogada se não cumprido o encargo. Outra corrente doutrinária, à qual se filiam Orlando Gomes (op. cit., p. 158) e Caio Mário da Silva Perei-ra (op. cit., p. 263), defende o não cabimento da revogação pelo descumprimento do encargo, possível somente a exigência do cumprimento da obrigação e, não havendo êxito, o reclamo de perdas e danos. A revogação só é possível, segundo essa corrente, excepcionalmente, se o testador a tiver previsto de maneira expressa no testamento como sanção pelo descumprimento do encargo. Argumenta-se que, no caso do art. 562, segundo sua expressa previsão, a revogação da doação onerosa por descumprimento do encargo só pode ser postulada pelo próprio doador. No caso do testamento, só seria possível por determinação do testador e, portanto, se prevista por ele no testamento. Essa segunda solução parece ser mais coerente, pois, descumprido o encargo, a se permitir a revogação a pedido de qualquer interessado, surgirão dois interesses em conflito, inconciliáveis: o do interessado na revogação, provavelmente quem se beneficiará com a revogação da disposição testamentária, e a do credor do encargo, interessado em manter a disposição testamentária e exigir o cumprimento da obrigação pelo herdeiro ou legatário.

32
Q

É cabível a estipulação de disposição testamentária sob termo inicial?

A

Art. 1.898. A designação do tempo em que deva começar ou cessar o direito do herdeiro, salvo nas disposições fideicomissárias, ter-se-á por não escrita.

Comentários:

De redação idêntica a seu similar do CC/1916, o artigo veda a instituição de herdeiro a termo, seja o termo inicial ou final. O testador não pode estabelecer, portanto, que a disposição em favor do herdeiro só será implementada a partir de determinada data, posterior à abertura da sucessão, ou que cessará sobrevindo certa data. A disposição é criticada pela doutrina, por ser incoerente vedar a instituição de herdeiro a termo, quando o artigo anterior permite que o testador possa subordiná-la a condição suspensiva ou resolutiva. Em caso de violação ao artigo sob comentário, considera-se não escrito o termo ao qual está subordinada a disposição, valendo esta, portanto, como pura e simples. O artigo trata exclusivamente do herdeiro, não do legatário; em relação a este, há norma expressa (art. 1.924) permitindo instituição a termo.

33
Q

Cite as hipóteses de disposições testamentárias nulas.

A

Art. 1.900. É nula a disposição:

I - que institua herdeiro ou legatário sob a condição captatória de que este disponha, também por testamento, em benefício do testador, ou de terceiro;

II - que se refira a pessoa incerta, cuja identidade não se possa averiguar;

III - que favoreça a pessoa incerta, cometendo a determinação de sua identidade a terceiro;

IV - que deixe a arbítrio do herdeiro, ou de outrem, fixar o valor do legado;

V - que favoreça as pessoas a que se referem os arts. 1.801 e 1.802.

Art. 1.901. Valerá a disposição:

I - em favor de pessoa incerta que deva ser determinada por terceiro, dentre duas ou mais pessoas mencionadas pelo testador, ou pertencentes a uma família, ou a um corpo coletivo, ou a um estabelecimento por ele designado;

II - em remuneração de serviços prestados ao testador, por ocasião da moléstia de que faleceu, ainda que fique ao arbítrio do herdeiro ou de outrem determinar o valor do legado.

Art. 1.801. Não podem ser nomeados herdeiros nem legatários:

I - a pessoa que, a rogo, escreveu o testamento, nem o seu cônjuge ou companheiro, ou os seus ascendentes e irmãos;

II - as testemunhas do testamento;

III - o concubino do testador casado, salvo se este, sem culpa sua, estiver separado de fato do cônjuge há mais de cinco anos;

IV - o tabelião, civil ou militar, ou o comandante ou escrivão, perante quem se fizer, assim como o que fizer ou aprovar o testamento.

Art. 1.802. São nulas as disposições testamentárias em favor de pessoas não legitimadas a suceder, ainda quando simuladas sob a forma de contrato oneroso, ou feitas mediante interposta pessoa.

Parágrafo único. Presumem-se pessoas interpostas os ascendentes, os descendentes, os irmãos e o cônjuge ou companheiro do não legitimado a suceder.

34
Q

A previsão de inalienabilidade do bem prevista no testamento importa em sua incomunicabilidade?

A

Art. 1.911. A cláusula de inalienabilidade, imposta aos bens por ato de liberalidade, implica impenhorabilidade e incomunicabilidade.

Parágrafo único. No caso de desapropriação de bens clausulados, ou de sua alienação, por conveniência econômica do donatário ou do herdeiro, mediante autorização judicial, o produto da venda converter-se-á em outros bens, sobre os quais incidirão as restrições apostas aos primeiros.

35
Q

O testador pode estabelecer como encargo a entrega, pelo legatário ou terceiro, de coisa de sua propriedade a terceiro?

A

Art. 1.913. Se o testador ordenar que o herdeiro ou legatário entregue coisa de sua propriedade a outrem, não o cumprindo ele, entender-se-á que renunciou à herança ou ao legado.

Comentários:

O testador por instituir herdeiro ou legatário sob encargo (art. 1.897). O encargo, como estabelece o art. 1.913, pode consistir na entrega de coisa, móvel ou imóvel, de propriedade do herdeiro ou legatário, a outrem. Se o herdeiro ou legatário não aceitar cumpri-lo, considera-se que renunciou à herança ou ao legado. Cumprindo-o, poderá obter ressarcimento parcial em face dos demais coerdeiros, exigindo uma cota proporcional de cada um deles, sobre o valor da coisa entregue ao beneficiário (também chamado de sublegatário), salvo se o testador expressamente vedar esse direito regressivo (art. 1.935). Se a coisa, ao tempo da abertura da sucessão, não pertence mais ao herdeiro ou legatário, o sublegado caduca, prevalecendo a herança ou o legado sem o encargo, salvo se a alienação da coisa tiver sido feita de má-fé para frustrar o intuito do testador (cf. maximiliano, Carlos. Direito das sucessões, 5. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1964, v. II, p. 307). É importante observar que o art. 1.913 e o art. 1.935 não têm aplicação à legítima dos herdeiros necessários, pois a eles pertence de pleno direito metade dos bens da herança (art. 1.846), vedada de redução por disposição testamentária.

Art. 1.935. Se algum legado consistir em coisa pertencente a herdeiro ou legatário (art. 1.913), só a ele incumbirá cumpri-lo, com regresso contra os co-herdeiros, pela quota de cada um, salvo se o contrário expressamente dispôs o testador.

36
Q

Qual é a diferença entre legado de alimento e de renda vitalícia?

A

Art. 1.920. O legado de alimentos abrange o sustento, a cura, o vestuário e a casa, enquanto o legatário viver, além da educação, se ele for menor.

Comentários:

O legado pode consistir em alimentos em favor do legatário. Em face da norma idêntica do CC/1916, Carlos Maximiliano observava que cabe ao testador estipular o montante dos alimentos, prevalecendo sua vontade ainda que o valor seja excessivo ou deficiente, e desde que não prejudique herdeiros necessários. Não o fazendo, caberá ao juiz fixar a quantia, observando os elementos apontados no artigo, bem como o costume do testador, em vida, ao prestar alimentos ao legatário e, ainda, será preciso considerar quais são as forças da herança, pois o sucessor onerado com o pagamento desses alimentos não responde além dos limites das forças da herança. Se o testador não estabeleceu limitação temporal ou à permanência das necessidades do beneficiário, o legado será vitalício. O legado se extingue com a morte do beneficiário, devidas a seus sucessores eventuais prestações pretéritas não pagas. Se a morte é do sucessor onerado com o cumprimento desse legado, seus sucessores devem continuar a pagar os alimentos testamentários. Pela natureza alimentar, não cabe renúncia do legado de alimentos (Direito das sucessões, v. II, 5. ed., p. 351-6). Em dissertação de mestrado, referida no comentário ao art. 1.845, com o título “Sucessão necessária”, observamos que, na doutrina e jurisprudência italianas, prevalece entendimento de que, caracterizado o intento do testador de legar alimentos, sua subsistência fica subordinada à permanência do estado de necessidade, ao contrário do que se dá quando o legado é de renda vitalícia, o qual independe da situação financeira do legatário (cf. CaPPozzi, Guido. Successioni e donazioni, t. II, 3. ed., Giuffrè, p. 1.198; e bianCa, Massimo. Diritto civile, v. 2, La famiglia e le successioni, 4. ed. Giuffrè, p. 793). Como então defendemos na análise desse tema, se o legado de alimentos, nos termos do art. 1.920, tem por fi-nalidade suprir as referidas necessidades do alimentando, parece possível sustentar que também entre nós fica condicionado à permanência do efetivo estado de necessidade do credor, desde que evidenciada a intenção do testador de efetivamente legar alimentos e não renda vitalícia, como possibilita o art. 1.926.

Art. 1.926. Se o legado consistir em renda vitalícia ou pensão periódica, esta ou aquela correrá da morte do testador.

37
Q

O que ocorrerá se foi conferida ao legatário, pelo testador, a opção da melhor coisa que houver na herança de determinado gênero, e não existir mais nenhum desse gênero no patrimônio do de cujus no momento de sua morte?

A

Art. 1.929. Se o legado consiste em coisa determinada pelo gênero, ao herdeiro tocará escolhê-la, guardando o meio-termo entre as congêneres da melhor e pior qualidade.

Art. 1.930. O estabelecido no artigo antecedente será observado, quando a escolha for deixada a arbítrio de terceiro; e, se este não a quiser ou não a puder exercer, ao juiz competirá fazê-la, guardado o disposto na última parte do artigo antecedente.

Art. 1.931. Se a opção foi deixada ao legatário, este poderá escolher, do gênero determinado, a melhor coisa que houver na herança; e, se nesta não existir coisa de tal gênero, dar-lhe-á de outra congênere o herdeiro, observada a disposição na última parte do art. 1.929.

Comentários:

Complementando os arts. 1.929 e 1.930, o art. 1.931 prevê a possibilidade, no legado de coisa determinada pelo gênero, do testador dispor que a escolha, a individualização da coisa, será feita pelo legatário. Como visto, se nada dispuser a respeito, o art. 1.929 estabelece que a escolha será feita pelo onerado com o pagamento do legado. Na hipótese da escolha ser atribuída ao legatário, e se houver coisas do gênero determinado dentre os bens da herança, ele poderá optar pela de melhor qualidade. Se não houver coisa do gênero na herança, o herdeiro fará a escolha, observado o critério de equidade do art. 1.929.

38
Q

O que é sublegado?

A

Art. 1.935. Se algum legado consistir em coisa pertencente a herdeiro ou legatário (art. 1.913), só a ele incumbirá cumpri-lo, com regresso contra os co-herdeiros, pela quota de cada um, salvo se o contrário expressamente dispôs o testador.

Art. 1.913. Se o testador ordenar que o herdeiro ou legatário entregue coisa de sua propriedade a outrem, não o cumprindo ele, entender-se-á que renunciou à herança ou ao legado.

Comentários:

Como visto nos comentários ao art. 1.913, o encargo atribuído a herdeiro ou legatário pode consistir na entrega de bem do próprio herdeiro ou legatário a um terceiro, chamado sublegatário. Ao cumprir esse encargo, dispõe o art. 1.935 que o herdeiro ou legatário terá direito regressivo em face dos demais coerdeiros, para exigir reembolso proporcional ao herdado por cada um. O testador, porém, poderá no testamento afastar esse direito regressivo, estabelecendo que o herdeiro ou legatário onerado suportará sozinho o encargo, sem direito ao reembolso proporcional previsto neste artigo.

39
Q

Em que consiste a substituição fideicomissária?

A

Da Substituição Fideicomissária

Art. 1.951. Pode o testador instituir herdeiros ou legatários, estabelecendo que, por ocasião de sua morte, a herança ou o legado se transmita ao fiduciário, resolvendo-se o direito deste, por sua morte, a certo tempo ou sob certa condição, em favor de outrem, que se qualifica de fideicomissário.

Art. 1.952. A substituição fideicomissária somente se permite em favor dos não concebidos ao tempo da morte do testador.

Comentários:

Trata-se da mais relevante inovação do atual CC em relação ao fideicomisso. Somente a prole eventual de alguém poderá ser instituída como fideicomissário. É preciso, além disso, o fideicomissário não ter sido concebido ao tempo da morte do testador. Se já tiver nascido, não se cuidará mais de substituição fideicomissária. A disposição será preservada não como originalmente idealizada pelo testador, mas como usufruto. Nascido o fideicomissário na abertura da sucessão, recebe a nua propriedade do objeto do fideicomisso. O fiduciário se torna usufrutuário. Usufruto que subsistirá até que ocorra o evento indicado pelo testador (morte do fiduciário, termo ou condição).

Apesar da semelhança, são inconfundíveis o fideicomisso e o usufruto. Dentre outras, a diferença mais significativa é a possibilidade de alienação, pelo fiduciário, do bem fideicometido, transmitindo ao adquirente a propriedade resolúvel, ao passo que o usufruto não é passível de alienação pelo usufrutuário (art. 1.393). Essa diferença, no entanto, tem mínima repercussão prática, ante o evidente desinteresse econômico pela aquisição de propriedade resolúvel pelo advento de termo ou condição. Por causa dessa diferença prática quase irrelevante, parcela da doutrina considerava desnecessária a existência do fideicomisso, bastando o usufruto, preservada a utilidade daquele somente para contemplar a prole eventual de alguém, o que não é possível pelo usufruto. Por essa razão, o atual Código limitou a instituição de fideicomissário à prole eventual de alguém.

40
Q

A morte do fiduciário, anterior à condição ou termo, acarreta a transmissão do bem difeicometido aos seus herdeiros ou ao fideicomissário?

A

Da Substituição Fideicomissária

Art. 1.951. Pode o testador instituir herdeiros ou legatários, estabelecendo que, por ocasião de sua morte, a herança ou o legado se transmita ao fiduciário, resolvendo-se o direito deste, por sua morte, a certo tempo ou sob certa condição, em favor de outrem, que se qualifica de fideicomissário.

Art. 1.952. A substituição fideicomissária somente se permite em favor dos não concebidos ao tempo da morte do testador.

Comentários:

Outro aspecto relevante é a morte do fiduciário, anterior à condição ou ao termo, acarretar a transmissão do bem fideicometido a seus herdeiros, não ao fideicomissário, salvo se a morte dele for o evento previsto pelo testador para desencadear a substituição fideicomissária. A morte do usufrutuário, por sua vez, extingue o usufruto. Na morte do fideicomissário antes da substituição, consolida-se a propriedade plena em mãos do fiduciário ou seus sucessores. Morrendo o nu proprietário, a nua propriedade se transmite a seus sucessores.

41
Q

Em que consiste a deserdação?

A

Art. 1.961. Os herdeiros necessários podem ser privados de sua legítima, ou deserdados, em todos os casos em que podem ser excluídos da sucessão.

Comentários:

Conceito: a deserdação é disposição testamentária pela qual o testador, invocando causa expressamente prevista em lei, exclui da sucessão herdeiro necessário. Os herdeiros necessários são os descendentes, ascendentes e, novidade do atual CC, o cônjuge sobrevivente (art. 1.845), aos quais se assegura de pleno direito a metade dos bens da herança, a legítima (art. 1.846), que o testador não pode dispor por testamento (art. 1.789). Constitui a deserdação, portanto, exceção ao princípio da intangibilidade da legítima.

A matéria é tratada no título da sucessão testamentária, pois a deserdação deve constar, necessariamente, de testamento, em qualquer de suas modalidades, sendo inválida se observada forma diversa. No entanto, na essência, diz respeito à sucessão legítima, aos herdeiros necessários. Embora a deserdação constitua exceção ao direito à legítima pelos herdeiros necessários, acarreta a exclusão do herdeiro necessário inclusive em relação à metade disponível.

Quanto aos herdeiros facultativos (no atual Código são somente os colaterais), não há que se falar em deserdação, pois basta ao testador dispor de todo o seu patrimônio a outrem, sem precisar declarar a causa, para alijá-los da sucessão (art. 1.850). Relembre-se da polêmica, na vigência do atual Código, sobre a inclusão do companheiro sobrevivente como herdeiro necessário, questão apreciada no comentário ao art. 1.845. Caso se entenda que o companheiro é herdeiro necessário, também está sujeito à deserdação.

Admite-se a deserdação parcial, como sanção mais branda do testador, por não ser vedada por lei e ser mais favorável ao deserdado. É importante adiantar que a exclusão por deserdação não se aperfeiçoa somente com a vontade do testador manifestada em testamento. Há necessidade, também, após a abertura da sucessão, de ação em que essa causa seja comprovada (cf. o art. 1.965).

42
Q

As listas de casos de indignidade é taxativa?

A

Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:

I - que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;

II - que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;

III - que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.

Comentários:

[…]

Cabimento de analogia limitada nos casos de indignidade: a doutrina, de modo geral, afirma que essas hipóteses são taxativas. Parece mais adequado, porém, o critério defendido por José de Oliveira Ascensão, de os casos de indignidade consagrarem uma tipicidade delimitativa, que comporta analogia limitada (Sucessões, 5. ed. Coim-bra, Coimbra, 2000, p. 139). Isso significa ser preciso verificar os valores que se pretendeu defender na tipicidade legal, permitindo que, para situações nas quais esses mesmos valores estejam em jogo, possa ser aplicada idêntica solução legal.

Alguns exemplos servem para demonstrar a necessidade dessa analogia. O inciso I faz menção exclusiva a homicídio doloso. Em termos técnico-jurídicos, não se confunde homicídio doloso com induzimento e instigação ao suicídio, com latrocínio ou com extorsão mediante sequestro qualificada pela morte. Nesses três outros crimes, porém, o mesmo valor que a norma visa a preservar foi atingido. Há, da mesma forma como no homicídio doloso, atentado à vida do autor da herança (com mais gravidade até, no caso do latrocínio ou da extorsão, se comparados, por exemplo, ao homicídio simples). Seria de absurda incoerência não estender a esses exemplos a mesma sanção civil.

Outras hipóteses também poderão justificar essa solução sempre quando violado o valor que se pretende preservar (o herdeiro não atentar contra a vida do autor da herança). Por isso Caio Mário da Silva Pereira defende a extensão da pena de indignidade para os casos de induzimento ou instigação ao suicídio (Instituições de direito ci-vil, 15. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2004, v. VI, p. 38). Essa é a razão, também, do acórdão a seguir mencionado, do STJ, no qual, em última análise, aplicou-se a sanção de indignidade, por analogia, a caso de maus-tratos e abandono material que redundaram na morte do autor da herança (embora haja, pelo que se entrevê da ementa, aparente confusão no julgado a quo entre previsibilidade do resultado morte e intenção de matar, sendo cabível a aplicação da indignidade só neste último caso, pois no outro a morte decorre de culpa, não de dolo). De certa maneira, Carlos Maximiliano endossa esse entendimento ao advertir que, apesar de serem taxativas as hipóteses legais, não se justifica a interpretação puramente filológica ou gramatical, devendo-se observar não só a letra da disposição legal, mas seu espírito (op. cit., v. III, p. 142).

43
Q

A deserdação produz efeitos para os herdeiros do deserdado?

A

Efeitos da exclusão: assim como ocorria no CC/1916, o atual CC também não contém disposição expressa que limite a pena da deserdação à pessoa do deserdado. Não há, no tema da deserdação, norma similar à do art. 1.816, segundo a qual são pessoais os efeitos da exclusão por indignidade. Por causa dessa omissão, Washington de Barros Monteiro sustenta que os herdeiros do deserdado, nos casos nos quais se admite direito de representação (arts. 1.851 a 1.856), não poderiam recolher a herança ou legado (Curso de direito civil, 35. ed. São Paulo, Saraiva, 2003, v. VI, p. 246), mas sua posição é isolada. A maioria da doutrina entende que, sendo pena de igual natureza à da exclusão por indignidade, os efeitos da deserdação também são pessoais, considerando-se como se o deserdado tivesse morrido antes do de cujus. Por conseguinte, se houver direito de representação, os herdeiros do deserdado herdam o que a ele caberia (art. 1.851).

Em contrapartida, no entanto, por coerência, o deserdado também está sujeito à disposição do parágrafo único do art. 1.816, ou seja, não terá direito ao usufruto ou à administração dos bens que a seus sucessores couberem na herança, nem à sucessão eventual desses bens. Acolhendo essas ponderações da doutrina dominante, o PL n. 699/2011 (reapresentação do PL n. 6.960/2002 e do PL n. 276/2007) propõe a criação de um § 2o no art. 1.965, prevendo expressamente que os efeitos da deserdação são pessoais, estendendo ao deserdado a norma do parágrafo único do art. 1.816.

44
Q

Quais são as hipóteses de deserdação?

A

Art. 1.962. Além das causas mencionadas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos descendentes por seus ascendentes:

I - ofensa física;

II - injúria grave;

III - relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto;

IV - desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade.

Art. 1.963. Além das causas enumeradas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos ascendentes pelos descendentes:

I - ofensa física;

II - injúria grave;

III - relações ilícitas com a mulher ou companheira do filho ou a do neto, ou com o marido ou companheiro da filha ou o da neta;

IV - desamparo do filho ou neto com deficiência mental ou grave enfermidade.

Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:

I - que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;

II - que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;

III - que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.

45
Q

No caso de as disposições testamentárias excederem a parte disponível, como se procede ao decote do excesso?

A

Art. 1.967. As disposições que excederem a parte disponível reduzir-se-ão aos limites dela, de conformidade com o disposto nos parágrafos seguintes.

§ 1 o Em se verificando excederem as disposições testamentárias a porção disponível, serão proporcionalmente reduzidas as quotas do herdeiro ou herdeiros instituídos, até onde baste, e, não bastando, também os legados, na proporção do seu valor.

§ 2 o Se o testador, prevenindo o caso, dispuser que se inteirem, de preferência, certos herdeiros e legatários, a redução far-se-á nos outros quinhões ou legados, observando-se a seu respeito a ordem estabelecida no parágrafo antecedente.

46
Q

Se não observados todos as solenidades previstas na lei, o testamento posterior poderá ter o efeito de revogar as disposições de anterior? No caso de revogação do testemento revocatório, o que ocorre? Volta a valer o anterior?

A

Art. 1.971. A revogação produzirá seus efeitos, ainda quando o testamento, que a encerra, vier a caducar por exclusão, incapacidade ou renúncia do herdeiro nele nomeado; não valerá, se o testamento revogatório for anulado por omissão ou infração de solenidades essenciais ou por vícios intrínsecos.

Comentários:

Uma vez revogado o testamento por outro válido, a revogação produz seus efeitos, ainda que os herdeiros ou legatários contemplados no testamento posterior venham a ser excluídos da sucessão, não tenham capacidade sucessória passiva ou venham a renunciar à herança ou ao legado. A razão de ser da disposição é que a exclusão, incapacidade ou renúncia dos sucessores, preservada a validade do testamento posterior, não infirmam o intuito do testador, expresso ou tácito, de revogar o testamento anterior. Tais circunstâncias, portanto, de exclusão, incapacidade e renúncia, não produzem efeito de repristinar o testamento anterior. É possível ao testador, prevendo uma das referidas hipóteses (exclusão, incapacidade ou renúncia), expressamente dispor que, caso venham a ocorrer, deverão ser observadas as disposições do testamento anterior.

A revogação não subsistirá, porém, se o testamento revocatório for considerado inválido, por falta ou infração de solenidades essenciais ou por vícios intrínsecos. Como visto no comentário ao art. 1.969, salvo no caso de rompimento voluntário do testamento cerrado, um testamento só se revoga por outro válido. É preciso que o testamento posterior, revocatório, observe uma das formas solenes previstas em lei. Se não houver observância de formalidades essenciais, esse novo ato não será considerado, tecnicamente, testamento e, portanto, não terá sido observada a forma prescrita em lei para a revogação. É possível, ainda, que o testador revogue, em um terceiro testamento, o testamento revocatório.

Há divergência na doutrina sobre as consequências da revogação do testamento revocatório. Pontes de Miranda sustenta que o testamento primitivo revive ao ser revogada sua revogação, mas Zeno Veloso, com apoio da maioria da doutrina, invocando por analogia o que ocorre com a lei (art. 2o da Lindb), defende que não há repristinação automática, ou seja, que o primeiro testamento só recobra sua eficácia se o testador, ao revogar o testamento revocatório, assim dispuser expressamente (Comentários ao Código Ci-vil. São Paulo, Saraiva, 2003, v. XXI, p. 356-7).

47
Q

Se sobrevier descendente sucessível ao testador após a confecção do testamento, ter-se-á este por rompido? E se houver reconhecimento de parternidade post-mortem?

A

Art. 1.973. Sobrevindo descendente sucessível ao testador, que não o tinha ou não o conhecia quando testou, rompe-se o testamento em todas as suas disposições, se esse descendente sobreviver ao testador.

Comentários:

O atual CC, revelando maior apuro técnico, trata da revogação e do rompimento do testamento em capítulos separados. O CC/1916 os disciplinava de forma englobada no capítulo da revogação dos testamentos. Embora afins, são institutos distintos. A revogação se dá por ato voluntário do testador. O rompimento, pela ocorrência de fato previsto em lei, que retira a eficácia do testamento. Diz-se que o rompimento é uma revogação que decorre da lei. Segundo a presunção legal, se o fato superveniente fosse de conhecimento do testador ao tempo em que testou, não teria testado ou o teria feito de forma diversa.

É o que se verifica na primeira hipótese de rompimento prevista no art. 1.973: sobrevém descendente sucessível ao testador que, ao tempo do testamento, não tinha nenhum. Pressupõe o legislador que, se o testador soubesse que teria um filho, por exemplo, não teria testado ou o teria feito de forma diversa. Ainda que o testador haja disposto somente de metade de seu patrimônio, da parte disponível, a superveniência do descendente acarreta a completa ineficácia do testamento. Ressalve-se a possibilidade, válida, de ter previsto expressamente que, sobrevindo ou aparecendo descendente sucessível, o testamento seria preservado. Se não houver essa ressalva expressa e quiser manter as disposições testamentárias, ele deverá efetuar outro testamento.

Com exceção da isolada opinião de Orlando Gomes (Sucessões, 12. ed. Rio de Janeiro, Foren-se, 2004, p. 243), a doutrina entende não haver rompimento se o testador tinha descendente ao tempo do testamento e lhe sobrevém outro, pois, segundo a opinião majoritária, se tinha um ou mais descendentes quando testou, a existência de descendente não o inibiu de testar, presumindo-se, nesse caso, que testaria mesmo sobrevindo outro.

[…]

Diverge-se na doutrina e na jurisprudência sobre os efeitos de reconhecimento de paternidade, voluntário ou judicial, posterior ao testamento. Caio Mário da Silva Pereira, por exemplo, sustenta que o reconhecimento voluntário ou judicial rompe o testamento (Instituições de direito civil, 15. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2004, v. VI, p. 346). A solução mais adequada parece ser a defendida por Zeno Veloso (Comentários ao Código Civil. São Paulo, Saraiva, 2003, v. XXI, p. 369-71): o importante é a ignorância da filiação ao tempo do testamento. Por conseguinte, se for comprovado que o testador sabia da existência do filho quando testou e só depois reconhece a paternidade, o testamento não se rompe, pois o fundamento da ruptura do testamento é a ciência posterior da existência do filho, não o posterior reconhecimento de paternidade. A paternidade é preexistente a seu reconhecimento. Do contrário, o filho não reconhecido receberia tratamento melhor do que o reconhecido, pois, no caso deste, o testamento superveniente não se rompe e no caso daquele sempre ocorreria a ruptura, mesmo quando o testador soubesse da paternidade antes de testar. Da mesma forma, se o testador é demandado em ação de investigação de paternidade, em relação à filiação por ele ignorada, a procedência do pedido acarretará o rompimento do testamento. No entanto, se ficar comprovado que sabia da filiação, ou se tinha dúvidas a seu respeito, e mesmo assim testou, não há rompimento. O filho que venceu a demanda só poderá se valer, caso invadida a legítima, da redução das disposições testamentárias (arts. 1.967 e 1.968).

48
Q

Se. após a elaboração do testamento, o qual beneficia o cônjuge do testador, sobrevém divórcio do casl, ter-seá por rompido o testamento?

A

Art. 1.973. Sobrevindo descendente sucessível ao testador, que não o tinha ou não o conhecia quando testou, rompe-se o testamento em todas as suas disposições, se esse descendente sobreviver ao testador.

Comentários:

[…]

Quanto ao rompimento do testamento, Zeno Veloso ainda apresenta interessante observação de que não prevê a lei a separação judicial ou o divórcio posterior acarretar a ruptura de testamento no qual o testador beneficiou seu cônjuge. Embora haja decisões reconhecendo ruptura do testamento nessas hipóteses, não parece ser a melhor orientação, pois só há rompimento nos casos expressamente previstos em lei e, ocorrendo o divórcio ou a separação, o testador pode revogar as disposições que havia feito ao cônjuge, não havendo necessidade da ruptura por presunção legal. No entanto, esse jurista sustenta, com razão, que, no caso de separação-remédio (art. 1.572, § 2o), postulada pelo cônjuge sadio em face do que foi acometido de doença mental grave, de cura improvável, se o testador for o cônjuge que ficou doente não poderá revogar o testamento. Seria de absurda incoerência do sistema punir o cônjuge sadio com a cláusula de dureza do § 3o do art. 1.572, perdendo o eventual direito à meação sobre os bens que o outro trouxe para o casamento, e, ao mesmo tempo, mantê-lo como beneficiário do testamento do cônjuge doente (op. cit., p. 374-8). Parece defensável, portanto, mesmo sem previsão legal expressa, sustentar que, no caso de separação-remédio, há ruptura do testamento em desfavor do cônjuge sadio.

49
Q

O que é testamentero, quem pode sê-lo e qual meio para institui-lo?

A

Art. 1.976. O testador pode nomear um ou mais testamenteiros, conjuntos ou separados, para lhe darem cumprimento às disposições de última vontade.

Comentários:

O testamenteiro é pessoa designada pelo testador para defender a validade, fazer cumprir e fiscalizar o cumprimento do testamento. A designação não pode recair em pessoa jurídica. O nomeado pode ser herdeiro legítimo ou testamentário, ou legatário, ou, ainda, pessoa estranha. No Direito brasileiro, o testamenteiro é indispensável, pois, se não for indicado pelo testador, o juiz nomeará um dativo (art. 1.984). O nomeado pelo testador é chamado instituído. A nomeação de testamenteiro pode recair em uma ou mais pessoas, conjunta ou separadamente. A nomeação será conjunta se forem nomeadas duas ou mais pessoas para atuação simultânea, podendo o testador atribuir a todas elas as funções referidas ou dividir funções, como quiser. Serão nomeados testamenteiros separados quando um for indicado para a falta ou escusa de outro. O testamenteiro não é obrigado a aceitar a nomeação, mas o testador pode prever que, nesse caso, perderá o legado ou parte da herança que lhe caberia como remuneração pelo exercício dessa atribuição. A nomeação do testamenteiro pode ser feita em testamento ou codicilo (art. 1.883). Deverá haver testamenteiro para cumprimento de codicilo.

Art. 1.984. Na falta de testamenteiro nomeado pelo testador, a execução testamentária compete a um dos cônjuges, e, em falta destes, ao herdeiro nomeado pelo juiz.

Art. 1.987. Salvo disposição testamentária em contrário, o testamenteiro, que não seja herdeiro ou legatário, terá direito a um prêmio, que, se o testador não o houver fixado, será de um a cinco por cento, arbitrado pelo juiz, sobre a herança líquida, conforme a importância dela e maior ou menor dificuldade na execução do testamento.

Parágrafo único. O prêmio arbitrado será pago à conta da parte disponível, quando houver herdeiro necessário.

Art. 1.988. O herdeiro ou o legatário nomeado testamenteiro poderá preferir o prêmio à herança ou ao legado.

50
Q

O testamenteiro tem a posse da herança?

A

Art. 1.977. O testador pode conceder ao testamenteiro a posse e a administração da herança, ou de parte dela, não havendo cônjuge ou herdeiros necessários.

Parágrafo único. Qualquer herdeiro pode requerer partilha imediata, ou devolução da herança, habilitando o testamenteiro com os meios necessários para o cumprimento dos legados, ou dando caução de prestá-los.

Comentários:

O cônjuge sobrevivente (no atual Código, herdeiro necessário) e os demais herdeiros necessários (descendentes e ascendentes) têm preferência para exercer a administração da herança, permanecendo com a posse dos bens do espólio, como estatui o art. 1.797. Embora o art. 1.977 não diga, o companheiro sobrevivente também tem a mesma preferência, por expressa previsão do art. 1.797. Se não houver cônjuge e outros herdeiros necessários, o testador pode atribuir a posse e a administração da herança ao testamenteiro. A razão é facilitar ao testamenteiro o cumprimento do testamento. O testamenteiro que assume a administração e posse da herança é chamado universal. No entanto, se os herdeiros ou algum deles fornecer ao testamenteiro os meios para o cumprimento dos legados, ou derem caução para assegurar esses meios, o testamenteiro deixa de ter necessidade da administração e posse dos bens da herança, que passa a um dos herdeiros, observadas as regras do referido art. 1.797, II.

51
Q

A aplicação da pena de sonegados só pode ocorrer em caso de dolo, ou também no de culpa?

A

Art.1.992. O herdeiro que sonegar bens da herança, não os descrevendo no inventário quando estejam em seu poder, ou, com o seu conhecimento, no de outrem, ou que os omitir na colação, a que os deva levar, ou que deixar de restituí-los, perderá o direito que sobre eles lhe cabia.

Comentários:

Sonegados: o herdeiro que sonega bens no inventário está sujeito à pena civil de perda do direito hereditário sobre os bens desviados. A expressão sonegados designa os bens desviados, a pena civil aplicada ao herdeiro e, também, a ação respectiva, para aplicação da pena. A sonegação pode se dar: pela omissão do herdeiro no cumprimento do dever de relacionar no inventário bens do espólio que estejam em seu poder ou em poder de terceiros com conhecimento dele; pelo descumprimento da obrigação de conferir bens à colação (cf. arts. 2.002 e segs.); e pela não restituição dos bens em seu poder. Aplicada a pena de sonegados, o sonegador é considerado inexistente em relação aos bens sonegados. A parte que lhe tocaria será partilhada entre os demais herdeiros. Se a partilha já se efetuou, os bens sonegados são objeto de sobrepartilha (art. 1.040 do CPC/73; art. 669 do CPC/2015).

Dolo: pressuposto para aplicação da pena de sonegados é a existência de dolo. Se o herdeiro deixa de descrever o bem no inventário por ignorância ou mesmo por culpa em sentido estrito, não se aplica a pena.

[…]

Ônus da prova do dolo: diverge a doutrina sobre o ônus da prova na ação de sonegados. Segundo Sílvio Rodrigues, por exemplo, ocorrendo omissão na descrição de bens da herança, há presunção relativa sobre a existência de dolo, a ser ilidida pelo réu, a quem imputada a sonegação (Direito civil, 25. ed. São Paulo, Saraiva, 2002, v. VII, p. 325). Em sentido oposto, há os que, como Orlando Gomes, sustentam que o ônus da prova do dolo compete ao acusador (Sucessões, 12. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 303-4). Parece razoável o entendimento de, tendo o herdeiro sido questionado expressamente sobre o bem, e ainda assim negar sua posse ou sua existência, passa a haver presunção relativa de sonegação dolosa. Do contrário, se não foi interpelado expressamente a respeito, o ônus da prova competirá ao autor da demanda.

52
Q

Morrendo o sonegador no curso da ação de sonegados, a pena pode ser estendida a seus sucessores?

A

Art.1.992. O herdeiro que sonegar bens da herança, não os descrevendo no inventário quando estejam em seu poder, ou, com o seu conhecimento, no de outrem, ou que os omitir na colação, a que os deva levar, ou que deixar de restituí-los, perderá o direito que sobre eles lhe cabia.

Comentários:

[…]

Pena personalíssima e sentença constitutiva: segundo as lições de Carlos Maximiliano (Direito das sucessões, 5. ed., Rio de Janeiro, Freitas Bas-tos, 1964, v. III, p. 390) e Orlando Gomes (op. cit., p. 305), a pena de sonegados é personalíssima e fica prejudicada caso o sonegador morra no curso da ação de sonegados. Os herdeiros dele, nesse caso, receberão por herança a parte que lhe tocaria nos bens sonegados. A sentença da ação de sonegados, portanto, é constitutiva.

53
Q

Como se dá o pagamento, ou a impugnação, de dívida no inventário?

A

Art. 1.997. A herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido; mas, feita a partilha, só respondem os herdeiros, cada qual em proporção da parte que na herança lhe coube.

§ 1 o Quando, antes da partilha, for requerido no inventário o pagamento de dívidas constantes de documentos, revestidos de formalidades legais, constituindo prova bastante da obrigação, e houver impugnação, que não se funde na alegação de pagamento, acompanhada de prova valiosa, o juiz mandará reservar, em poder do inventariante, bens suficientes para solução do débito, sobre os quais venha a recair oportunamente a execução.

§ 2 o No caso previsto no parágrafo antecedente, o credor será obrigado a iniciar a ação de cobrança no prazo de trinta dias, sob pena de se tornar de nenhum efeito a providência indicada.

Comentários:

[…]

Antes da partilha, os credores do espólio habilitam seus créditos perante o juízo do inventário. A petição é distribuída por dependência ao inventário, autuada em apenso e deve estar acompanhada de prova literal da dívida (art. 1.017, § 1o, do CPC/73; art. 642, § 1o, do CPC/2015). Se houver concordância de todos os interessados, o juiz declara habilitado o crédito e manda separar dinheiro para o pagamento. Se não houver dinheiro, separam-se bens suficientes para o pagamento, que são alienados judicialmente ou, se preferir o credor e os interessados concordarem, pode-se adjudicar os bens reservados, quitando-se a dívida (art. 1.017, §§ 2o a 4o, do CPC/73; art. 642, §§ 2o a 4o, do CPC/2015). Os bens a serem reservados são escolhidos pelos herdeiros, pois a eles cabe definir de quais bens preferem se desfazer. Caso não haja concordância em relação à habilitação do crédito, bastando a discordância de um único interessado (que não precisa ser fundamentada), o juiz remete as partes para as vias ordinárias (art. 1.018 do CPC/73; art. 643 do CPC/2015). Como vias ordinárias, compreendem-se a ação de cobrança, a execução etc. Ao determinar que a cobrança deverá ser feita judicialmente, em ação própria, por não haver possibilidade de pagamento amigável, o juiz do inventário, a pedido ou de ofício, determina a reserva de bens para pagamento do crédito. Salvo se a impugnação de algum interessado estiver fundamentada em prova de pagamento, demonstrando ser temerária a habilitação efetuada pelo credor.

54
Q

O neto que participa da sucessão do avô por representação tem de trazer à colação os bens que este lhe doou em vida?

A

Art. 2.002. Os descendentes que concorrerem à sucessão do ascendente comum são obrigados, para igualar as legítimas, a conferir o valor das doações que dele em vida receberam, sob pena de sonegação.

Parágrafo único. Para cálculo da legítima, o valor dos bens conferidos será computado na parte indisponível, sem aumentar a disponível.

Comentários:

Colação: é o ato pelo qual o descendente, concorrendo com outros descendentes à sucessão do ascendente comum, confere, relaciona, por imposição legal, o valor das doações que recebeu dele em vida, para igualar as legítimas, sob pena de sonegados, ou seja, de perda do direito sobre os bens não colacionados (cf. arts. 1.992 a 1.996).

Essa obrigação imposta pela lei é consequência da previsão do art. 544, segundo a qual a doação de ascendente a descendentes é considerada adiantamento do que lhes cabe por herança. Não importa se a doação se circunscreveu à metade do patrimônio do doador, à parte que ele poderia dispor por testamento [ver observação]. Mesmo nesse caso, o descendente tem a obrigação legal de conferir por inteiro o valor do bem recebido em doação.

Ressalva-se a hipótese do descendente de segundo grau em diante, um neto, por exemplo, que tenha recebido doação em nome próprio e participe da sucessão por direito de representação (arts. 1.851 e segs.), situação na qual não estará obriga-do à colação (cf. comentário ao art. 2.009).

Art. 2.009. Quando os netos, representando os seus pais, sucederem aos avós, serão obrigados a trazer à colação, ainda que não o hajam herdado, o que os pais teriam de conferir.

[…]

Obs: “A obrigação de conferir os bens recebidos por doação não é absoluta, pois, no ato da liberalidade ou após, por testamento (art. 2006), o doador pode dispensar o donatário da colação, dispondo que a doação saia da parte disponível (art. 2005)”.

55
Q

A colação se dá antes ou após o pagamento das dívidas do de cujus?

A

Recorde-se que o art. 1.847, ao tratar do cálculo da legítima, estabelece que o pagamento das dívidas e despesas de funeral se faz antes da adi-ção do valor dos bens sujeitos à colação, motivo pelo qual a cobrança dos créditos em face do de cujus não recai sobre o valor dos bens colacionados.

Art. 1.847. Calcula-se a legítima sobre o valor dos bens existentes na abertura da sucessão, abatidas as dívidas e as despesas do funeral, adicionando-se, em seguida, o valor dos bens sujeitos a colação.

56
Q

O que são doações indiretas? Elas entram na colação?

A

Doações indiretas: os doutrinadores, de modo geral, salientam que as doações indiretas, ou dissimuladas, também devem ser objeto de colação. São exemplos de doações indiretas, que se encontram na doutrina, o perdão do pai a uma dívida do filho; a construção feita pelo ascendente em terreno do descendente, perdendo para este a construção; a doação simulada como compra e venda.

57
Q

Em regra, a colação deve se dar pelo valor do bem ou em substância?

A

Art. 2.002. Os descendentes que concorrerem à sucessão do ascendente comum são obrigados, para igualar as legítimas, a conferir o valor das doações que dele em vida receberam, sob pena de sonegação.

Parágrafo único. Para cálculo da legítima, o valor dos bens conferidos será computado na parte indisponível, sem aumentar a disponível.

Comentários:

Colação pelo valor ou em substância: na vigência do CC/1916, ante as disposições conflitantes de seus arts. 1.792 e 1.787, havia intenso debate na doutrina sobre como se deveria realizar a colação, pelo valor da doação ou, ao contrário, pela conferência do próprio bem doado, em espécie, resolvendo-se a doação. A questão foi pacificada com o CPC/73, cujo art. 1.014 (art. 639 do CPC/2015), tratando de questão de direito material, assentou que a colação se faz em substância, pela conferência dos bens recebidos em doação, admissível a do valor respectivo somente se o donatário já não mais os possuir na abertura da sucessão.

O atual CC, no art. 2.002, revogando o art. 1.014 do CPC/73 (art. 639 do CPC/2015), fez opção pela colação pelo valor, não pela substância, apesar da opinião divergente de Eduardo de Oliveira Leite (Comentários ao novo Código Civil, 3. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2003, p. 761). Enquanto o art. 1.786 do CC/1916 dispunha que a colação consistia em “conferir as doações”, o art. 2.002, na principal novidade sobre as colações, estatui que o conferido é “o valor das doações”. Chega-se à mesma conclusão pela análise do parágrafo único do art. 2.003 e do art. 2.004 (cf. respectivos comentários). O CPC/2015 reproduziu em seu art. 639 a disposição do art. 1.014 do CPC/73, o que, em tese, teria acarretado revogação parcial do CC/2002, voltando-se ao sistema de colação em substância preferencialmente, em valor somente em caráter subsidiário. Mas entendemos que a inovação do CPC/2015 decorreu de claro equívoco, acarretando grave inconsistência no sistema, permitindo, por isso, a manutenção da regra do CC, de colação em valor, sem desfazimento da doação, desfazendo-se a doação excepcionalmente, quando o acervo hereditário não permitir a reposição necessária para igualar as legítimas (para aprofundamento, cf. o comentário ao art. 2.004).

É certo que o art. 2.007, gerando alguma confusão, faz menção à conferência em substância, mas a contradição é só aparente. O art. 2.007 não trata de colação, mas de redução das doações inoficiosas, ou seja, redução das doações que, violando o art. 549, excederam a metade da qual o doador, ao tempo da liberalidade, podia dispor por testamento. No que exceder a metade disponível, a doação é nula, conforme expressa previsão do art. 549. Sendo caso de nulidade, não produz efeitos, autorizando o tratamento diferenciado da doação inoficiosa em face da colação, pois a nulidade do excesso na doação inoficiosa justifica a restituição em espécie. Na colação, ao contrário, a doação é válida, não se justificando sua resolução. Basta que o donatário confira seu valor. Só ocorrerá conferência pela substância, na colação, na hipótese excepcional do parágrafo único do art. 2.003. Nesse sentido, em linhas gerais, a opinião de Euclides de Oliveira (Código Civil comentado. São Paulo, Atlas, 2004, v. XX, p. 118).

Art. 2.003. A colação tem por fim igualar, na proporção estabelecida neste Código, as legítimas dos descendentes e do cônjuge sobrevivente, obrigando também os donatários que, ao tempo do falecimento do doador, já não possuírem os bens doados.

Parágrafo único. Se, computados os valores das doações feitas em adiantamento de legítima, não houver no acervo bens suficientes para igualar as legítimas dos descendentes e do cônjuge, os bens assim doados serão conferidos em espécie, ou, quando deles já não disponha o donatário, pelo seu valor ao tempo da liberalidade.

Art. 2.004. O valor de colação dos bens doados será aquele, certo ou estimativo, que lhes atribuir o ato de liberalidade.

§ 1 o Se do ato de doação não constar valor certo, nem houver estimação feita naquela época, os bens serão conferidos na partilha pelo que então se calcular valessem ao tempo da liberalidade.

§ 2 o Só o valor dos bens doados entrará em colação; não assim o das benfeitorias acrescidas, as quais pertencerão ao herdeiro donatário, correndo também à conta deste os rendimentos ou lucros, assim como os danos e perdas que eles sofrerem.

Art. 639. No prazo estabelecido no art. 627 , o herdeiro obrigado à colação conferirá por termo nos autos ou por petição à qual o termo se reportará os bens que recebeu ou, se já não os possuir, trar-lhes-á o valor.

Parágrafo único. Os bens a serem conferidos na partilha, assim como as acessões e as benfeitorias que o donatário fez, calcular-se-ão pelo valor que tiverem ao tempo da abertura da sucessão.

58
Q

Qual é o momento adequado para propositura da ação de redução no caso de desrespeito à legítima?

A

Art. 2.007. São sujeitas à redução as doações em que se apurar excesso quanto ao que o doador poderia dispor, no momento da liberalidade.

§ 1 o O excesso será apurado com base no valor que os bens doados tinham, no momento da liberalidade.

§ 2 o A redução da liberalidade far-se-á pela restituição ao monte do excesso assim apurado; a restituição será em espécie, ou, se não mais existir o bem em poder do donatário, em dinheiro, segundo o seu valor ao tempo da abertura da sucessão, observadas, no que forem aplicáveis, as regras deste Código sobre a redução das disposições testamentárias.

§ 3 o Sujeita-se a redução, nos termos do parágrafo antecedente, a parte da doação feita a herdeiros necessários que exceder a legítima e mais a quota disponível.

§ 4 o Sendo várias as doações a herdeiros necessários, feitas em diferentes datas, serão elas reduzidas a partir da última, até a eliminação do excesso.

Comentários:

Redução das doações inoficiosas: com exceção do § 3o, que reproduz em linhas gerais o parágrafo único do art. 1.790 do CC/1916, o restante do art. 2.007 é novidade do atual CC, disciplinando em detalhes como se procede a redução das doações inoficiosas. As doações inoficiosas são as realizadas com violação ao art. 549: “Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento”. Trata-se de regra visando a complementar a proteção de herdeiros necessários, impedindo que, por meio de doação, se obtenha o desfalque da legítima vedado por testamento. A doação é nula na parte em que exceder a metade disponível. Para tanto, considerase o patrimônio do doador ao tempo da doação. Se seu patrimônio era de 100 e doou 50, não há excesso, ainda que, ao tempo de sua morte, seus bens correspondam a 80. O excesso é restituído ao monte pelo valor que os bens tinham ao tempo da doação, como estatui o § 1o, valor que será corrigido monetariamente até a partilha, desconsiderando-se, como ocorre no art. 2.004, valorizações ou desvalorizações posteriores, rendimentos ou lucros, assim como da-nos e perdas (§ 2o do art. 2.004).

Ação de redução: divergem a doutrina e a jurisprudência sobre o momento no qual a ação de redução pode ser ajuizada. Há entendimento de só poder ser intentada após a abertura da sucessão, argumentando-se que, antes desse momento, seria litígio envolvendo herança de pessoa viva. Argumenta-se, em contrapartida, que a ação é admissível desde o momento da doação, pois, na parte excedente à metade disponível, há nulidade. Essa segunda corrente parece ser a mais adequada e vem prevalecendo na jurisprudência do stJ. Pondera-se que, ao se aguardar a morte do doador, o que pode levar vários anos, o bem doado poderá se dissipar, ou passar a terceiros de boa-fé, dificultando a recomposição da legítima.

A legitimidade ativa para a ação de redução é daqueles que, considerado o momento da doa-ção, seriam os sucessores, herdeiros necessários, do doador. A legitimidade passiva é do donatá-rio e, se vivo, do doador. Essa ação está sujeita ao prazo prescricional máximo, de dez anos do atual CC (art. 205). Era de vinte anos no CC/1916.

Assim como ocorre na redução das disposições testamentárias (cf. art. 1.967), se apenas um dentre vários sucessores pede a redução da doação inoficiosa, permanecendo os demais inertes, parece ser mais adequado limitar a redução ao necessário para recompor o quinhão desse her-deiro na legítima, mantendo-se a inoficiosidade em relação aos quinhões dos que não demandaram a redução.

59
Q

Aquele que renunciou à herança ou dela foi excluído deve colacionar os bens que lhe foram doados?

A

Art. 2.008. Aquele que renunciou a herança ou dela foi excluído, deve, não obstante, conferir as doações recebidas, para o fim de repor o que exceder o disponível.

Comentários:

Dispensa da colação ao renunciante e ao excluído: aquele que renunciou a herança (arts. 1.804 a 1.813) ou dela foi excluído, por indignidade (arts. 1.814 a 1.818) ou deserdação (arts. 1.961 a 1.965), apesar da renúncia ou exclusão, não se livra do dever de repor o excesso nas doações inoficiosas.

A primeira observação importantíssima sobre o artigo é que, ao estabelecer que a conferência do renunciante ou do excluído se circunscreve à reposição do que invadir a metade indisponível, leva a concluir, em contrapartida, que ele tem direito de reter a metade disponível. Isso significa que o renunciante e o excluído não estariam, em tese, sujeitos à colação, só à redução das disposições inoficiosas, pois a colação, salvo dispensa pelo doador, pressupõe a conferência do valor do bem doado em sua integralidade, não só da parte correspondente à metade indisponível (sobre a diferença entre colação e redução das doações inoficiosas, cf. comentário ao art. 2.007).

A interpretação, de que o renunciante e o excluído retêm a doação até o limite da parte disponível do momento da liberalidade, é afirmada pela doutrina (cf. bevilaqua, Clóvis. Direito das sucessões, 5. ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1955, p. 315; maximiliano, Carlos. Direito das su-cessões, 5. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1964, v. III, p. 401-2; oliveira, Itabaiana de. Tratado de direito das sucessões, 4. ed. São Paulo, Max Limo-nad, 1952, v. III, p. 828-31; Pereira, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, 15. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2004, v. VI, p.408).

Interpretação divergente: embora tal solução esteja aparentemente em conformidade com o texto expresso da lei, pode acarretar situações absurdas frente ao sistema. Por exemplo, como visto no comentário ao art. 2.002, se o de cujus morre sem bens, ainda assim os descendentes, ou o cônjuge que concorre com eles, permanecem obrigados a conferir, por inteiro, inclusive na parte disponível, as doações que receberam dele em vida. Bastaria ao herdeiro donatário, nessa situação, renunciar para ser dispensado da colação. Se a doação, na época da liberalidade, circunscreveu-se à metade disponível, não havendo, portanto, parte inoficiosa, os demais descendentes, nesse exemplo, nada receberiam. Tanto é assim que Carlos Maximiliano observa que, sempre que a situação patrimonial do de cujus não tenha melhorado após a doação, o donatário terá “enorme vantagem em repudiar a sucessão” (op. cit., p. 401).

Essa solução legal não se afina com o sistema. Se a doação de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge a outro, constitui adiantamento de herança (art. 544), e se a colação visa a igualar as legítimas (art. 2.002), não é possível aceitar, por meio da renúncia ou por causa da exclusão, o renunciante e o excluído obterem vantagem sobre as legítimas dos coerdeiros. O absurdo se acentua no caso do excluído.

Segundo Orlando Gomes (Sucessões, 12. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 286-7), a teoria que melhor justifica a exigência legal da colação é a da igualdade entre os descendentes, isto é, a razão da colação é assegurar igualdade nas legítimas. Ao se permitir que, por meio da renúncia ou exclusão, a legítima dos demais coerdeiros seja desfalcada, ou, até mesmo, totalmente esvaziada se o de cujus morre sem bens, ocorrerá desvirtuamento dessa igualdade. Por meio da renúncia, nessa hipótese, o donatário não estaria verdadeiramente renunciando à herança, mas, ao contrá-rio, retendo a legítima recebida antecipadamente, para não reparti-la com os coerdeiros. No caso da exclusão, ao ser apenado, obteria vantagem patrimonial. Conforme lição de Carlos Maximiliano, já citada nos comentários ao art. 1.878, na interpretação da lei deve se optar pela solução equitativa e lógica, em vez da que conduza a resultado absurdo (Hermenêutica e aplicação do di-reito, 10. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1988, p. 166-7). A interpretação literal, como visto, parece levar a resultado absurdo, a solução iníqua não desejada pelo legislador.

Argumenta-se, para justificar o entendimento de o renunciante e o excluído estarem dispensados da colação, que o herdeiro renuncia à herança, ou dela é excluído, e que tal ato não significa renúncia ou exclusão da doação, pois a doação não faz parte da herança (cf. oliveira, Itabaiana de. Op. cit., p. 829). Essa afirmação não parece, no entanto, absolutamente correta. A doação de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge a outro, constitui adiantamento de herança. O bem doado não faz, em regra, realmente, parte da herança, pois a colação é feita pelo valor, não em substância (cf. arts. 2.002 e 2.003). Ocorre que a colação será feita pela conferência do valor se, para igualar as legítimas, os bens do acervo hereditário (excluído o que foi objeto da colação) forem suficientes para tanto. Caso não sejam suficientes, a colação se faz, subsidiariamente, em substância, com a conferência do próprio bem doado, resolvendo-se a doação (cf. parágrafo úni-co do art. 2.003, novidade do atual CC, e o respectivo comentário). Portanto, o bem doado não fará parte da herança se o acervo hereditário, considerado o valor que deveria ser colacionado, for suficiente para assegurar a igualdade das legítimas dos coerdeiros.

Suponha-se o seguinte exemplo: o sujeito com patrimônio de 100 faz doação de 33,33 a um de três filhos. Ao morrer, seu patrimônio é de 66,66 e o filho donatário renuncia à herança. Cada irmão do renunciante receberá 33,33. A igualdade das legítimas estará assegurada. Se a doação, porém, for de 50 e ao morrer o de cujus deixa os outros 50 de herança, o donatário recebeu 50 de adiantamento da herança e seus irmãos receberão, cada um, 25. Haverá desigualdade das legítimas. Se o donatário aceitar a herança, terá de conferir o bem à colação, pois o acervo hereditário não é suficiente para atingir os 16,66 necessários para completar as legítimas de seus irmãos. Terá de fazer a conferência em substância, resolvendo-se a doação ao menos no correspondente a esses 16,66. Renunciando à herança, caso prevaleça a referida orientação doutrinária, estaria dispensado da colação, e também não seria caso de redução de doação inoficiosa; porém, isso acarreta a desigualdade das legítimas, violando o princípio maior que rege a colação.

Parece, portanto, uma interpretação mais razoável do art. 2.008 é a de que ele estará sempre subordinado ao princípio maior, fundamento da colação, de assegurar a igualdade das legítimas. Sempre que a renúncia ou exclusão de herdeiro acarrete desigualdade, valerá o princípio geral dos arts. 2.002 e 2.003, obrigando-o à colação para igualar as legítimas. A disposição do art. 2.008 fica restrita à hipótese na qual a manutenção da doação não afeta essa igualdade, aplicando-se, ainda, à redução das doações inoficiosas.

60
Q

Quando os netos, representando os seus pais, sucederem aos avós, serão obrigados a trazer à colação o que os pais teriam de conferir, ainda que não o hajam herdado?

A

Art. 2.009. Quando os netos, representando os seus pais, sucederem aos avós, serão obrigados a trazer à colação, ainda que não o hajam herdado, o que os pais teriam de conferir.

61
Q

Se determinada pessoa iniciou a posse num imóvel em fevereiro de 2000, quando completará o prazo de usucapião extraordinária, considerando as regra de direito intertemporal? E se a posse iniciou-se em 1984?

Prazo passou de 20 pra 10 (no caso de posse qualificada pela concessão de função social, por intermédio da efetiva moradia do possuidor no local ou da realização de obras e serviços de caráter produtivo - art. 1.238, pár. ún.)

A

Art. 2.029. Até dois anos após a entrada em vigor deste Código, os prazos estabelecidos no parágrafo único do art. 1.238 e no parágrafo único do art. 1.242 serão acrescidos de dois anos, qualquer que seja o tempo transcorrido na vigência do anterior, Lei n o 3.071, de 1 o de janeiro de 1916.

Comentários:

Em suma, o CC/2002, tanto na usucapião ex­traordinária como na ordinária, efetiva o prin­cípio constitucional da proporcionalidade, ao adequar a ponderação entre a situação do pro­prietário e a do possuidor ao reduzir prazos na medida em que a posse deixe de ser mero poder fático sobre a coisa e converta­se em real instru­ mento de concretização de direito social de mo radia (art. 6o da CF).

Como forma de solucionar o conflito inter­temporal pertinente às situações possessórias iniciadas na vigência do CC/1916 e completadas na vigência do atual sistema, o art. 2.029 estabelece um acréscimo de dois anos na contagem dos no­vos prazos, até dois anos a contar de 11.01.2003. Ilustraremos o comentário por meio de quatro exemplos em que alguém inicia atos possessórios – ao exercitar moradia e função social –, antes do advento do CC/2002. Em comum, haverá redução do antigo prazo de vinte anos de posse para dez anos até a consumação da usucapião extraor­dinária, à luz do parágrafo único do art. 1.238.

a) Se A iniciou a posse em fevereiro de 1993, al­cançaria a usucapião em fevereiro de 2013 (curso de vinte anos). Se não houvesse dispositivo inter­temporal, com as novas regras, atingiria o prazo em fevereiro de 2003. Porém, determina a norma o acréscimo de mais dois anos ao prazo, evitando o efeito surpresa contra o proprietário desidioso. Assim, haverá usucapião em fevereiro de 2005.
b) Se A iniciou a posse em fevereiro de 1994, alcançaria a usucapião em fevereiro de 2014. Pelas normas do CC/2002, o prazo seria adiantado para fevereiro de 2004. Contudo, ao se aplicar o art. 2.029, soma­-se mais um ano ao prazo – pois já conta com nove anos de posse e necessitará de dez anos –, além de adicionar-­se ao resultado par­cial mais dois anos, conforme determinado pela norma transitória. Assim, a usucapião ocorrerá em fevereiro de 2006.
c) Se A iniciou a posse em fevereiro de 2000, alcançaria a usucapião em fevereiro de 2020. Com a redução do prazo para dez anos, poderia plei­tear o direito de propriedade a partir de fevereiro de 2010. Nessa hipótese não se aplica o prazo de pedágio ressalvado pelo art. 2.029, cuja incidên­cia é restrita aos prazos de usucapião que se com­pletem “até dois anos após a entrada em vigor des­te Código”. Com efeito, após dois anos de vigência do CC – a partir de janeiro de 2005 – o legislador prescindirá do aludido biênio, já que o efeito sur­presa desaparece na medida em que a nova or­dem civil passa a ser de conhecimento geral.
d) Se A inicia a posse em fevereiro de 1984, a usucapião se concretizaria em fevereiro de 2004, pelas regras do CC/1916. Com a redução do pra­zo para dez anos, poderíamos supor que o pos­suidor seria retroativamente considerado pro­ prietário a partir de fevereiro de 1994. Mas essa conclusão seria absurda por malferir a garantia constitucional do direito adquirido do proprie­tário. Outros poderiam entender que com a vi­gência do CC/2002 o possuidor seria automaticamente alçado à condição de proprietário em 11.01.2003. Mas essa resposta também não satis­faz, eis que a parte final do art. 2.029 requer um acréscimo de dois anos, “qualquer que seja o tem­po transcorrido na vigência do anterior”, evitan­do qualquer lesão ou confisco em face do proprietário. Nada obstante, caso se acrescente os dois anos, a usucapião ocorreria em fevereiro de 2005 e o possuidor se colocaria em situação pa­radoxalmente mais gravosa que a concedida pelo CC/1916. Destarte, uma regra de ponderação aconselha-­nos a acrescentar apenas um ano ao prazo já percorrido (19 + 1), dando-­se a consu­mação da usucapião em fevereiro de 2004.

Porém, o artigo em comento só incide para a adequação de prazos nas modalidades de usuca­pião com função social, pois o texto do dispositivo é claro ao aludir os “prazos estabelecidos no parágrafo único do art. 1.238 e no parágrafo úni­co do art. 1.242”. Assim, as modalidades de usu­capião despidas de função social serão remetidas às regras do art. 2.028.

Destarte, se alguém inicia o período possessó­rio sem exercitar moradia ou investimentos pro­dutivos, o prazo de vinte anos foi reduzido para quinze anos. Então, imagine uma posse iniciada em tais moldes em janeiro de 1987. Teremos de­zesseis anos de transcurso possessório quando do início da vigência do CC/2002. Esse prazo é superior à metade do tempo estabelecido na lei revogada. Assim, faltarão quatro anos para a con­ sumação da usucapião. Aproveitando o raciocí­nio, se a posse começou em janeiro de 1994, pas­saram nove anos até 11.01.2003. Vale dizer, menos da metade do prazo anterior de vinte anos. Em tese, aplicaria-­se o prazo restante previsto na lei nova – quinze anos –, a contar de sua vigência. Todavia, o resultado seria superior ao obtido na norma revogada, pois 9 anos + 15 anos = 24 anos. Assim, o certo será interromper o novo prazo em janeiro de 2014, onze anos após o início da vi­ gência do CC/2002, a fim de estabelecer a conta­ gem de 9 anos + 11 anos = 20 anos.

62
Q

Qual a diferneça entre corporação e fundação?

A

Art. 2.031. As associações, sociedades e fundações, constituídas na forma das leis anteriores, bem como os empresários, deverão se adaptar às disposições deste Código até 11 de janeiro de 2007. (Redação dada pela Lei nº 11.127, de 2005)

Comentários:

No tocante a sua estrutura, as pessoas jurídi­cas de direito privado se dividem em corpora­ções ou fundações. A corporação é um conjunto de pessoas reunidas para a consecução de uma finalidade comum, já na fundação prevalece o as­pecto material e objetivo do patrimônio perso­nalizado a uma certa finalidade, sem que exista uma união de esforços. Basta a afetação patrimo­nial. Enquanto a corporação possui fins internos, voltados ao bem-­estar de seus membros, as fun­dações existem e vivem para a consecução de fins externos, estabelecidos pelo instituidor.

As corporações dividem­-se em associações e sociedades (art. 44 do CC). As sociedades são contratos plurilaterais com direitos e obrigações recíprocas e finalidade lucrativa e dividem­-se em simples e empresárias. As sociedades simples vi­sam a partilha de resultados entre os sócios em certas profissões ou pela prestação de serviços técnicos. As sociedades empresárias, tendo por objeto o exercício próprio da atividade de em­presário, assume as formas de: sociedade em nome coletivo, comandita simples, comandita por ações, sociedade limitada e sociedade anônima. Aliás, as antigas sociedades civis de fins lucrativos te­rão que optar entre a adoção da forma de socie­dade simples ou de sociedade empresária, con­forme a atividade que exercite.

63
Q

O caput do art. 2.035 trata da retroatividade mínima ou de aplicação imediata da lei?

A

Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução.

Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos.

Comentários:

Elogiamos o legislador por fazer do Livro Com­plementar uma verdadeira lei de conflito, cuidan­do de normas temporárias e excepcionais, que regulam os efeitos futuros de situações jurídicas pretéritas. Indubitavelmente, as Disposições Fi­nais e Transitórias auxiliam o operador do direi­to a desvendar labirintos que em princípio só po­deriam ser enfrentados pelo auxílio ao art. 5o, XXXVI, da CF e art. 6o da Lindb.

Certamente comentaremos o dispositivo mais polêmico entre as normas de direito intertempo­ral. O art. 2.035 faz uma simples indagação: quais são os efeitos futuros dos contratos pretéritos? Aqui reina a controvérsia, pois quanto aos con­tratos firmados antes do advento do CC/2002, cujos efeitos já foram produzidos até 11 de janei­ro de 2003, ninguém duvida que apenas incidirá o CC/1916, pois são fatos pretéritos. Outrossim, não há controvérsia quando afirmamos que os contratos subscritos a partir de 11.01.2003 serão inteiramente regidos pelo CC/2002, tratando­-se de fatos futuros. Mas a celeuma instala­-se na in­vestigação dos chamados fatos pendentes, perqui­rição fundamental para diferenciarmos o efeito imediato do efeito retroativo da lei nova a situa­ções jurídicas passadas. Os fatos pendentes – ou em via de realização –, separam­-se em partes anteriores ou posteriores à data da vigência da lei nova. A parte pretérita do fato pendente concerne à alteração de consequên­cias jurídicas que haviam sido determinadas pe­las partes de acordo com a lei revogada. Se a nova lei dispõe sobre esses aspectos ela será taxada de retroativa. Já as partes posteriores dos fatos pen­dentes ao tempo da vigência da nova lei serão por ela capturadas. Já não se trata de retroatividade, mas de hipótese de aplicação imediata da lei. A retroatividade da norma pode ser dividida em máxima, média e mínima. Ela é máxima (ou agravada) quando a lei nova desfaz a coisajul­ gada ou os efeitos já consumados da relação ju­rídica sob a égide da lei anterior (v. g., lei que de­ termine teto de juros com restituição dos valores já recebidos anteriormente, mas que ultrapas­sem tal patamar). A retroatividade é média (ou ordinária) quando a lei nova incide sobre as par­tes anteriores (pretéritas) dos fatos pendentes. Ilustrativamente, seria o caso do ocorrido com a vigência do art. 3o do Decreto n. 22.626/33, ao impor teto de juros às prestações futuras de con­tratos já existentes, com percentual expressamen­te definidos pelas partes. Por fim, a retroativida­ de é mínima (ou mitigada) quando a lei nova determina a sua aplicação apenas aos efeitos fu­turos dos atos jurídicos pretéritos. Aqui não há de se falar propriamente em re­ troatividade mínima, mas em aplicação imedia­ta da lei, pois ao contrário das duas primeiras espécies de retroatividade (máxima e média), a lei não dá um salto para trás, nem tampouco interfere em consequências que já haviam sido de­ finidas pelos contratantes. Por isso também é conhecida como retroatividade aparente ou inautêntica, eis que age sobre relações jurídicas pas­sadas tão somente no sentido de disciplinar efei­tos futuros. Com base nas distinções efetuadas nos tópicos pregressos, constatamos que a norma descrita no caput do art. 2.035 refere-­se exatamente à retroa­tividade mínima, eis que o CC atuará de forma imediata para os negócios jurídicos passados ape­nas no que concerne ao que está por vir, sem to­car nos efeitos já consumados. Há uma correta se­paração entre os planos de validade e eficácia do negócio jurídico. A validade do ato será discipli­nada pela lei vigente ao tempo de sua conclusão, independente de qualquer alteração posterior. Exemplificando, não se pode questionar a anula­bilidade de um contrato efetivado até 10.01.2003 em razão de estado de perigo, pois o referido ví­cio de consentimento só ingressou no CC/2002 e aquele contrato é um ato jurídico perfeito.

64
Q

É constitucional o pár. ún. do art. 2.035? Não viola ele o princípio da irretroatividade das leis?

Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos

A

Art. 2.035. Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos.

Comentários:

Em conexão direta com a aludida ressalva, en­contra-­se o parágrafo único do art. 2.035. Ele se­ria uma espécie de “exceção da exceção”, à medi­da que impede que uma convenção elaborada entre particulares na vigência do CC/1916 possa produzir efeitos já na vigência do CC/2002, se violarem preceitos de ordem pública, como os garantidores da função social da propriedade e dos contratos. O parágrafo único representa fiel­mente o que se deseja de um direito civil­ cons­titucional, cuja filtragem é conferida por direitos fundamentais que potencializam o primado da pessoa sobre as atividades econômicas. O prin­cípio da dignidade da pessoa humana é um limi­te à autonomia privada, legitimando o exercício da liberdade contratual, com respeito aos prin­ cípios da boa-­fé objetiva e da função social dos contratos. Justifica-­se aqui a aplicação da retroa tividade média quando a lei nova é benéfica para a coletividade no sentido de maior proximidade aos ideais de justiça.

Nessa linha de raciocínio, por mais que deter­minada convenção condominial tenha expressa­mente referido a multa de 20% sobre o valor do débito – nos termos da Lei n. 4.591/64 –, não po­derá ultrapassar o patamar de 2% fixado atual­mente, cuidando­-se de norma de ordem pública que objetiva evitar o abuso do direito subjetivo nas relações privadas (art. 187 do CC).

Ao contrário do que muitos possam imaginar, o art. 5o, XXXVI, não postula o princípio da ir­retroatividade da nova lei, mas o da retroativida­de, eis que a lei terá efeito imediato, apenas limi­tada pelo ato jurídico perfeito, direito adquirido e coisa julgada. A retroatividade é a regra e será apenas qualificada como injusta se alcança as três barreiras intransponíveis.

A Lindb define em seu art. 6o os limites da retroatividade. Segundo Gabba o direito adquiri­do é aquele já incorporado ao patrimônio de uma pessoa e que pode ser exercido a qualquer tem­po, pois já se constituiu em direito subjetivo de seu titular. O ato jurídico perfeito, por sua vez, é o negócio jurídico fundado em lei e consumado no passado, pois todos os seus elementos consti­tutivos foram verificados. Ambos expressam valores derivados do ideal de segurança jurídica, mas não podem ser superdimensionados, sob pena de engessamento do sistema jurídico e im­possibilidade de atualização de modelos jurídi­cos. Ao defendermos a coerência do parágrafo único, também nos filiamos à visão de Miguel Reale do direito como experiência, pois sempre devemos presumir que a lei nova é melhor que a anterior, posto sintonizada à cultura e à lingua­gem atual de determinada sociedade.

Acirradas discussões surgirão, tendo em vista que desde a ADI n. 493/DF o STF defende a tese da absoluta irretroatividade da lei nova para os contratos em curso ao tempo do início de sua vi­gência. A lei do dia em que é feito o contrato co­ mandaria toda a sua existência. Nessa linha seria afirmada a inconstitucionalidade do art. 2.035, por violar o pacta sunt servanda, eis que mesmo norma de ordem pública não poderia ofender di­reitos adquiridos ao alcançar a causa do negócio jurídico, sob pena de injustificada restrição ao princípio da autonomia privada e da segurança jurídica dos contratantes que depositaram a sua confiança na subsistência da norma vigente ao tempo da contratação.

Aliás, o STJ editou a Súmula n. 285 no senti­do da inaplicabilidade do CDC aos contratos an­teriores a sua vigência, sob pena de afronta ao ato jurídico perfeito.

Finalizando, todo o esforço por conferir me recimento à norma em comento resulta de uma necessária ponderação por ela executada entre os valores de segurança e justiça, que se encontram em constante tensão. Ao contrário do CC/1916, que exalava os ares liberais do século XIX e da “era da certeza”, mesmo que às custas do sacrifí­cio de justiça, a tentativa do CC/2002 foi a de bus­car conciliação entre um ideal de justiça – em uma era marcada por “incertezas” do pós­-mo­derno – com um mínimo de segurança jurídica.