Direito Processual Civil Flashcards
(113 cards)
Princípio da economia processual e exemplos das suas manifestações
Este princípio tem duas dimensões:
Dimensão institucional: o processo não deve implicar custos desnecessários e desproporcionais à prossecução da sua finalidade, evitando-se a perda de tempo e otimizando-se o processo. Esta dimensão orienta-se por um critério de eficiência e está interligado com a necessidade de desonerar os tribunais de processos desnecessários e com o imperativo do andamento célere dos processos.
Alguns instrumentos processuais que decorrem da dimensão institucional do principio da economia processual são: a cumulação de pedidos e as exceções de litispendência e de caso julgado.
Dimensão individual: este principio proíbe a prática de atos inúteis (art. 130º) ou supérfluos (art. 534º/1).
Princípio da gestão processual e exemplos das suas manifestações
O juiz tem o dever de dirigir ativamente o processo e de providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências que são necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e adotando mecanismos de agilização e simplificação processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável.
Este princípio comporta duas dimensões:
Dimensão substancial: esta dimensão exprime-se no dever de condição do processo que recai sobre o juiz, justificado pela necessidade de o juiz providenciar pelo andamento célere do processo (art. 6º/1). Para a obtenção deste fim, o juiz deve, por exemplo, providenciar oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação. Ou seja, o juiz não deve ter uma atitude passiva, mas sim um papel de direção do processo.
Dimensão instrumental/formal: o dever de condução do processo atribui ao juiz o poder de adequar o procedimento à grande ou pequena complexidade da causa. O juiz dispõe do poder de adequação formal, devendo adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir (art. 547º). No entanto, a adequação formal requer a prévia audição das partes, sob pena de nulidade processual.
Princípio do inquisitório e as suas manifestações
A inquisitoriedade do tribunal tem expressão no âmbito da matéria de facto e permite que o tribunal considere factos não alegados pelas partes.
No processo civil, não são frequentes os casos submetidos à inquisitoriedade do tribunal. O exemplo mais sólido é constituído pelos processos de jurisdição voluntária (art. 986º/2).
Princípio do dispositivo e exemplos das suas manifestações
Este princípio determina que a vontade relevante e decisiva no processo é a das partes, não cabendo ao tribunal qualquer iniciativa própria, ou seja, o processo está na disponibilidade das partes, ainda que com algumas limitações.
O tribunal não pode decidir iniciar um processo, é sempre uma parte que o tem de fazer (princípio da disposição do impulso processual inicial). Para além disso, também o impulso subsequente do processo incumbe às partes, sendo que a sua falta pode conduzir à deserção da instância.
Relativamente à matéria de direito, é de notar que o tribunal conhece oficiosamente do direito aplicável, pelo que:
- O tribunal não pode ser vinculado pelas partes quanto ao direito aplicável na decisão da causa, pelo que o tribunal pode e deve corrigir uma deficiente qualificação jurídica fornecida pelas partes.
- As partes não podem afastar a aplicação pelo tribunal das regras de caráter imperativo.
- O tribunal deve analisar os factos alegados pelas partes segundo todas as possíveis qualificações legais (dever de esgotamento das qualificações jurídicas).
Condenação em objeto diferente
Quanto ao pedido são as partes que o delimitam e fixam livremente (princípio do dispositivo).
Face a isto, a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diferente do que for pedido pela parte, sob pena de ser uma decisão nula (arts. 609º/1 e 615º/1, al. e), CPC).
No entanto, destaca-se que o tribunal pode absolver o réu mesmo que este demandando não tenha formulado nenhum pedido. A admissibilidade da absolvição decorre da improcedência do pedido do autor ou da inadmissibilidade da apreciação do mérito da causa.
Para além disso, a vinculação do tribunal ao pedido da parte não impede que o tribunal profira uma decisão que atribua menos do que a parte pediu.
Princípio de aquisição processual
O tribunal deve conhecer de todos os factos alegados pelas partes no momento processual adequado, sejam eles factos principais ou factos complementares. Os factos alegados por qualquer uma das partes são sempre factos adquiridos para o processo, não importando se são favoráveis ou não para a parte que os invocou em juízo.
Princípio do contraditório
Este princípio determina que, sendo formulado um pedido ou oposto um argumento contra uma parte, deve-lhe ser dada a oportunidade de se pronunciar sobre o pedido ou o argumento.
Deste princípio decorrem 2 direitos:
Direito de resposta de uma parte perante a outra
Direito à audiência prévia da parte perante o tribunal
A audiência prévia apresenta dois corolários (art. 3º/3):
Levantada uma questão por uma parte, o juiz deve ouvir a parte contrária antes de decidir;
O juiz não pode decidir questões de direito ou de facto, mesmo que sejam de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a hipótese de se pronunciarem sobre as mesmas;
O princípio do contraditório, na vertente do direito à audiência prévia, não é absoluto, sendo que por vezes o contraditório é diferido, ou seja, é posterior ao proferimento da decisão do tribunal, nomeadamente no âmbito de algumas providências cautelares (art. 3º/2)
Decisão surpresa
O princípio do contraditório desdobra-se em diversos corolários, nomeadamente o da proibição das decisões-surpresa, isto é, das decisões tomadas sem participação ou audição das partes. Esta proibição determina que o juiz não pode, em regra, decidir questões, de facto ou de direito, ainda que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a oportunidade de sobre elas se pronunciarem.
Divergências doutrinárias relativamente às decisões surpresa
É de notar que quer a doutrina, quer a jurisprudência há muito discutem a natureza da nulidade subjacente à decisão-supresa, destacando-se, por um lado, na doutrina, a posição dos Professores Lebre de Freitas e Rui Pinto e, por outro, a do Professor Miguel Teixeira de Sousa.
Para os primeiros, estamos perante uma nulidade processual, à luz do art. 195º, tratando-se, mais concretamente, de uma nulidade por omissão, na medida em que o tribunal omitiu a prática de um ato que a lei impunha, a audição prévia, e esta omissão pode efetivamente afetar o exame ou a decisão da causa, na medida em que uma questão relevante não foi discutida pelas partes. Ou seja, para estes (e outros) autores, a decisão-surpresa não se autonomiza da violação do contraditório, surgindo apenas porque não se verifica a audição de uma ou de ambas as partes.
Na visão de Miguel Teixeira de Sousa, verifica-se uma nulidade do ato processual (da sentença), dado que se o tribunal profere uma decisão através da omissão de um ato obrigatório, a audição das partes, esta é nula por excesso de pronúncia, pois o tribunal conhece de matéria que, nas circunstâncias em que o faz, não podia conhecer. Isto é, este autor entende que o vício da decisão-surpresa é autónomo face à violação do contraditório, pelo que o vício só pode respeitar à decisão como ato. O Professor argumenta que, caso a omissão da audição das partes constituísse uma nulidade processual, não haveria uma decisão-surpresa, mas sim uma nulidade processual que teria levaria à anulação dos atos subsequentes (art. 195º/2), como uma decisão posteriormente proferida.
Princípio da igualdade
O princípio da igualdade é uma das manifestações do processo equitativo (art. 20º/4 CRP) e um dos corolários dos princípios da igualdade perante a lei (art. 13º/1 CRP) e da imparcialidade do órgão incumbido de apreciar e decidir a causa.
Este princípio traduz-se numa igualdade de oportunidades e de riscos, ou seja, ambas as partes devem ter as mesmas chances de obter uma decisão favorável e sobre ambas as partes deve recair o mesmo risco de o tribunal vir a proferir uma decisão desfavorável.
O art. 4º impõe que o tribunal assegure, durante todo o processo, um estatuto de igualdade substancial entre as partes, sendo que este estatuto implica um duplo dever para o tribunal: o dever de tratamento igual e o dever de corrigir fatores de desigualdade.
No entanto, note-se que este princípio impõe ao tribunal o dever de tratar de forma igual o que é igual e de forma desigual o que é desigual.
Princípio da cooperação
De acordo com este princípio, as partes e o tribunal devem colaborar entre si na resolução do conflito de interesses subjacentes à ação (art. 7º/1).
Quanto às partes, o dever de cooperação assenta num dever de atuação orientado pela eficiência e proporcionalidade. Este dever de cooperação traduz-se no dever de litigância de boa fé (art. 8º), bem como no dever de fornecer, a pedido do juiz, os esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurem pertinentes (art. 7º/2).
A violação do dever de cooperação implica, quando seja grave, a litigância de má fé da parte.
O dever de cooperação do tribunal destina-se a incrementar a eficiência do processo, a assegurar a igualdade entre as partes, a promover a descoberta da verdade e a garantir um processo equitativo. Este dever tem como limite o princípio do dispositivo, sendo que não compete ao tribunal levantar questões de direito material que as partes não tenham suscitado, mas sim questões que se relacionem com algo que a parte, de forma deficiente, tenha exposto ou pedido.
O dever de cooperação do tribunal desdobra-se em vários deveres:
Dever de advertência
Dever de esclarecimento
Dever de auxilio das partes
Dever de consulta das partes
É de destacar que os poderes que servem de instrumento para o exercício do dever de cooperação do tribunal não podem ser poderes discricionários, mas sim poderes funcionais/poderes-deveres.
A omissão dos deveres inerentes ao princípio da cooperação traduz-se numa nulidade processual, porque o tribunal deixou de praticar um ato que não podia omitir (art. 195º/1).
Princípio da auto-suficiência
De acordo com este princípio, em processo, a aparência vale como realidade para o efeito de determinar se o é ou não e esta determinação é realizada no próprio processo. A mera invocação de um direito permite à parte instaurar uma causa, o que, em rigor, só deveria ser permitido ao titular efetivo desse direito, mas a causa visa precisamente averiguar se o autor é ou não titular do direito que invoca.
Princípio da boa fé
as partes devem atuar em juizo de boa fé (artigo 8.º).
o dever de atuação de boa fé constitui um limite ao dominio das partes sobre o processo resultante do principio do dispositivo e implica a proibição da litigância de má-fé
a parte que litiga de má fé é sancionada com a condenação em multa e numa indemnização à parte contrára se esta a pedir (542.º/1), sendo esta indemnização quantificada nos termos do artigo 543.º/1 e 2
além disso, o ato não pode produzir quaisquer efeitos em juizo (o ato é ilicito e, por isso, ineficaz)
Princípio da substância em detrimento da forma
Este principio consta do art. 278º/3 do CPC.
Este princípio, em conjugação com o assinalado reforço dos poderes de direção, agilização, adequação e gestão processual do juiz”, deve conduzir a que toda a atividade processual (seja) orientada para propiciar a obtenção de decisões que privilegiem o mérito ou a substância sobre a forma, cabendo suprir-se o erro na qualificação pela parte do meio processual utilizado e evitar deficiências ou irregularidades puramente adjetivas que impeçam a composição do litígio ou acabem por distorcer o conteúdo da sentença de mérito, condicionado pelo funcionamento de desproporcionadas cominações ou preclusões processuais”.
Contudo, importa recordar que este princípio só se aplica quando os pressupostos visem
acautelar os interesses das partes, o que não acontece, por exemplo, com o pressuposto processual da competência.
Princípio da preclusão
Como os atos processuais estão numa sequência funcional, então estes só podem ser praticados num tempo devido, sendo que, esgotado esse momento, a sua prática já não é possível.
Ou seja, a preclusão é a extinção do dever funcional ou do direito de praticar um ato processual.
Tipos de partes do processo
Partes principais: autor e réu, sendo estes que conduzem o processo, tendo o poder para iniciar, modificar ou extinguir a causa.
Partes acessórias: titulares de interesses conexos com os interesses em causa e que, por isso, podem auxiliar uma das partes principais, estando numa relação de subordinação em relação a essa parte. Exemplo: assistente (arts. 326º a 332º).
Qualidade de parte
A qualidade de parte pertence ao autor e ao réu. Quem não é autor ou réu é terceiro perante o processo, não fazendo parte da relação processual.
No entanto, existem diferentes categorias de terceiros:
A dos terceiros que têm a mesma qualidade jurídica do autor ou do réu (partes em sentido material): o terceiro pode ser terceiro perante o processo, mas não o ser perante alguma das suas partes, dado que a identidade das partes é aferida pela qualidade jurídica dos sujeitos, o que justifica, por exemplo, que o de cuius e o herdeiro sejam a mesma parte.
A dos terceiros que, apesar de não terem a mesma qualidade jurídica de nenhuma das partes, têm uma relação com o objeto do processo (terceiros legitimados): é o caso daqueles que podem intervir como partes principais ou acessórias em ações pendentes (arts. 311º e 316º/1 + 326º/1, respetivamente).
A dos terceiros que não tem a mesma qualidade jurídica que qualquer uma das partes, nem qualquer relação com o objeto do processo (terceiros não legitimados): não têm legitimidade para ser partes na causa.
Objeto do processo
O objeto do processo é formado por dois elementos: pedido e causa de pedir (art. 581º/1).
Pedido
O pedido é a solicitação de um efeito jurídico ao tribunal para tutela de uma alegada situação jurídica material.
Para o pedido ser apreciado, ele tem que cumprir certas características:
Inteligibilidade: a pretensão processual é ininteligível quando, numa perspetiva jurídica, não se consegue perceber qual o efeito jurídico pretendido pela parte. A ininteligibilidade do pedido conduz à ineptidão da petição inicial.
Idoneidade: o pedido deve ser idóneo para a resolução judicial, ou seja, o pedido não deve incluir-se no espaço livre de direito, devendo ser referente à tutela de um bem da vida juridicamente regulado.
Determinação: em regra, o pedido tem de ser determinado, só se aceitando pedidos genéricos nos casos permitidos pela lei (art. 556º/1). O não cumprimento deste requisito gera uma irregularidade, sendo que 1) para MTS esta leva a que o juiz deva convidar o autor a suprir a irregularidade, enquanto 2) para LF esta conduz à ineptidão da petição inicial.
Causa de pedir
O pedido formulado pela parte tem de ser fundamentado, ou seja, tem de assentar numa causa de pedir.
A definição de causa de pedir suscita divergência na doutrina:
MTS: a causa de pedir é constituída pelos factos necessários para individualizar a pretensão material ou o direito potestativo alegado pelo autor (apenas factos principais). Os factos complementares não integram a causa de pedir, dado que a omissão da sua alegação não implica a ineptidão da petição inicial. No entanto, tal não significa que o autor não tenha o ónus de os alegar na petição inicial, na medida em que sem a alegação desses factos, a ação não pode ser julgada procedente.
LF + RP (teoria da substanciação): a causa de pedir traduz-se no conjunto dos factos de onde o autor faz proceder a pretensão processual (factos principais e complementares). Ou seja, a causa de pedir é constituída por todos os factos necessários à procedência da ação.
Tipos de factos
-factos principais
-factos complementares
-factos de conhecimento oficioso
Factos principais
são as partes que livremente suscitam as questões e livremente articulam os factos em que o juiz se baseia para proferir a sua sentença (artigo 552.º/1, d)
É assim necessário que o autor invoque uma causa de pedir (5.º/1 e 552.º/1, d)) sem a qual a petição é inepta (186.º/2, a)).
A lei impõe, desta forma, um ónus de alegação subjetivo ao autor, dado que é sobre esta parte que recai o ónus de alegar a causa de pedir.
o réu também tem que deduzir os factos que tiver em sua defesa (artigo 5.º/1).
o juiz não pode utilizar factos que resultem do seu conhecimento privado. O juiz que entende dever considerar factos do seu conhecimento privado deve declarar-se impedido e oferecer-se para opor como testemunha sobre esses factos (115.º/1, h) e 116.º/1).
Factos complementares
são aqueles que concretizam ou complementam os factos principais alegados pelas partes e que, embora não consituindo a causa de pedir, são necessários para assegurar a procedência da ação.
A não alegação destes factos não tem qualquer efeito preclusivo e justifica que o juiz deva convidar a parte a aperfeiçoar o seu articulado (590.º/2, b) e 4)
Contradição entre pedido e causa de pedir
A contradição entre pedido e causa de pedir pressupõe a falta de coerência lógico-jurídica entre os dois elementos do objeto do processo. Ou seja, o pedido é o contrário daquele que seria expectável em função da causa de pedir alegada. Esta contradição conduz à ineptidão da petição inicial, o que origina a nulidade de todo o processo.
Não ocorre nenhuma contradição entre pedido e causa de pedir quando esta não sustenta o pedido formulado, ou seja, quando o pedido formulado é, não o contrário do que se poderia esperar, mas algo diferente do que seria expectável. A consequência desta mera desarmonia entre pedido e causa de pedir é a improcedência da ação.