STJ Flashcards

(79 cards)

1
Q

A recusa injustificada ou ilegalmente motivada do Ministério Público em oferecer o acordo de não persecução penal autoriza à rejeição da denúncia?

A

Sim, por falta de interesse de agir para o exercício da ação penal.

A aplicação das ferramentas de barganha penal observa uma discricionariedade regrada ou juridicamente vinculada do Ministério Público em propor ao investigado ou denunciado uma alternativa consensual de solução do conflito. Não se pode confundir, porém, discricionariedade regrada com arbitrariedade, pois é sob o prisma do poder-dever (ou melhor, do dever-poder), e não da mera faculdade, que ela deve ser analisada.

A margem discricionária de atuação do Ministério Público quanto ao oferecimento de acordo diz respeito apenas à análise do preenchimento dos requisitos legais, sobretudo daqueles que envolvem conceitos jurídicos indeterminados. É o que ocorre, principalmente, com a exigência contida no art. 28-A, caput, do CPP, de que o acordo só poderá ser oferecido se for “necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime”.

Assim, não é dado ao Ministério Público, se presentes os requisitos legais, recusar-se a oferecer um acordo ao averiguado por critérios de conveniência e oportunidade. Na verdade, o que o Ministério Público pode fazer - de forma excepcional e concretamente fundamentada - é avaliar se o acordo é necessário e suficiente à prevenção e reprovação do crime, o que é, em si mesmo, um requisito legal.

O Ministério Público tem o dever legal (art. 43, III, da Lei Orgânica do Ministério Público - Lei n. 8.625/1993) e constitucional (art.129, VIII, da CF) de fundamentar suas manifestações e, embora não haja direito subjetivo à entabulação de um acordo, há direito subjetivo a uma manifestação idoneamente fundamentada do Ministério Público.

A negativa de oferecimento de mecanismo de justiça negocial por não ser necessário e suficiente à reprovação e à prevenção do crime deve sempre se fundar em elementos concretos do caso fático, os quais indiquem exacerbada gravidade concreta da conduta em tese praticada. Tal exigência não se satisfaz com a simples menção a qualquer circunstância judicial desfavorável, porquanto a existência de alguma gravidade concreta pode ser inicialmente contornada com reforço e incremento das condições a serem fixadas para o acordo e não justifica, de forma automática, sob a perspectiva do princípio da intervenção mínima - que confere natureza subsidiária à ação penal -, a recusa à solução alternativa.

STJ. 6ª Turma. REsp 2.038.947-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 17/9/2024 (Info 827).

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2
Q

O prêmio de loteria é bem comum que ingressa na comunhão do casal sob a rubrica de bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior (art. 1.660, II, do CC), salvo no regime de separação legal obrigatória.

A

O prêmio de loteria auferido por viúva casada sob o regime de separação legal obrigatória, antecedido de longo relacionamento em união estável, é bem adquirido por fato eventual (CC/2002, art. 1.660, II), reconhecido como patrimônio comum do casal, devendo ser partilhado segundo os valores existentes na data do falecimento, independentemente da avaliação sobre esforço comum.

STJ. 4ª Turma. REsp 2.097.324-SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 24/9/2024 (Info 827).

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3
Q

A multa diária, quando fixada em antecipação de tutela (astreintes), pode ser executada antes da sentença, em cumprimento provisório?

A

O STJ, em 2014, ao julgar o Tema 743 (REsp 1.200.856), decidiu que a “multa diária prevista no § 4º do art. 461 do CPC [1973], devida desde o dia em que configurado o descumprimento, quando fixada em antecipação de tutela, somente poderá ser objeto de execução provisória após a sua confirmação pela sentença de mérito e desde que o recurso eventualmente interposto não seja recebido com efeito suspensivo”.

Esse entendimento permaneceu válido mesmo com o advento do CPC/2015.
A eficácia e a exigibilidade da multa não se confundem, sendo imediata a produção de efeitos das astreintes, devidas desde a fixação pelo juízo, porém com a exigibilidade postergada para após o trânsito em julgado da sentença de mérito que confirmar a medida.

O CPC/2015 não alterou o entendimento de que a multa diária, quando fixada em antecipação de tutela, somente poderá ser objeto de execução provisória após a sua confirmação pela sentença de mérito e desde que o recurso eventualmente interposto não seja recebido com efeito suspensivo.

STJ. Corte Especial. EAREsp 1.883.876-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 23/11/2023 (Info 827).

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4
Q

A confissão do acusado quanto à traficância em momento anterior, para ser beneficiado com a formalização de acordo de não persecução penal, impede o reconhecimento do tráfico privilegiado?

A

O ANPP firmado anteriormente não pode impedir, por si só, a aplicação do tráfico privilegiado.

O ANPP não pode ser utilizado com outra finalidade senão aquela já prevista na parte final do mencionado dispositivo legal, o que deve, em atenção ao princípio “favor rei”, ser interpretado de maneira ampla, a vedar interpretações segundo as quais o ANPP possa ser indicativo de envolvimento do seu beneficiário com atividades criminosas.

Portanto, a confissão do acusado quanto à traficância em momento anterior, para ser beneficiado com a formalização de acordo de não persecução penal, não tem o condão de figurar como óbice ao reconhecimento do tráfico privilegiado, já que não sucedido de condenação definitiva a pena de reclusão.

STJ. 5ª Turma. AgRg no HC 895.165-SP, Rel. Min. Daniela Teixeira, julgado em 6/8/2024 (Info 827).

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5
Q

O simples fato de não ter sido concedido o benefício do tráfico privilegiado é suficiente para se negar a progressão de regime especial do inciso V do § 3º do art. 112 da LEP (gestante ou mãe não ter integrado organização criminosa)?

A

Art. 112, § 3º, da LEP: No caso de mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência, os requisitos para progressão de regime são, cumulativamente:

I - não ter cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa;

II - não ter cometido o crime contra seu filho ou dependente;

III - ter cumprido ao menos 1/8 (um oitavo) da pena no regime anterior;

IV - ser primária e ter bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento;

V - não ter integrado organização criminosa.

A vedação da progressão especial prevista no inciso V do § 3º do art. 112 da Lei de Execução Penal deve se restringir aos casos em houve condenação por crime associativo, não servindo como óbice ao benefício o mero afastamento da minorante do § 4º do art. 33 da Lei de Drogas.

STJ. 6ª Turma. HC 888.336-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 13/8/2024 (Info 827).

Interpretação da expressão “organização criminosa”:

1ª corrente: a interpretação deve ser restritiva.

Somente abrangia a condenação por crime da Lei n. 12.850/2013. Para essa corrente ter “integrado organização criminosa” (inciso V) significa ter sido condenada pelo crime do art. 2º da Lei n. 12.850/2013: “Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa:”.

2ª corrente: admite-se a interpretação extensiva da norma.

A expressão “não ter integrado organização criminosa” prevista no inciso V do § 3º do art. 112 da LEP abrange todo crime que enseje o concurso necessário de agentes em união estável e permanente voltada para práticas delitivas, como ocorre com o crime de associação para o tráfico de drogas (art. 35 da Lei n. 11.343/2006).

Prevalece atualmente no STJ que, não apenas a condenação pelo delito específico de organização criminosa (art. 2º da Lei n. 12.850/13) impede a aplicação da fração de 1/8 para a progressão de regime especial, mas também todo aquele crime que enseje o concurso necessário de agentes em união estável e permanente voltada para práticas delitivas - como ocorre justamente com o crime de associação para o tráfico de drogas.

STJ. 5ª Turma. AgRg no HC 916.442/SP, Rel. Min. Messod Azulay Neto, julgado em 2/9/2024.

STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 848.866/SP, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 27/11/2023.

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6
Q

A Lei n. 14.843/2024 restringiu a saída temporária; essa mudança não pode ser aplicada para crimes praticados antes da sua vigência (11/04/2024).

A

Art. 122 da LEP:

§ 2º Não terá direito à saída temporária a que se refere o caput deste artigo o condenado que cumpre pena por praticar crime hediondo com resultado morte. (Redação da Lei nº 13.964/19)

§ 2º Não terá direito à saída temporária de que trata o caput deste artigo ou a trabalho externo sem vigilância direta o condenado que cumpre pena por praticar crime hediondo ou com violência ou grave ameaça contra pessoa. (Redação dada pela Lei nº 14.843, de 2024)

Atualmente, não pode ser beneficiado com saída temporária quem praticou QUALQUER crime hediondo, mesmo sem resultado morte.

O § 2º do art. 122 da Lei de Execução Penal, com a redação da Lei n. 14.843/2024, torna mais restritiva a execução da pena, restringindo o gozo das saídas temporárias aos condenados por crimes hediondos ou cometido com violência ou grave ameaça à pessoa. Assim, não pode ser aplicado retroativamente a fatos ocorridos antes de sua vigência, em respeito ao princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa.

STJ. 6ª Turma. HC 932.864-SC, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 10/9/2024 (Info 827).

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7
Q

Para a remoção por motivo de saúde, prevista no art. 36, par. ún., III, b, da Lei 8.112/90, é necessário comprovar a dependência física ou afetiva.

A

Para fins de concessão de remoção ao servidor público, ainda que provisoriamente, à luz do art. 36, parágrafo único, III, “b”, da Lei nº 8.112/90, há a necessidade de preenchimento do requisito da dependência econômica, não abrangendo eventual dependência física ou afetiva.

Art. 36. (…) Parágrafo único. Para fins do disposto neste artigo, entende-se por modalidades de remoção: (…) III - a pedido, para outra localidade, independentemente do interesse da Administração: (…) b) por motivo de saúde do servidor, cônjuge, companheiro ou dependente que viva às suas expensas e conste do seu assentamento funcional, condicionada à comprovação por junta médica oficial;

O vocábulo “expensas” previsto no dispositivo legal remete à ideia de “despesas, custos”, evidenciando que a dependência tratada no dispositivo é a dependência econômica.
Desse modo, não há como admitir que o vocábulo “expensas” possa ser interpretado de forma extensiva, a fim de abranger também eventual “dependência física” ou “afetiva” dos genitores em relação ao filho servidor público.

STJ. 1ª Turma. REsp 2.015.278-PB, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 7/11/2023 (Info 794).

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8
Q

Havendo inequívoca ciência do devedor acerca de débito alimentar objeto de execução, não é ilegal a intimação de instauração de um segundo cumprimento de sentença na pessoa do seu advogado referente ao mesmo título judicial.

A

Em regra, a prisão civil somente pode ser decretada após a intimação pessoal do devedor, não suprindo a mera intimação do procurador constituído, em obediência ao que determina o art. 528 do CPC/2015.

Contudo, se o devedor teve ciência inequívoca da execução (citação pessoal) da dívida alimentar no primeiro cumprimento de sentença, a intimação na pessoa do advogado, no segundo cumprimento, é válida.

O fato de ter sido instaurado um segundo cumprimento de sentença não exige que o paciente seja novamente intimado pessoalmente, pois se trata do mesmo título judicial executado em relação ao primeiro cumprimento de sentença instaurado, mudando-se apenas o período correspondente ao débito executado.

STJ. 3ª Turma. HC 831.606/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 24/10/2023 (Info 794).

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9
Q

A prerrogativa de intimação pessoal conferida à Defensoria Pública se aplica aos núcleos de prática jurídica das faculdades de Direito públicas, não se aplicando às privadas.

A

Os prazos para as manifestações processuais da Defensoria Pública são contados em dobro e têm início com a intimação pessoal do defensor público (art. 186, caput e § 1º, do CPC).

O benefício da intimação pessoal se assenta no princípio da isonomia material (art. 5º, caput, da CF) e constitui mecanismo voltado à concretização do acesso à Justiça e do contraditório pelos hipossuficientes.

A interpretação sistemática das normas - art. 5º, § 5º, da Lei n. 1.060/50 e art. 186, § 3º, do CPC - conduz à conclusão de que a prerrogativa de intimação pessoal dos atos processuais também se estende aos escritórios de prática jurídica das faculdades de Direito, públicas ou privadas.

Os núcleos de prática jurídica vinculados às universidades de ensino superior (públicas ou privadas) prestam assistência judiciária aos hipossuficientes, razão pela qual é razoável crer, assim como a Defensoria Pública, recebem um alto número de demandas, circunstância que dificulta o controle dos prazos processuais. Assim, a intimação pessoal constitui uma ferramenta imprescindível para o desempenho das atividades por eles desenvolvidas.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.829.747/AM, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Rel. para acórdão Min. Nancy Andrighi, julgado em 7/11/2023 (Info 794).

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10
Q

O exequente pode optar por ajuizar no Distrito Federal o cumprimento de sentença coletiva contra a União?

A

A Corte Especial do STJ, quando do julgamento do REsp 1.243.887/PR, decidiu que no caso de título judicial proferido em Ação Civil Pública, o exequente pode escolher ingressar com a execução individual:
i) no foro em que a Ação Coletiva foi processada e julgada; ou
ii) no foro do seu domicílio, nos termos dos arts. 98, § 2º, I, e 101, I, do CDC.

Ocorre que, se essa execução é proposta contra a União, haverá uma terceira opção: o ajuizamento no Distrito Federal.
Por força do art. 109, § 2º, da CF, o exequente pode optar por ajuizar no Distrito Federal o cumprimento de sentença coletiva contra a União. Essa conclusão está em harmonia com a máxima efetividade do dispositivo constitucional, além do que amplia e facilita o acesso à justiça.

Art. 109, § 2º, da CF: As causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal.

STJ. 1ª Seção. CC 199.938-SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 11/10/2023 (Info 794).

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11
Q

Flagrado o agente antes do efetivo ingresso no interior do estabelecimento prisional, ainda durante a revista, não há falar em consumação do crime do art. 349-A do CP (introduzir celular em presídio), mas apenas em tentativa.

A

Art. 349-A. Ingressar, promover, intermediar, auxiliar ou facilitar a entrada de aparelho telefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar, sem autorização legal, em estabelecimento prisional. Pena: detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.

Como o agente foi flagrado antes do efetivo ingresso no interior do estabelecimento prisional, ainda durante a revista, não há que se falar em consumação do delito, mas apenas em tentativa.

STJ. 6ª Turma. AREsp 2.104.638-RJ, Rel. Min. Jesuíno Rissato (Desembargador convocado do TJDFT), julgado em 7/11/2023 (Info 794).

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12
Q

O plantio e a aquisição das sementes da Cannabis sativa, para fins medicinais, não configuram conduta criminosa, desde que haja regulamentação da ANVISA.

A

A ausência de regulamentação administrativa persiste e não tem previsão para solução breve, uma vez que a ANVISA considera que a competência para regular o cultivo de plantas sujeitas a controle especial seria do Ministério da Saúde e este considera que a competência seria da ANVISA. Logo, é necessário superar eventuais óbices administrativos e cíveis, privilegiando-se, dessa forma, o acesso à saúde, por todos os meios possíveis, ainda que pela concessão de salvo-conduto mediante habeas corpus.

A questão aqui discutida não pode ser objeto da sanção penal, porque se trata do exercício de um Direito Fundamental, constitucionalmente garantido, isto é, o Direito à Saúde, e a atuação proativa do STJ justifica-se juridicamente.

STJ. 3ª Seção. AgRg no HC 783.717-PR, Rel. Min. Messod Azulay Neto, Rel. para acórdão Min. Jesuíno Rissato (Desembargador convocado do TJDFT), julgado em 13/9/2023 (Info 794).

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13
Q

É possível que, para um condenado que esteja cumprindo pena unificada por dois crimes, seja aplicado para um delito a redação originária do art. 112 da LEP e para o outro crime seja aplicada a redação modificada do art. 112 da LEP.

A

1) Ação Penal 1: condenado a pena de 3 meses de detenção, pela prática de lesão corporal em violência doméstica (art. 129, §9º, do Código Penal), fato ocorrido em 21/04/2016, com trânsito em julgado no dia 26/01/2018. Havia reincidência;

2) Ação Penal 2: condenado a pena de 15 anos de reclusão, pela prática de tentativa de feminicídio (art. 121, § 2º-A, I e 7º, III e IV c/c o art. 14, II, do CP), fato ocorrido em 20/03/2019, com trânsito em julgado dia 07/07/2020. Havia reincidência genérica, mas não a específica em crimes de natureza hedionda ou equiparada.

Na época em que o crime de lesão corporal foi cometido, vigorava a redação originária do art. 112 da LEP, que previa o requisito objetivo de 1/6 para progressão de regime. Com o pacote anticrime, esse requisito objetivo ficou mais rigoroso, tendo sido aumentado para 30%, nos termos do art. 112, IV, da LEP. Como houve uma mudança mais rigorosa, deve-se aplicar a regra de 1/6 da pena, prevista na redação originária do art. 112 da LEP (antes da Lei n. 13.964/2019).

Na época em que o crime de tentativa de feminicídio foi cometido, vigorava o disposto no art. 2º, § 2º, da Lei n. 8.072/90, com redação dada pela Lei nº 11.464/2007 (progressão após o cumprimento de 3/5 = 60%). A nova redação do art. 112 da LEP prevê 60% de cumprimento para quem é reincidente ESPECÍFICO em crime hediondo. Como o réu era reincidente genérico, aplica-se a fração de 40% (primário em crime hediondo).

É reconhecida a retroatividade do patamar estabelecido no art. 112, V, da LEP, incluído pela Lei n. 13.964/2019, àqueles apenados que, embora tenham cometido crime hediondo ou equiparado sem resultado morte, não sejam reincidentes em delito de natureza semelhante.

STJ. 3ª Seção. REsp 1.910.240-MG, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 26/05/2021 (Recurso Repetitivo – Tema 1084) (Info 699).

Desse modo, o requisito objetivo será o seguinte:

  • Para o delito do art. 129, § 9º, do Código Penal: 1/6 (não se aplicando o pacote anticrime);
  • Para a tentativa de feminicídio (crime hediondo): 40% da pena (aplicando-se o pacote anticrime).

É lícita a aplicação do requisito objetivo para a progressão de regime previsto na antiga redação do art. 112 da Lei de Execução Penal, em relação ao crime comum, e a aplicação retroativa do Pacote Anticrime para reger apenas a progressão do crime hediondo, quando ambos os delitos compõem uma mesma execução penal e foram praticados em momento anterior à edição da Lei n. 13.964/2019.

A retroatividade da Lei n. 13.964/2019 deve acontecer somente na parte que é mais benéfica, relacionada ao delito hediondo ou equiparado, não havendo que se aplicar as modificações por ela trazidas para o outro crime.

Não configura combinação de leis a aplicação do requisito objetivo para a progressão de regime previsto na antiga redação do art. 112 da Lei de Execução Penal, em relação ao crime comum, e a aplicação retroativa do Pacote Anticrime para reger apenas a progressão do crime hediondo, quando ambos os delitos compõem uma mesma execução penal e foram praticados em momento anterior à edição da Lei n. 13.964/2019.

STJ. 5ª Turma. REsp 2.026.837-SC, Rel. Min. Messod Azulay Neto, julgado em 7/11/2023 (Info 794).

Não incide, no caso, o óbice jurisprudencial que veda a combinação de normas ou de leis, consistente na criação de uma lex tertia. Trata-se de regimes de progressão de pena que receberam, do legislador, tratamento legal independente, cada qual (crimes comuns e crimes hediondos) com seu conjunto específico de normas de regência.

STF. 1ª Turma. RHC 221.271 AgR, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 15/5/2023.

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14
Q

A utilização conjunta da Lei n. 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa) e da Lei n. 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) para fundamentar uma mesma ação civil configura violação ao princípio do non bis in idem.

A

Sobre os direitos consagrados no Pacto de San José da Costa Rica, embora tenham sido recepcionados no ordenamento jurídico brasileiro com status supralegal, não se aplicam às pessoas jurídicas.

Nesse sentido:

As pessoas jurídicas não são titulares de direitos convencionais, de modo que não podem ser consideradas supostas vítimas no contexto de processos contenciosos perante o sistema interamericano.

[Corte IDH. OC-22/2016. Opinião Consultiva. Titularidade dos direitos das pessoas jurídicas no sistema interamericano de direitos humanos (interpretação e alcance do artigo 1.2, em relação aos artigos 1.1, 8, 11.2, 13, 16, 21, 21, 25, 29, 30, 44, 46 e 62.3 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, bem como o artigo 8.1.a e b do Protocolo de São Salvador), de 26-2-2016, solicitada pela República do Panamá. Tradução livre.]”

É legítima a utilização simultânea da Lei n. 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa) e da Lei n. 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) em uma mesma ação civil pública, desde que, ao final do processo, sejam observados os limites legais para evitar cumulatividade indevida de sanções idênticas.

A compatibilidade normativa entre as legislações decorre do art. 3º, §2º, da Lei n. 8.429/1992 (incluído pela Lei n. 14.230/2021), o qual prevê que as sanções de improbidade administrativa não se aplicarão à pessoa jurídica caso o ato já tenha sido sancionado como ato lesivo nos termos da Lei n. 12.846/2013.

O art. 30, inciso I, da Lei n. 12.846/2013 reforça a natureza complementar das sanções impostas pela Lei Anticorrupção, não impedindo a coexistência com as disposições da Lei de Improbidade Administrativa.

O controle da não duplicação indevida de sanções deve ocorrer no momento da aplicação da pena, e não na fase de admissibilidade da ação.

STJ. 1ª Turma. REsp 2.107.398-RJ, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 18/2/2025 (Info 841).

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15
Q

A dispensa do dever de colação exige declaração formal e expressa do doador, estabelecendo que a liberalidade recairá sobre sua parte disponível, não constituindo adiantamento de legítima.

A

O art. 2.005 do Código Civil dispensa a colação quando “o doador determinar que a doação seja feita com recursos da parte disponível, desde que seu valor não a exceda, computado no momento da doação”. Esse dispositivo reforça o princípio sucessório segundo o qual o autor da herança tem liberdade para dispor da parte disponível de seus bens como desejar. Porém, se a doação ultrapassar esse limite, a parte excedente deverá ser colacionada.

O termo “determinar” não admite interpretações amplas ou presunções. A dispensa da colação exige manifestação clara e expressa do doador, não podendo ser inferida de forma tácita.

Além disso, conforme o art. 2.006 do Código Civil, a dispensa da colação só pode ocorrer de duas formas:

  • por testamento; ou
  • no próprio instrumento da doação.

Caso hipotético: Regina, mãe de dois filhos, transferiu um apartamento para sua filha Mariana como dação em pagamento por uma suposta dívida de R$ 500.000,00. Após a morte de Regina, Carlos, o outro filho, questionou essa transação alegando que se tratava de uma simulação para disfarçar uma doação e prejudicar a divisão da herança.

O Tribunal de Justiça reconheceu a inexistência da dívida e concluiu que, apesar da simulação, o que ocorreu foi uma doação legítima, devendo ser computada na parte disponível do patrimônio de Regina. Carlos recorreu ao STJ argumentando que a doação de um ascendente a um descendente é considerada adiantamento da legítima, salvo manifestação expressa do doador determinando o contrário.
O STJ concordou com o recorrente.

A dispensa de colação deve ser formal e expressa, não podendo ser presumida a partir da conduta da doadora. Assim, o apartamento deveria ser levado à colação para garantir a divisão justa da herança.

A colação é um mecanismo para preservar a igualdade entre herdeiros, exigindo que doações feitas em vida sejam incorporadas ao inventário, salvo expressa disposição em contrário por meio de testamento ou documento formal. Como Regina não declarou explicitamente que a doação sairia da parte disponível, o bem foi incluído na herança, reforçando o princípio sucessório da equidade na partilha.

STJ. 4ª Turma. REsp 2.171.573-MS, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 11/2/2025 (Info 841).

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16
Q

A teoria da aparência pode validar atos notariais quando há boa-fé e confiança legítima das partes envolvidas?

A

A capacidade para testar é presumida, exigindo-se prova robusta para sua anulação.

De acordo com o Código Civil, a presunção é de capacidade para testar (arts. 1º e 1.860 do CC), ou seja, todo indivíduo com plena capacidade civil é considerado apto a dispor de seus bens por meio de testamento. Essa presunção alinha-se ao princípio da autonomia da vontade, que assegura ao testador o direito de decidir sobre a destinação de seu patrimônio.

Por outro lado, a incapacidade deve ser comprovada (art. 4º, III, do CC). Isso significa que, para contestar a validade de um testamento com base na alegação de incapacidade do testador, é necessário apresentar provas concretas que evidenciem essa condição.

Além disso, pelo princípio do in dubio pro capacitate, na hipótese de dúvida quanto à capacidade do testador, deve prevalecer a validade do testamento. O ônus da prova recai sobre quem alega a incapacidade (art. 373, I, do CPC/2015), reforçando a segurança jurídica e a presunção de validade dos atos praticados por aqueles que, em regra, são considerados capazes.

Caso hipotético: Regina, uma senhora de 83 anos e viúva sem filhos biológicos, elaborou seis testamentos ao longo de sua vida, sendo o último na modalidade cerrada registrado em 2005. Este último testamento, que beneficiava principalmente seu afilhado João e seu sobrinho Fernando, foi lavrado por Larissa, uma servidora que se apresentou como tabeliã substituta mesmo sem estar formalmente investida nessa função. Após o falecimento de Regina em 2009, familiares não contemplados no testamento ingressaram com uma ação de nulidade alegando incapacidade cognitiva da testadora e vício formal no documento.

O STJ considerou válido o testamento com base em dois fundamentos principais:

1) a capacidade para testar deve ser presumida, cabendo à parte interessada demonstrar, com provas contundentes, a incapacidade do testador no momento da lavratura do testamento. Em caso de dúvida, prevalece o princípio in dubio pro capacitate, garantindo-se a proteção da última vontade do falecido;
2) a teoria da aparência pode ser aplicada para validar atos notariais quando houver boa-fé e confiança legítima das partes envolvidas, especialmente nos casos em que a atuação de agentes públicos induz à crença na regularidade do ato.

STJ. 4ª Turma. REsp 2.142.132-GO, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 11/2/2025 (Info 841).

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17
Q

A venda de um bem da empresa em recuperação judicial precisa de nova aprovação da assembleia geral de credores, mesmo quando essa alienação já estava expressamente prevista no plano de recuperação judicial que foi aprovado e homologado pelo juiz.

A

Caso hipotético: a empresa Alfa Transportes entrou em recuperação judicial em 2012. O plano de recuperação foi aprovado e homologado em 2013. Esse plano previa, entre outras medidas, a possibilidade de venda de bens, incluindo um imenso terreno vazio.

Em março de 2013, a construtora Beta ofereceu R$ 40 milhões pelo terreno, e a venda foi autorizada judicialmente com base no art. 60 da Lei n. 11.101/2005. A transação foi concretizada. O Ministério Público recorreu, alegando que os credores deveriam ter sido novamente consultados antes da alienação.
O STJ não concordou com esse argumento.

É dispensável a específica manifestação da assembleia geral de credores para a venda de bem, no caso em que esta foi expressamente prevista no plano de recuperação judicial previamente homologado pelo Juízo recuperacional.

STJ. 4ª Turma. AgInt no REsp 1.757.672-DF, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 18/2/2025 (Info 841).

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18
Q

Devem ser aplicados os efeitos da Lei n. 14.939/2024 (possibilidade de comprovar, para fins de tempestividade, a existência de feriado local) também aos recursos interpostos antes de sua vigência; se ainda estava pendente o julgamento de agravo interno contra a decisão que reconheceu a intempestividade, o Relator deverá aplicar imediatamente a Lei n. 14.939/2024.

A

A Lei n. 14.939/2024 alterou o § 6º do art. 1.003 do CPC, estabelecendo que, quando o recorrente não comprova a ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso, o tribunal deve determinar a correção desse vício formal ou desconsiderá-lo caso a informação já conste no processo eletrônico. Antes dessa alteração, o STJ entendia que a comprovação do feriado local deveria ocorrer exclusivamente no momento da interposição do recurso, não sendo possível saná-la posteriormente.

O STJ decidiu que, mesmo que o recurso tenha sido interposto antes da vigência da Lei, o tribunal poderá determinar a correção do vício ou considerar o recurso tempestivo se houver essa informação no processo eletrônico. Isso porque a Lei n. 14.939/2024 tem natureza de norma processual e se aplica imediatamente aos processos em curso (art. 14 do CPC).

Exemplo: proferida decisão monocrática afirmando a intempestividade recursal em decorrência da falta de comprovação do feriado local. A parte interpôs agravo interno/regimental. Entrou em vigor a Lei n. 14.939/2024 antes do agravo ser julgado. Caberá ao Relator do agravo interno/regimental aceitar a comprovação da tempestividade feita por ocasião do agravo. Se o agravante não tiver comprovado no ato de interposição do agravo, caberá ao Relator intimá-lo para juntar essa comprovação.

STJ. Corte Especial. QO no AREsp 2.638.376-MG, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 5/2/2025 (Info 841).

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19
Q

Após o trânsito em julgado, o juiz da execução pode ajustar a forma de cumprimento da prestação de serviços à comunidade, bem como substitui-la.

A

Caso hipotético: Regina, corretora de imóveis, foi condenada por estelionato. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direito: prestação de serviços à comunidade e multa. Após o trânsito em julgado, Regina pediu ao Juízo da Execução Penal a conversão da prestação de serviços em prestação pecuniária, alegando incompatibilidade com sua rotina profissional.

O pedido foi negado com base no art. 148 da LEP, que permite apenas a alteração da forma de cumprimento da pena, mas não a sua substituição.

Aplicada a pena restritiva de direitos, consistente na prestação de serviços à comunidade, após o trânsito em julgado da condenação, só é permitido ao Juiz da execução, a teor do disposto no art. 148 da LEP, alterar a forma de cumprimento, ajustando-a às condições pessoais do condenado e às características do estabelecimento, vedada a substituição da pena aplicada.

STJ. 6ª Turma. AgRg no AREsp 2.783.936-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 11/2/2025 (Info 841).

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20
Q

Se a polícia recebe uma informação com descrição precisa do veículo suspeito de transportar drogas — incluindo modelo, características e placa — a abordagem é considerada legal e legítima.

A

Caso adaptado: a Polícia Rodoviária Federal (PRF) recebeu uma denúncia detalhada sobre um caminhão que transportava drogas e repassou a informação à Polícia Militar. O veículo, com a exata descrição, foi localizado e abordado pelos policiais. Os policiais, ao realizarem a busca, encontraram um fundo falso contendo 62 kg de pasta-base de cocaína.

A defesa alegou nulidade da prova obtida, sustentando que a abordagem foi baseada apenas em denúncia anônima, sem fundada suspeita.

O STJ rejeitou o recurso, entendendo que a abordagem foi legítima, pois a denúncia continha informações detalhadas e verificáveis sobre o veículo e sua rota, o que configurou fundada suspeita.

A busca pessoal ou veicular sem mandado judicial deve ser baseada em indícios objetivos e detalhados. A abordagem ao caminhão foi legítima porque não se tratou de uma busca aleatória ou rotineira, mas sim de uma ação direcionada e planejada com base em informações concretas, como a placa e características do veículo.

STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 2.096.453-MG, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 18/2/2025 (Info 841).

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Q

A suspensão do processo e do prazo prescricional, na forma do art. 366 do CPP, bem como o restabelecimento da tramitação, é automática, prescindindo de decisão judicial.

A

Será realizada a citação por edital quando o acusado não for encontrado (§ 1º do art. 363).

Se o acusado é citado por edital, mesmo assim o processo continua normalmente?

O art. 366 do CPP estabelece que:

  • se o acusado for citado por edital e
  • não comparecer ao processo nem constituir advogado
  • o processo e o curso da prescrição ficarão suspensos.

Se o réu comparecer ao processo ou constituir advogado, o processo e o prazo prescricional voltam a correr normalmente. O objetivo do art. 366 é garantir que o acusado que não foi pessoalmente citado não seja julgado à revelia.

Súmula 415/STJ: O período de suspensão do prazo prescricional é regulado pelo máximo da pena cominada.

Caso hipotético: João foi denunciado por homicídio qualificado em 2008, mas fugiu antes de ser citado pessoalmente. Em outubro do mesmo ano, foi preso por roubo em outra cidade, mas essa informação não chegou ao juízo responsável pelo processo de homicídio. Como João não foi encontrado, a citação foi feita por edital. Apenas em 2011 ele foi citado pessoalmente, e o processo seguiu até sua condenação, em 2022, a 12 anos de reclusão. Em 2024, a defesa pediu a extinção da punibilidade por prescrição.

A defesa argumentou que, como João era menor de 21 anos à época do crime, o prazo prescricional foi reduzido para 8 anos. Considerando que a denúncia foi recebida em 2008 e a decisão de pronúncia ocorreu apenas em 2017, o prazo prescricional já havia sido superado. O STJ acolheu os argumentos da defesa e reconheceu a prescrição da pretensão punitiva.

O tribunal destacou que a suspensão do prazo prescricional, conforme o art. 366 do CPP, exige decisão judicial formal, que não foi proferida no caso. Como o prazo de 8 anos foi ultrapassado antes da pronúncia, a punição de João foi extinta.

STJ. 5ª Turma. AgRg no HC 957.112-PR, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 11/2/2025 (Info 841).

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22
Q

Não é possível o reconhecimento da manutenção da proteção do bem de família que foi doado em fraude à execução aos filhos, ainda que seja utilizado pela família como moradia.

A

Caso hipotético: João e Regina, casados e com um filho de 5 anos, doaram sua casa ao filho após serem citados em uma execução proposta pelo banco cobrando R$ 500 mil. Vale ressaltar que o imóvel era bem de família e a dívida executada não se enquadra nas exceções do art. 3º da Lei n. 8.009/1990. Em outras palavras, o imóvel era impenhorável e não havia motivo para eles terem feito essa doação já que não perderiam o bem. O banco alegou que houve fraude à execução e, com base nisso, pediu a penhora do imóvel.
Não é possível que o imóvel seja penhorado neste caso.

A fraude à execução torna a alienação ineficaz em relação ao exequente, mas não afasta necessariamente a impenhorabilidade do bem de família.
A casa já era protegida antes da doação, a dívida não se enquadrava nas exceções da Lei n. 8.009/1990 e, mesmo após a alienação, o imóvel continuou sendo a residência da família.

Como todas essas condições foram atendidas, deve-se manter a proteção do bem de família.
Esse entendimento evita que fraudes prejudiquem credores, mas também impede que a aplicação excessiva da regra de fraude à execução resulte na perda da moradia da entidade familiar. Assim, mesmo que a alienação seja ineficaz perante o banco, o imóvel continua protegido, garantindo o direito à moradia e à dignidade dos devedores e seus familiares.

STJ. 2ª Seção. EAREsp 2.141.032-GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 6/2/2025 (Info 840).

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Q

É possível o conhecimento do recurso na hipótese em que o advogado titular do certificado digital utilizado para assinar a transmissão eletrônica da petição não possui procuração nos autos?

A

Caso hipotético: o advogado Marcelo, responsável pela defesa de Regina, redigiu um agravo em recurso especial a ser interposto no STJ. Ocorre que, no último dia do prazo, ele enfrentou problemas técnicos com seu certificado digital e solicitou que o advogado Eduardo, sem procuração nos autos, assinasse e transmitisse eletronicamente a petição ao STJ.

O Ministro identificou que Eduardo não tinha procuração nos autos e concedeu prazo apresentar procuração ou substabelecimento. Isso, contudo, não foi feito. Como consequência, o recurso foi considerado inexistente com base na Súmula 115 do STJ: Na instância especial é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos.
A defesa interpôs agravo regimental, mas a Turma manteve a decisão.

No sistema de peticionamento eletrônico, o advogado cujo certificado digital chancela a petição deve estar regularmente constituído nos autos. A jurisprudência prevê exceções, como documentos assinados eletronicamente por advogado com poderes ou petições digitalizadas assinadas manualmente pelo advogado constituído, mas nenhuma delas se aplicava ao caso.

STJ. 6ª Turma. AgRg no AREsp 2.730.926-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 11/2/2025 (Info 840).

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24
Q

A tipificação de condutas de pornografia infantil deve considerar a finalidade sexual evidente das imagens, abrangendo obscenidades e indecências.

A

O crime do art. 240 do ECA possui a seguinte redação:

Art. 240. Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente: Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

O art. 241-E do ECA esclarece o que seja pornográfica:

Art. 241-E. Para efeito dos crimes previstos nesta Lei, a expressão “cena de sexo explícito ou pornográfica” compreende qualquer situação que envolva criança ou adolescente em atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou exibição dos órgãos genitais de uma criança ou adolescente para fins primordialmente sexuais.

No caso concreto, o STJ considerou que se enquadrava no conceito de pornográfica infantil a filmagem da criança vítima no banheiro, fazendo uso do vaso sanitário, tendo ficado demonstrado que isso foi para satisfazer desejos sexuais do réu.

STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 2.747.512-SC, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 4/2/2025 (Info 840).

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25
O gestor de banco de dados que disponibiliza para terceiros consulentes o acesso aos dados do cadastrado que somente poderiam ser compartilhados entre bancos de dados deve responder subjetivamente pelos danos morais causados.
Caso hipotético: ALFA é uma pequena loja que vende semijoias. Para avaliar o risco de vender a prazo para seus clientes, a empresa contratou a Boa Vista S.A. (SCPC), que oferece serviço de consulta de dados dos consumidores. Regina foi comprar uns produtos na ALFA. A empresa fez então uma consulta na SCPC. Ocorre que a ALFA teve acesso não apenas ao score de crédito (pontuação que indica o risco do crédito), mas também a diversos dados pessoais de Regina como: CPF completo, nome da mãe, data de nascimento, endereços residenciais, números de telefone e outros dados cadastrais. Diante disso, Regina ajuizou ação de obrigação de não fazer cumulada com pedido de indenização por danos morais contra a Boa Vista S.A. Alegou que a divulgação dos seus dados, sem prévia autorização, violava o direito à privacidade e à proteção de dados, garantidos pela LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados – Lei n. 13.709/2018) e pela Lei do Cadastro Positivo (Lei nº 12.414/2011). O STJ concordou com a autora. De acordo com a Lei n. 12.414/2011 e a LGPD, embora o gestor de banco de dados possa realizar o tratamento de dados pessoais e abrir cadastro sem prévio consentimento, o compartilhamento de informações cadastrais é restrito a outros bancos de dados autorizados pelo BACEN. Para consulentes (como a loja ALFA), apenas é permitida a disponibilização da pontuação de crédito e do histórico de crédito, este último mediante autorização prévia do cadastrado. A disponibilização indevida de dados pessoais para terceiros caracteriza dano moral presumido (responsabilidade objetiva), devido ao sentimento de insegurança experimentado pela pessoa ao perceber que seus dados foram compartilhados indevidamente, o que pode favorecer a prática de atos ilícitos. Além disso, embora não seja necessário consentimento prévio para abertura do cadastro, é obrigatória a comunicação ao cadastrado em até 30 dias, conforme previsto na legislação. STJ. 3ª Turma. REsp 2.133.261-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 8/10/2024 (Info 833). Obs: é necessário esclarecer que a hipótese aqui é distinta daquela tratada no Tema 710/STJ e na Súmula 550/STJ que dele se originou. A Súmula 550/STJ preconiza que “a utilização de escore de crédito, método estatístico de avaliação de risco que não constitui banco de dados, dispensa o consentimento do consumidor, que terá o direito de solicitar esclarecimentos sobre as informações pessoais valoradas e as fontes dos dados considerados no respectivo cálculo”. Tanto o Tema 710/STJ, quanto a Súmula 550/STJ tratam exclusivamente da utilização/divulgação do escore de crédito, prática que não se confunde com a gestão de bancos de dados pessoais dos consumidores com a respectiva disponibilização, transferência ou comercialização desses dados para terceiros.
26
O fato de o neto, concebido por inseminação artificial, coabitar residência com mãe e o avô materno e reconhecê-lo como pai, é suficiente para afastar a proibição prevista no art. 42, § 1º, do ECA, que veda a adoção por avós.
Situação hipotética: Carla, mãe solteira, optou por inseminação artificial para realizar seu sonho de ser mãe, tendo um filho, Lucas. Desde o nascimento, Lucas, agora com 5 anos, foi cuidado por sua mãe e pelo avô materno, João, a quem chama de pai. João ingressou com ação pedindo a adoção do neto com consentimento da filha, para ser reconhecido formalmente como pai, sem retirar a maternidade de Carla. O Ministério Público se opôs, argumentando a ausência de risco à criança, escolha consciente de família monoparental e possíveis motivações econômicas. O STJ concordou com o MP e negou o pedido de adoção. O STJ negou a adoção, baseando-se no art. 42, § 1º do ECA, que proíbe a adoção por ascendentes. Embora existam casos excepcionais em que essa regra pode ser flexibilizada, o STJ estabeleceu critérios específicos para isso, como a necessidade de o adotando ser menor de idade, os avós exercerem funções parentais exclusivas desde o nascimento, e não haver conflitos familiares ou interesses econômicos envolvidos. No caso em questão, o STJ entendeu que os requisitos para flexibilização não foram atendidos, pois não havia situação de risco (já que Carla exercia plenamente a maternidade), o avô desempenhava papel típico de avô (não de pai exclusivo), havia possível confusão patrimonial e familiar, e existiam indícios de motivação predominantemente econômica. Além disso, o caso envolvia uma família monoparental constituída por escolha consciente, protegida constitucionalmente. STJ. 3ª Turma. REsp 2.067.372-MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 5/11/2024 (Info 833). Apesar da vedação expressa do art. 42, § 1º, do ECA, o dispositivo tem sido excepcionalmente flexibilizado em situações específicas, fundamentadas por razões humanitárias e sociais ou para preservar relações de fato consolidadas. Existem alguns julgados do STJ nos quais houve essa flexibilização. Vejamos: * REsp 1.448.969/SC (STJ. 3ª Turma. DJe 03/11/2014): trata-se do caso em que os avós assumiram a criação de seu bisneto devido a abuso sexual sofrido pela mãe biológica, que engravidou aos 8 anos de idade. Reconheceu-se a parentalidade socioafetiva dos avós, compatibilizando os arts. 6º e 42, § 1º, do ECA. * REsp 1.635.649/SP (STJ. 3ª Turma. DJe 02/03/2018): a mãe biológica, vítima de violência sexual, enfrentava trauma psicológico que lhe impedia de exercer a maternidade. Destacou-se que, na ausência de fatores como confusão familiar, conflitos de interesses ou fraudes, seria possível flexibilizar a regra legal. * REsp 1.796.733/AM (STJ. 3ª Turma. DJe 06/09/2019): neste caso, negou-se a adoção por bisavô, mesmo reconhecendo sua função parental, por entender que a relação natural entre os envolvidos era suficiente para atender às necessidades afetivas do adotando. * REsp 1.587.477/SC (STJ. 4ª Turma. DJe 27/08/2020): admitiu-se a adoção conjunta por avó paterna e seu companheiro (avô por afinidade), considerando circunstâncias fáticas excepcionais, como a ausência de cuidados da mãe biológica devido a vícios e prisão, e a identificação do pai como irmão pelo adotando. A 4ª Turma do STJ, com base nos precedentes, estabeleceu os seguintes critérios para a excepcional admissão da adoção avoenga: 1) O adotando deve ser menor de idade; 2) Os avós devem exercer, com exclusividade, as funções parentais desde o nascimento; 3) Deve ser comprovada a parentalidade socioafetiva por estudo psicossocial; 4) O adotando deve reconhecer os avós como pais e seu pai ou mãe biológicos como irmãos; 5) Não deve haver conflitos familiares relacionados à adoção; 6) Não deve existir risco de confusão mental ou emocional ao adotando; 7) A adoção não pode estar fundamentada em interesses ilegítimos, como vantagens econômicas; 8) A adoção deve trazer reais benefícios ao adotando.
27
A multa aplicada na sentença condenatória possui caráter penal; embora se apliquem as causas suspensivas da prescrição previstas na LEF e as causas interruptivas disciplinadas no art. 174 do CTN, o prazo da prescrição intercorrente é o do art. 114, II, do CP.
Caso hipotético: João foi condenado por tráfico de drogas a uma pena de 9 anos de reclusão e multa. Após cumprir a prisão, a multa não foi paga. Diante da inércia do MP, a Fazenda Nacional ingressou com execução fiscal cobrando a multa. A execução foi suspensa devido à ausência de bens penhoráveis, e, após cinco anos do arquivamento provisório, o juiz extinguiu o processo com base na prescrição intercorrente, aplicando o prazo de cinco anos do art. 174 do CTN. A Fazenda Nacional recorreu, argumentando que a multa penal mantém sua natureza criminal, mesmo se cobrada via execução fiscal, e, portanto, o prazo prescricional deveria ser o mesmo da pena privativa de liberdade aplicada (16 anos, conforme o art. 109 do CP). O STJ concordou com a recorrente. A nova redação do art. 51 do Código Penal não retirou o caráter penal da multa, de modo que, embora se apliquem as causas suspensivas da prescrição previstas na Lei nº 6.830/1980 e as causas interruptivas disciplinadas no art. 174 do CTN, o prazo prescricional continua regido pelo art. 114, II, do CP, inclusive quanto ao prazo de prescrição intercorrente. STJ. 2ª Turma. REsp 2.173.858-RN, Rel. Min. Afrânio Vilela, julgado em 5/11/2024 (Info 833). De quem é a legitimidade para executar a pena de multa? * Prioritariamente: o Ministério Público, na vara de execução penal, aplicando-se a LEP. * Caso o MP se mantenha inerte por mais de 90 dias após ser devidamente intimado: a Fazenda Pública irá executar, na vara de execuções fiscais, aplicando-se a Lei nº 6.830/80. STF. Plenário. ADI 3150/DF, Rel. para acórdão Min. Roberto Barroso, julgado em 12 e 13/12/2018 (Info 927). STF. Plenário. AP 470/MG, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 12 e 13/12/2018 (Info 927). Art. 114 do CP. A prescrição da pena de multa ocorrerá: (...) II - no mesmo prazo estabelecido para prescrição da pena privativa de liberdade, quando a multa for alternativa ou cumulativamente cominada ou cumulativamente aplicada.
28
O delito previsto no art. 54, caput, primeira parte, da Lei 9.605/1998 (poluição sonora) só estará configurado mediante prova pericial para constatação de poluição que possa resultar em danos à saúde humana.
Caso adaptado: João, dono de um bar com música ao vivo, foi denunciado pelo Ministério Público por crime ambiental (art. 54 da Lei n. 9.605/98) após medições confirmarem que o estabelecimento emitia ruídos acima do limite permitido de 50 decibéis, gerando reclamações dos vizinhos que relatavam problemas para dormir e estresse. Na primeira instância, o juiz desclassificou a conduta para contravenção penal de perturbação da tranquilidade (art. 42 do Decreto-Lei n. 3.688/41), entendendo não haver comprovação, por meio de perícia, de risco efetivo à saúde dos moradores. O Ministério Público recorreu, argumentando que o crime ambiental em questão é de perigo abstrato, não exigindo prova técnica do dano. O STJ acolheu o recurso do Ministério Público. Isso porque o crime do art. 54, caput, da Lei n. 9.605/98 é formal e de perigo abstrato, dispensando perícia para comprovar danos à saúde humana. Assim, basta a constatação do desrespeito às normas de emissão sonora para configurar o delito, em consonância com os princípios do desenvolvimento sustentável e da prevenção. STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 2.130.764-MG, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 16/9/2024 (Info 833).
29
Há ilegalidade na busca pessoal realizada por guardas civis municipais motivada pela atitude suspeita do réu, que, em local conhecido como de traficância, ficou nervoso ao avistar a viatura e escondeu algo na cintura.
Caso adaptado: guardas municipais realizaram a abordagem de um suspeito em um local conhecido por tráfico de drogas. A abordagem foi motivada pelo fato de o indivíduo ter apresentado um comportamento nervoso e ter tentado esconder algo na cintura. Durante a revista, os guardas municipais encontraram drogas e dinheiro com ele, que confessou estar vendendo entorpecentes. O indivíduo foi preso em flagrante e condenado, mas recorreu alegando ilegalidade da abordagem, sob o argumento de que as guardas municipais haviam excedido suas atribuições. O STJ manteve a condenação. O Tribunal entendeu que não houve ilegalidade na busca pessoal realizada pelos guardas municipais, uma vez que foi motivada pela atitude suspeita do réu em local conhecido como ponto de tráfico, quando este demonstrou nervosismo ao avistar a viatura e escondeu algo na cintura. STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 2.108.571-SP, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 5/11/2024 (Info 833). Desde que existente a necessária justa causa, são válidas a busca pessoal e domiciliar realizadas pela Guarda Municipal quando configurada a situação de flagrante do crime de tráfico ilícito de entorpecentes. STF. 1ª Turma. RE 1.468.558/SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 01/10/2024 (Info 1153).
30
Em caso de indeferimento do pedido de desconsideração da personalidade jurídica, não cabe a condenação em honorários advocatícios.
O indeferimento do pedido de desconsideração da personalidade jurídica, tendo como resultado a não inclusão do sócio (ou da empresa) no polo passivo da lide, dá ensejo à fixação de verba honorária em favor do advogado de quem foi indevidamente chamado a litigar em juízo. STJ. Corte Especial. REsp 2.072.206-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 13/2/2025 (Info 843).
31
Quando o próprio consumidor fornece voluntariamente cartão e senha ao estelionatário, sem evidência de falha do banco, configura-se culpa exclusiva do consumidor, afastando a responsabilidade da instituição financeira.
Exclui-se a responsabilidade da instituição financeira por danos decorrentes de fraude praticada por terceiro, quando a compra, realizada em loja física, foi realizada com a entrega voluntária do cartão original e de senha pessoal pelo correntista, prática comumente conhecida como golpe do motoboy, caracterizando culpa exclusiva do consumidor, ainda que vulnerável em decorrência de doença grave. 1) A responsabilidade da instituição financeira no golpe do motoboy depende da concorrência de duas causas: a) o fornecimento do cartão magnético original e senha pessoal ao estelionatário pelo consumidor; b) a inobservância do dever de segurança pela instituição financeira em alguma etapa da prestação do serviço. 2) A responsabilidade da instituição financeira tem origem no defeito em alguma das etapas da prestação do serviço, como a guarda dos dados sigilosos do consumidor e o aprimoramento dos mecanismos de autenticação dos canais de relacionamento com o cliente e de verificação de anomalias nas operações que fujam do padrão do consumidor. 3) O compartilhamento de dados bancários sigilosos pelo consumidor, após ser convencido de que estava falando com representante do banco, que permite operação fraudulenta realizada em loja física com a utilização do cartão, mediante inserção da senha pessoal e dentro dos limites pré-aprovados, afasta a deficiência na prestação do serviço por parte do banco e caracteriza culpa exclusiva do consumidor. 4) A vulnerabilidade do consumidor em tratamento médico não autoriza, isoladamente, a mitigação de sua responsabilidade quanto ao dever de cuidado com seus dados sigilosos e com o cartão de acesso à conta. STJ. 3ª Turma. REsp 2.155.065-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, rel. para acórdão Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 11/3/2025 (Info 843).
32
A empresa de comunicação e o apresentador de programa de televisão fazem parte, em regra, da cadeia de consumo para fins de responsabilidade pelo fornecimento de produto e/ou serviço anunciados.
Caso adaptado: João adquiriu uma cartela do Bingão da Felicidade, veiculado na TV Record, e foi sorteado com um dos prêmios principais. No entanto, a Confederação Brasileira de Tênis de Mesa (CBTM), organizadora do concurso, se recusou a entregar o prêmio, alegando que a cartela seria falsa. Após perícia comprovar a autenticidade do bilhete, João moveu ação contra a CBTM, a TV Record e o apresentador do programa Gilberto Barros, alegando responsabilidade solidária pelo dano sofrido. Além da CBTM, o TJSP condenou também a emissora e o apresentador, entendendo que ambos lucraram com o sorteio e contribuíram para sua credibilidade. A decisão foi fundamentada no art. 942 do Código Civil, que prevê responsabilidade solidária quando múltiplos agentes contribuem para o dano, mesmo por condutas distintas. A TV Record e o apresentador recorreram, argumentando que não participavam da gestão do concurso e que apenas o divulgaram. O STJ acolheu os argumentos, afastando a responsabilidade solidária. A responsabilidade pela qualidade do produto ou serviço anunciado ao consumidor é do fornecedor respectivo, não se estendendo à empresa de comunicação que veicula a propaganda por meio de apresentador durante programa de televisão, denominada “publicidade de palco”. A participação do apresentador, ainda que este assegure a qualidade e confiabilidade do que é objeto da propaganda, não o torna garantidor do cumprimento das obrigações pelo anunciante. STJ. 4ª Turma. REsp 2.022.841-SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 11/3/2025 (Info 843). A chamada “propaganda de palco”, como a do caso concreto, tampouco implica corresponsabilidade da emissora de televisão ou do apresentador que atuou como garoto-propaganda, já que, além da ausência de relação de consumo, o simples fato de endossar a qualidade e confiabilidade do produto anunciado não transforma tal pessoa em garantidora do cumprimento das obrigações do fornecedor. Ressalte-se que o STJ não criou uma cláusula geral de imunidade em favor de empresas ou profissionais da publicidade quanto aos danos eventualmente causados por anúncios de terceiros. Em determinadas situações, poderá ser reconhecida a responsabilidade subjetiva desses agentes, se demonstrada conduta própria que tenha concorrido para a produção do dano — o que, no entanto, não se verificou no caso. Em outras oportunidades, o STJ já reconheceu a responsabilidade de empresa de comunicação que não agiu com a devida diligência ao veicular propaganda enganosa ou fraudulenta: Demanda indenizatória movida contra canal televisivo por consumidor lesado pela veiculação de anúncio publicitário fraudulento. Responsabilidade solidária da empresa detentora do canal de televisão reconhecida pelas instâncias de origem por não ter o serviço por ela prestado apresentado a segurança legitimamente esperada pelo público consumidor. STJ. 3ª Turma. REsp 1.391.084/RJ, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 26/11/2013.
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As ações de despejo devem ficar suspensas com o deferimento do processamento da recuperação judicial da locatária.
A competência para processar e julgar a ação de despejo é do juízo onde tramita a ação de despejo, não se submetendo ao juízo da recuperação judicial. A ação de despejo por falta de pagamento não se insere nas hipóteses de suspensão previstas no art. 6º da Lei nº 11.101/2005, pois o imóvel locado não integra o patrimônio da recuperanda, tampouco nas exceções do art. 49, § 3º, da LREF. Em regra, as ações que estavam tramitando contra a empresa que pediu recuperação judicial ficarão suspensas. Isso é chamado de stay period, prazo necessário para permitir que a recuperando possa apresentar e viabilizar um plano de recuperação. Art. 6º da Lei n. 11.101/2005: A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial implica: I - suspensão do curso da prescrição das obrigações do devedor sujeitas ao regime desta Lei; II - suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor, inclusive daquelas dos credores particulares do sócio solidário, relativas a créditos ou obrigações sujeitos à recuperação judicial ou à falência; III - proibição de qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial ou à falência. Ocorre que a ação de despejo por falta de pagamento não se enquadra em nenhuma das hipóteses de suspensão previstas no art. 6º da Lei n. 11.101/2005. A situação do locador é diferente da do credor fiduciário e do arrendador. Isso porque o locador não irá se ressarcir com a retomada do bem como ocorre com aqueles, em que o bem funciona como uma espécie de garantia. Também não se confunde com a do promissário vendedor, que, diante da inadimplência do adquirente em recuperação judicial, terá garantido seu direito de propriedade, inclusive na incorporação imobiliária. Por essas razões que não cabe falar em aplicação por analogia das hipóteses do art. 49, § 3º, da LREF no caso da locação: Art. 49 (...) § 3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial. Como se relacionam os dispositivos da Lei de Locações (Lei n. 8.245/1991) com a Lei de Recuperação de Empresas (Lei n. 11.101/2005) em casos de ação de despejo por falta de pagamento? A Lei de Locações (Lei n. 8.245/1991) é a legislação específica aplicável às ações de despejo, enquanto a Lei de Recuperação de Empresas estabelece medidas para a superação da crise econômico-financeira do devedor. Quando há conflito entre ambas, prevalece a Lei de Locações no que tange à retomada do imóvel, pois a proteção conferida pela LREF não alcança bens que não integram o patrimônio da recuperanda. O art. 59, § 1º, da Lei n. 8.245/1991 permite a concessão de liminar para desocupação em quinze dias, mesmo quando a locatária encontra-se em recuperação judicial. STJ. 3ª Turma. REsp 2.171.089-DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 3/12/2024 (Info 843).
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A análise sobre a existência de dolo eventual ou culpa consciente em homicídio no trânsito compete ao Tribunal do Júri, quando presentes indícios mínimos de autoria.
Caso hipotético: João atropelou e matou um pedestre em uma faixa de pedestres e fugiu sem prestar socorro. O Ministério Público o denunciou por homicídio doloso (dolo eventual). Após a fase de instrução, o juiz pronunciou João, decisão mantida pelo Tribunal de Justiça. O réu interpôs recurso especial pedindo a desclassificação para homicídio culposo. O STJ negou provimento ao recurso especial. No caso concreto, havia elementos indiciários razoáveis para a imputação de dolo eventual, como a alta velocidade do veículo, o atropelamento na faixa de pedestres, a possível embriaguez, a fuga do local, o histórico de multas e uma condenação anterior por homicídio culposo. A discussão sobre o elemento subjetivo do crime (dolo eventual ou culpa consciente) deve ser reservada ao Tribunal do Júri, juiz natural da causa, evitando-se invasão de sua competência constitucional. Em suma: em casos envolvendo a prática de homicídio na direção de veículo automotor, havendo elementos indiciários que subsidiem, com razoabilidade, as versões conflitantes acerca da existência de dolo, ainda que eventual, a divergência deve ser solvida pelo Conselho de Sentença, evitando-se a indevida invasão da sua competência constitucional. STJ. 6ª Turma. AgRg no AREsp 2.795.012-SP, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 11/3/2025 (Info 843).
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É necessária a perícia técnica para configurar a qualificadora referente à escalada em furto, ainda que o iter criminis tenha sido testemunhado pelos policiais.
Caso hipotético: a Polícia Militar prendeu João e Regina em flagrante após receber uma denúncia anônima de furto de cabos de energia elétrica. João foi flagrado cortando os fios no alto de um poste, enquanto Regina os recolhia. Ambos foram denunciados pelo Ministério Público por furto qualificado, com base no art. 155, § 4º, incisos II (escalada) e IV (concurso de pessoas) do Código Penal. A defesa alegou que a perícia técnica era indispensável para comprovar a escalada, uma vez que esta deixaria vestígios. O STJ, no entanto, rejeitou esse argumento e decidiu que a perícia não era necessária. A escalada foi caracterizada pelo uso de meio anormal — subir no poste — para alcançar os cabos. A materialidade do crime foi devidamente comprovada pelo depoimento dos policiais que presenciaram os réus em ação. Como não houve versão contraditória apresentada pela defesa, o STJ manteve a qualificadora da escalada, considerando o conjunto probatório suficiente para dispensar o laudo técnico. STJ. 6ª Turma. AgRg no AREsp 2.703.772-DF, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 18/2/2025 (Info 843).
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O roubo praticado contra menor de idade no caminho da escola não justifica o aumento da pena-base pela culpabilidade acentuada.
Caso hipotético: Rafaela, de 14 anos, foi assaltada por João enquanto caminhava para a escola. O criminoso, armado, subtraiu o celular da adolescente. João foi condenado por roubo. Na primeira fase da dosimetria da pena, o juiz aumentou a pena-base ao considerar a culpabilidade acentuada pelo fato de o crime ter sido cometido contra uma menor de idade a caminho da escola. João recorreu, alegando fundamentação inadequada para o aumento da pena e pleiteando a pena-base no mínimo legal. O STJ considerou legítima a fundamentação do juiz para aumentar a pena-base. O crime praticado contra uma adolescente em situação de vulnerabilidade — tanto pela idade quanto por estar a caminho da escola — revela maior reprovabilidade e gravidade na conduta do réu. Essas circunstâncias superam os elementos típicos do crime de roubo e frustram os esforços de proteção ao ambiente escolar, legitimando a valoração negativa das circunstâncias e a consequente exasperação da pena-base. STJ. 6ª Turma. AgRg no AREsp 2.603.711-AL, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 18/2/2025 (Info 843).
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É cabível ANPP em ação penal privada, inclusive após o recebimento da queixa-crime, sendo o Ministério Público legitimado a propô-lo de forma supletiva quando houver inércia ou recusa infundada do querelante.
Caso hipotético: João ofereceu queixa-crime contra Pedro por difamação e injúria, sendo a queixa recebida pelo juiz, que pediu manifestação do Ministério Público sobre possíveis benefícios legais. O MP, então, propôs um ANPP a Pedro, mesmo sendo a ação de natureza privada. João se opôs, alegando que o MP não teria legitimidade para propor o acordo. O STJ, contudo, entendeu que o oferecimento do ANPP pelo MP é cabível também nas ações penais privadas, mesmo após o recebimento da queixa-crime, desde que presentes os requisitos legais. Teses de julgamento: 1. O ANPP é cabível em ações penais privadas, mesmo após o recebimento da queixa-crime, desde que presentes os requisitos legais. 2. O Ministério Público possui legitimidade supletiva para propor o ANPP em ação penal privada, quando houver inércia ou recusa infundada do querelante. 3. A distinção entre ANPP e transação penal justifica uma abordagem diferenciada, não se aplicando automaticamente a jurisprudência restritiva do STJ sobre transação penal. STJ. 5ª Turma. REsp 2.083.823-DF, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 11/3/2025 (Info 843). O CPP não disciplinou expressamente a possibilidade de celebração do acordo de não persecução penal no âmbito da ação penal privada, o que gerou controvérsia doutrinária e jurisprudencial. A despeito da lacuna normativa, a extensão por analogia do ANPP à ação penal privada deve ser admitida, pelos seguintes fundamentos: a) O interesse público subjacente à ação penal privada - Ainda que o direito de ação seja atribuído ao ofendido, a persecução penal continua sendo uma manifestação do ius puniendi estatal, sendo inalienável ao particular. O querelante não age em nome de um direito material próprio, mas sim no exercício de um direito de substituição processual. b) O princípio da isonomia entre réus de ações penais públicas e privadas - Negar o ANPP a crimes de ação penal privada, nos casos em que todos os requisitos legais estão preenchidos, significaria conceder tratamento mais gravoso a acusados que se encontram em situações fáticas idênticas, o que violaria o princípio da igualdade substancial. c) O caráter restaurativo e desjudicializante da política criminal contemporânea - O ANPP visa a garantir uma justiça penal mais eficiente e menos punitivista, fomentando a reparação do dano e prevenindo o encarceramento desnecessário. Se há espaço para essa abordagem na ação penal pública, com maior razão deve ser admitida na ação penal privada, que, por sua própria natureza, confere ao ofendido um juízo de conveniência sobre a persecução penal. O Ministério Público, como custos legis, pode e deve atuar subsidiariamente nos seguintes casos: a) Recusa injustificada do querelante - Quando o querelante, sem fundamentação razoável, se recusar a ofertar o ANPP, ainda que estejam preenchidos os requisitos legais, o Ministério Público deve intervir para impedir que a persecução penal se torne um instrumento de abuso. b) Silêncio ou inércia do querelante - Na hipótese de omissão do querelante diante da proposta de ANPP, o Ministério Público pode supletivamente ofertá-la, garantindo que o processo penal atenda a uma finalidade justa e racional. c) Propostas abusivas e desproporcionais - Caso o querelante imponha exigências irrazoáveis ou desproporcionais para a celebração do acordo, inviabilizando sua efetivação, caberá ao Ministério Público intervir para garantir que os parâmetros legais sejam respeitados.
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A interpretação de cláusulas de acordo de não persecução penal não enseja recurso especial, conforme a Súmula n. 5 do STJ.
Caso hipotético: João foi preso em flagrante por posse irregular de arma de fogo após a polícia encontrar, em sua casa, uma arma artesanal, munições diversas e duas armas com registro vencido. O Ministério Público ofereceu ANPP, no qual João concordou em renunciar aos objetos apreendidos e doar R$1.500 a uma entidade designada pelo juízo. Após efetuar o pagamento, João solicitou a devolução das duas armas com registro vencido, argumentando que elas não faziam parte do crime de posse irregular, mas apenas apresentavam irregularidade administrativa. O juiz indeferiu o pedido de restituição, alegando que a cláusula do acordo abrangia todas as armas apreendidas. No entanto, o Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso de João, determinando a devolução das armas com registro vencido, por entender que estas não foram objeto do acordo e representavam apenas irregularidade administrativa. Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso especial, argumentando que a redação da cláusula do ANPP era ampla e incluía todas as armas. O STJ não conheceu do recurso especial, decidindo que a interpretação das cláusulas do ANPP, realizada pelo Tribunal de origem, não pode ser revista em sede de recurso especial. De acordo com a Súmula 5 do STJ, “a simples interpretação de cláusula contratual não enseja recurso especial”. STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 2.167.109-RS, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 26/2/2025 (Info 843).
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O condômino possui legitimidade para propor ação de exigir contas contra o síndico.
As contas do síndico devem ser prestadas perante assembleia e, caso não o sejam, é cabível a ação de prestação de contas pelo condomínio. O condômino, individualmente, não possui legitimidade para propor ação de prestação de contas, pois a obrigação do síndico é de prestar contas à assembleia de condomínio. Art. 1.348 do CC: Compete ao síndico: VIII - prestar contas à assembleia, anualmente e quando exigidas; STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 2.408.594-SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 16/9/2024 (Info 831).
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A operadora do plano de saúde não é obrigada a custear exame realizado no exterior, salvo se ela se comprometeu mediante cláusula contratual expressa.
O art. 10 da Lei n. 9.656/1998 estabelece que os planos de saúde devem garantir cobertura para tratamentos realizados exclusivamente no Brasil. A área de abrangência dessa cobertura deve ser especificada no contrato, conforme o art. 16, X, da Lei e pode ser nacional, estadual, regional, municipal ou de um grupo de municípios, de acordo com a Resolução Normativa 566/2022 da ANS. Desse modo, a interpretação conjunta da legislação indica que a obrigatoriedade das operadoras se limita ao território nacional, salvo previsão contratual que disponha em sentido contrário. Assim, os planos de saúde não são obrigados a cobrir tratamentos ou procedimentos realizados no exterior, exceto se isso estiver expressamente previsto no contrato. Essa regra prevalece mesmo diante do disposto no § 13 do art. 10 da Lei n. 9.656/1998, que prevê a autorização de cobertura para tratamentos fora do rol estabelecido pela ANS, desde que atendam a critérios específicos de comprovação científica ou recomendação de órgãos renomados. Em suma: a área geográfica de abrangência em que a operadora fica obrigada a garantir todas as coberturas de assistência à saúde contratadas pelo beneficiário é limitada ao território nacional, salvo se houver previsão contratual em sentido contrário. STJ. 3ª Turma. REsp 2.167.934-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 15/10/2024 (Info 831).
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As ações de indenização por danos morais, por tratarem de violações a direitos de personalidade que não têm conteúdo patrimonial, são consideradas causas de valor inestimável; logo, em caso de improcedência, é possível a fixação dos honorários por equidade.
Em ação de compensação por danos morais, os honorários advocatícios sucumbenciais podem ser fixados por equidade, nos termos do art. 85, § 8º, do CPC/2015, tendo em vista o direito de imagem possuir valor inestimável. O arbitramento dos honorários sucumbenciais, de acordo com a ordem de preferência estabelecida no § 2º do art. 85 do Código de Processo Civil (CPC), deve seguir os seguintes critérios objetivos: 1º) nas causas em que houver condenação, esse é o critério a ser utilizado pelo magistrado, observando o parâmetro legal entre 10% e 20%; 2º) nas causas em que não houver condenação, deve o magistrado arbitrar os honorários de acordo com o proveito econômico aferido; e 3º) não sendo possível mensurar o proveito econômico, sendo ele inestimável ou irrisório, a verba sucumbencial deve ser arbitrada de acordo com o valor da causa. O § 8º do art. 85 do CPC contemplou a regra excepcional de apreciação equitativa do juiz para fixar os honorários quando o valor da causa for muito baixo ou o proveito econômico for inestimável ou irrisório. Nesse sentido, são de valor inestimável as causas relativas a bens jurídicos a que não se possa atribuir um valor econômico, que não podem ser mensurados, avaliados ou calculados. Considerando que o direito à compensação de dano moral, conforme a expressa disposição do art. 12 do Código Civil, exsurge de condutas que ofendam direitos da personalidade (como os que se extraem dos arts. 11 a 21 do CC), bens tutelados que não têm, per se, conteúdo patrimonial, mas extrema relevância conferida pelo ordenamento jurídico, o pedido de reconhecimento de violação de direito de imagem deve ser considerado de valor inestimável, atraindo a incidência do art. 85, § 8º, do CPC. STJ. 4ª Turma. AgInt no REsp 1.854.487-DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 22/10/2024 (Info 831).
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Ainda que ocorram diligências policiais em comum, tratando-se de fatos distintos veiculados em ações penais diversas, não há se falar em litispendência.
A litispendência guarda relação com a ideia de que ninguém pode ser processado quando está pendente de julgamento um litígio com as mesmas partes (eadem personae), sobre os mesmos fatos (eadem res) e com a mesma pretensão (eadem petendi), que é expressa por antiga máxima latina, o ne bis in idem, atualmente compreendida, no âmbito criminal, como a proibição de dupla punição e de dupla persecução penal pelo mesmo fato criminoso. No caso do autos, ficou demonstrado que, não obstante a presença de diligências policiais em comum, as duas ações penais contra o réu que tramitaram em varas diferentes são autônomas, não havendo identidade entre os fatos. Logo, isso afasta a alegação de que teria havido bis in idem. Tratando-se de fatos distintos veiculados em ações penais diversas, não há se falar em litispendência. STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 424.784-SP, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 23/9/2024 (Info 831).
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O Juízo da Execução Penal pode estabelecer condições não previstas no acordo de colaboração premiada.
A pena decorrente do acordo de colaboração premiada não constitui reprimenda no sentido estrito da palavra, pois não decorre de sentença de natureza condenatória decretada pelo Poder Judiciário, mas sim de avença firmada entre o Ministério Público e o agente dentro das hipóteses previstas no nosso ordenamento jurídico. Por não possuir a natureza jurídica de sanção penal, na sua execução não se deve obedecer às regras previstas na Lei de Execução Penal para o cumprimento de reprimenda decorrente de uma sentença condenatória. Assim, o cumprimento do que foi pactuado entre o Ministério Público e o acusado obedece aos termos que restaram assentados no acordo de colaboração premiada e não as regras da Lei de Execução Penal. STJ. 5ª Turma. HC 846.476-RJ, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 22/10/2024 (Info 831).
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As medidas despenalizadoras previstas na Lei dos Juizados Especiais Criminais (incluindo a suspensão condicional do processo) se aplicam à Justiça Militar.
No âmbito da Justiça Militar não se aplicam as disposições da Lei n. 9.099/1995, inclusive a suspensão condicional do processo, para os delitos cometidos após a vigência da Lei nº 9.839/1999. Isso porque existe vedação expressa no art. 90-A da Lei nº 9.099/95. Veja: Art. 90-A. As disposições desta Lei não se aplicam no âmbito da Justiça Militar. (incluído pela Lei n. 9.839/1999). A imposição de tratamento processual penal mais gravoso aos crimes submetidos à justiça militar é constitucional em virtude da hierarquia e da disciplina próprias das Forças Armadas. STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 916.829-MG, Rel. Min. Otávio de Almeida Toledo (Desembargador convocado do TJSP), julgado em 9/9/2024 (Info 831).
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Havendo alteração de prática reiterada do Fisco de não cobrar determinado tributo, este somente poderá ser cobrado a partir do fato gerador posterior à modificação da orientação administrativa, em observância ao princípio da irretroatividade.
Caso adaptado: uma cooperativa atua na distribuição de energia elétrica para comunidades rurais. Essa cooperativa recebe uma subvenção oriunda da Conta de Desenvolvimento Energético (FDE), destinada a subsidiar parte do custo de energia elétrica para consumidores de baixa renda. Durante anos, o Estado não incluiu o valor dessa subvenção na base de cálculo do ICMS incidente sobre a energia elétrica. Em um determinado momento, o Fisco estadual mudou seu entendimento administrativo e passou a considerar que a subvenção deveria compor a base de cálculo do ICMS. Diante disso, exigiu o pagamento do ICMS não apenas sobre as operações futuras, mas também sobre os últimos cinco anos. O STJ reconheceu que o Estado pode cobrar o ICMS sobre a subvenção, no entanto, fez uma ressalva: como houve mudança na orientação da Administração Tributária, essa nova interpretação só vale para fatos geradores ocorridos após a cooperativa ser notificada dessa alteração de entendimento. Em outras palavras, não é possível cobrar o imposto retroativamente por períodos em que o Fisco tinha orientação diferente. Fundamentos: art. 146 c/c o art. 100, III, do CTN e princípio da irretroatividade. STJ. 2ª Turma. AREsp 1.688.160-RS, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 17/10/2024 (Info 831).
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A compra e venda de loteamento não registrado é nula, salvo se firmada entre particulares que estavam cientes da irregularidade do imóvel no momento do negócio jurídico.
Caso hipotético: João dividiu irregularmente sua terra em lotes e vendeu uma parte para Regina, que estava ciente da situação irregular. No contrato, havia inclusive uma cláusula expressa informando sobre a irregularidade do loteamento. Ocorre que, meses depois, Regina ingressou com ação pedindo a anulação do contrato e devolução dos valores pagos. O STJ afirmou que o contrato era nulo, não importando o fato de a compradora estar ciente da irregularidade. Isso porque o art. 37 da Lei n. 6.766/79 proíbe expressamente a venda de lotes não registrados. Logo, o objeto do contrato é ilícito, pois viola norma legal. A ciência prévia do comprador sobre a irregularidade não valida o negócio. Vale ressaltar, por fim, que a Lei n. 6.766/79 se aplica mesmo para negócios celebrados entre particulares, não sendo restrito a empreendimentos imobiliários. Art. 37 da Lei n. 6.766/79: É vedado vender ou prometer vender parcela de loteamento ou desmembramento não registrado. Art. 166 do CC: É nulo o negócio jurídico quando: II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto; VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção. Art. 50 da Lei n. 6.766/79: Constitui crime contra a Administração Pública. I - Dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos, sem autorização do órgão público competente, ou em desacordo com as disposições desta Lei ou das normas pertinentes do Distrito Federal, Estados e Municípios; STJ. 3ª Turma. REsp 2.166.273-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10/8/2024 (Info 829).
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Não é possível usucapião de imóvel afetado à finalidade pública essencial pertencente à sociedade de economia mista que atua em regime não concorrencial.
Caso adaptado: João e sua família construíram uma casa e nela moraram por mais de 15 anos. Ocorre que essa casa estava localizado em um terreno da CAESB, próxima a um reservatório de água. João ingressou com ação de usucapião extraordinária, alegando ter posse contínua, pacífica e com intenção de ser dono. A CAESB contestou, argumentando que a área é bem público, por ser propriedade de uma sociedade de economia mista que presta serviço essencial de abastecimento de água, sendo estratégica para o sistema de captação e distribuição. O STJ afirmou que não seria possível a usucapião neste caso. Os bens integrantes do acervo patrimonial de sociedade de economia mista ou empresa pública não podem ser objeto de usucapião quando sujeitos à destinação pública. A concepção de “destinação pública”, apta a afastar a possibilidade de usucapião de bens das empresas estatais, tem recebido interpretação abrangente por parte do STJ, de forma a abarcar, inclusive, imóveis momentaneamente inutilizados, mas com demonstrado potencial de afetação a uma finalidade pública. STJ. 3ª Turma. REsp 2.173.088-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 8/10/2024 (Info 829). Jurisprudência em Teses/STJ, Ed. 124: 1) Os bens integrantes do acervo patrimonial de sociedades de economia mista sujeitos a uma destinação pública equiparam-se a bens públicos, sendo, portanto, insuscetíveis de serem adquiridos por meio de usucapião.
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O ex-cônjuge, casado em regime de comunhão universal de bens na data de abertura da sucessão do seu ex-sogro, tem legitimidade e interesse para a propositura de ação de prestação de contas contra a parte inventariante de todos os bens e direitos integrantes do quinhão hereditário de sua ex-consorte, ainda que ultimada a partilha decorrente da dissolução da sociedade conjugal.
Caso hipotético: Carlos e Mariana se casaram em 1995 sob o regime de comunhão universal de bens. Em 2006, João, o pai de Mariana, faleceu. Regina, mãe de Mariana, foi nomeada como inventariante dos bens deixados por João. O inventário foi aberto em julho de 2006 e encerrado em julho de 2007, com a homologação da partilha. Em 2009, Carlos e Mariana se divorciaram e fizeram a partilha do casal entre eles. Em 2012, Carlos ingressou com ação de prestação de contas contra sua ex-sogra Regina, pedindo que ela prestasse contas da sua gestão como inventariante. Carlos argumentou que, como era casado com Mariana sob o regime de comunhão universal de bens na época do falecimento de João, tinha direito a metade de tudo que Mariana herdou, e por isso tinha interesse em saber se todos os bens foram devidamente inventariados e partilhados. O STJ reconheceu a legitimidade e o interesse de Carlos. O ex-cônjuge, casado em regime de comunhão universal de bens na data de abertura da sucessão do seu ex-sogro, tem legitimidade e interesse para a propositura de ação de prestação de contas contra a parte inventariante de todos os bens e direitos integrantes do quinhão hereditário de sua ex-consorte, ainda que ultimada a partilha decorrente da dissolução da sociedade conjugal. STJ. 3ª Turma. REsp 2.172.029-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 8/10/2024 (Info 829). O regime de comunhão universal de bens importa a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas (art. 1.667 do CC), sendo excluídos dessa comunhão os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados no seu lugar (art. 1.668, I, do CC). A incomunicabilidade não se aplica aos frutos (art. 1.669 do CC). No direito sucessório brasileiro, vigora o princípio da saisine, previsto no art. 1.784 do Código Civil, segundo o qual, aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários. Assim, quando a sucessão ocorre durante o casamento sob o regime de comunhão universal de bens, todos os bens herdados por um cônjuge se comunicam ao outro, de forma automática e imediata, com base no princípio da saisine, exceto se houver cláusula de incomunicabilidade, caso em que apenas os frutos desses bens se comunicam.
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Ao ex-empregado aposentado deve ser garantido o mesmo modelo de custeio e valor de contribuição aplicados aos beneficiários ativos de plano de saúde coletivo, devendo os inativos pagarem integralmente as contribuições.
O art. 31 da Lei n. 9.656/1998 impõe que ativos e inativos sejam inseridos em plano de saúde coletivo único, contendo as mesmas condições de cobertura assistencial e de prestação de serviço, o que inclui, para todo o universo de beneficiários, a igualdade de modelo de pagamento e de valor de contribuição, admitindo-se a diferenciação por faixa etária se for contratada para todos, cabendo ao inativo o custeio integral, cujo valor pode ser obtido com a soma de sua cota-parte com a parcela que, quanto aos ativos, é proporcionalmente suportada pelo empregador. STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 1.269.142-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 2/9/2024 (Info 829). O art. 31 da Lei n. 9.656/1998 impõe que ativos e inativos sejam inseridos em plano de saúde coletivo único, contendo as mesmas condições de cobertura assistencial e de prestação de serviço, o que inclui, para todo o universo de beneficiários, a igualdade de modelo de pagamento e de valor de contribuição, admitindo-se a diferenciação por faixa etária se for contratada para todos, cabendo ao inativo o custeio integral, cujo valor pode ser obtido com a soma de sua cota-parte com a parcela que, quanto aos ativos, é proporcionalmente suportada pelo empregador. STJ. 2ª Seção. REsp 1.818.487/SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 9/12/2020 (Recurso Repetitivo – Tema 1034).
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Reconhecida a impenhorabilidade do bem de família nos embargos à execução opostos pelo devedor, são devidos honorários advocatícios pelo credor embargado que se opõe a pedido de exclusão da penhora deste bem.
O executado pode alegar a impenhorabilidade do bem de família por meio de simples petição no processo, sem a necessidade de apresentar embargos à execução. Vamos imaginar, contudo, que o devedor apresentou embargos à execução. Neste caso, surgem dois cenários possíveis: 1) o exequente concorda com o pedido e o bem penhorado é liberado: neste caso, o exequente não pagará honorários advocatícios; 2) o exequente não aceita o pedido: se o juiz entender que realmente o imóvel é bem de família, além de o bem ser liberado, o exequente será condenado a pagar custas e honorários advocatícios. STJ. 4ª Turma. AgInt nos EDcl no AREsp 2.160.071-RJ, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 2/9/2024 (Info 829).
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Motorista da van escolar possui autoridade sobre a criança ou adolescente, vítima de estupro de vulnerável, incidindo a causa de aumento de pena do art. 226, II, do CP.
O motorista de van escolar, ao cometer o crime de estupro de vulnerável contra criança ou adolescente sob sua vigilância, está sujeito à causa de aumento de pena prevista no art. 226, II, do Código Penal, devido à sua posição de autoridade e garantidor da segurança e incolumidade moral das vítimas. O art. 226, II, do CP prevê um aumento de pena para crimes contra a dignidade sexual quando o autor do delito possui alguma forma de autoridade sobre a vítima, como parentesco, tutela, ou qualquer outra relação de poder. A expressão “ou por qualquer outro título tiver autoridade sobre ela” amplia a aplicação da norma para incluir não apenas os laços familiares, mas qualquer situação onde o autor tenha poder sobre a vítima, como em relações profissionais ou espirituais. Assim, a autoridade pode ser exercida por um professor, médico, líder religioso ou até um chefe de família. STJ. 5ª Turma. AREsp 2.593.050-RS, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 8/10/2024 (Info 829).
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A decisão judicial que determina o arquivamento de inquérito faz coisa julgada material.
O requerimento ministerial de arquivamento de inquérito ou procedimento investigatório criminal fundamentado na extinção da punibilidade ou atipicidade da conduta exige do Judiciário uma análise meritória do caso, com aptidão para formação da coisa julgada material com seu inerente efeito preclusivo, não se aplicando as disposições do art. 18 do Código de Processo Penal. De acordo com o art. 18 do CPP: Depois de ordenado o arquivamento do inquérito pela autoridade judiciária, por falta de base para a denúncia, a autoridade policial poderá proceder a novas pesquisas, se de outras provas tiver notícia. A possibilidade de novas pesquisas (desarquivamento) tem duas exceções: * prescrição da pretensão punitiva; * atipicidade da conduta. Quando o pedido de arquivamento do inquérito pelo Ministério Público é fundamentado na extinção da punibilidade ou na atipicidade da conduta, cabe ao Judiciário fazer uma análise de mérito do caso. Essa análise resulta em uma decisão com força de coisa julgada material, o que gera um efeito preclusivo e impede a reabertura do caso. STJ. Corte Especial. Inq 1.721-DF, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 2/10/2024 (Info 829).
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A continuidade delitiva impede a celebração de acordo de não persecução penal.
A continuidade delitiva não está prevista como impedimento para o ANPP no art. 28-A, §2º, II, do CPP, que menciona apenas condutas habituais, reiteradas ou profissionais. Art. 28-A, § 2º, do CPP: O disposto no caput deste artigo não se aplica nas seguintes hipóteses: (...) II - se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas. A inclusão da continuidade delitiva como óbice ao ANPP extrapola os limites da norma, violando o princípio da legalidade. STJ. 5ª Turma. AREsp 2.406.856-SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 8/10/2024 (Info 829). O crime continuado é diferente do crime habitual. No crime continuado, é necessário um requisito de ordem subjetiva, que é a unidade de desígnios entre todas as infrações praticadas, de forma que uma possa ser considerada continuação da outra. Além disso, é preciso que as infrações tenham semelhanças em termos de tempo, lugar e modo de execução. Se essas características faltam, e o agente utiliza o crime como meio de vida, não há que se falar em crime continuado. A figura do crime continuado foi concebida para evitar a exacerbação das penas em razão de infrações similares que resultam de um plano comum. A habitualidade criminosa caracteriza-se pela repetição de crimes com autonomia entre si, refletindo a personalidade e gravidade da conduta do agente, e não pode ser confundida com crime continuado. A habitualidade criminosa denota a reincidência de crimes já consumados, cujas características de autonomia não permitem sua subsunção ao conceito de crime continuado, devendo ser analisada à luz da personalidade do agente e da gravidade do comportamento reiterado.
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O ANPP pode ser aplicado para crimes ocorridos antes da Lei n. 13.964/2019, mesmo nos processos em que já proferida sentença condenatória, desde que ainda não tenha havido o trânsito em julgado.
De acordo com o entendimento fixado pelo STF (HC 185.913/DF) “é cabível a celebração de Acordo de Não Persecução Penal em casos de processos em andamento quando da entrada em vigência da Lei n. 13.964, de 2019, mesmo se ausente confissão do réu até aquele momento, desde que o pedido tenha sido feito antes do trânsito em julgado”. STJ. 6ª Turma. HC 845.533-SC, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 8/10/2024 (Info 829).
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É permitido ao apenado sacar parte do pecúlio para despesas pessoais essenciais, como itens de higiene, desde que não haja outros descontos pendentes e o presídio não forneça regularmente esses produtos.
Caso adaptado: João, detento do regime fechado, trabalhava na marcenaria e recebia uma remuneração mensal, parte da qual era destinada a um pecúlio para ser retirada após sua libertação, conforme determina o art. 29 da LEP. Enfrentando dificuldades para manter sua higiene pessoal devido à falta de fornecimento regular de itens básicos no presídio, João requereu autorização judicial para sacar parte do pecúlio com o intuito de adquirir esses produtos. O STJ concordou com o pedido. É possível a liberação antecipada do pecúlio no montante adequado à aquisição de produtos de higiene pessoal pelo apenado, desde que inexistam outros descontos pendentes, observada a ordem de preferência prevista no § 1º do art. 29 da LEP, e o produto solicitado não seja fornecido regularmente pelo estabelecimento prisional. Art. 29 da LEP: O trabalho do preso será remunerado, mediante prévia tabela, não podendo ser inferior a 3/4 (três quartos) do salário mínimo. § 1º - O produto da remuneração pelo trabalho deverá atender: a) à indenização dos danos causados pelo crime, desde que determinados judicialmente e não reparados por outros meios; b) à assistência à família; c) a pequenas despesas pessoais; d) ao ressarcimento ao Estado das despesas realizadas com a manutenção do condenado, em proporção a ser fixada e sem prejuízo da destinação prevista nas letras anteriores. § 2º - Ressalvadas outras aplicações legais, será depositada a parte restante para constituição do pecúlio, em Caderneta de Poupança, que será entregue ao condenado quando posto em liberdade. STJ. 6ª Turma. REsp 2.168.896-RS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 8/10/2024 (Info 829).
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Em caso de interrupção programada dos serviços, cabe ao fornecedor de serviços essenciais a obrigação de avisar previamente os consumidores pela forma definida pelo respectivo órgão regulador.
A interrupção do fornecimento de energia, por razões de ordem técnica ou segurança, deve ser previamente avisada à unidade consumidora, nos termos do art. 6º, § 3º, I, da Lei n. 8.987/1995. O dispositivo deve ser interpretado no sentido de que a prévia notificação precisa observar a forma eventualmente estabelecida pelo órgão regulador. Atualmente, a Resolução Normativa nº 1.000/2021 da ANEEL regula o tema, exigindo que a notificação seja feita por escrito ou de maneira destacada na fatura. Logo, pela atual regulamentação normativa, não é possível que o prévio aviso seja feito unicamente pelo anúncio em rádios locais. STJ. 1ª Turma. REsp 1.812.140-RS, Rel. Min. Paulo Sérgio Domingues, julgado em 10/9/2024 (Info 826).
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A dispensa indevida de licitação que acarreta pagamento ao agente ímprobo e a ausência de prestação de serviço gera dano concreto e enseja a responsabilização nos termos do art. 11, V, da Lei n. 8.429/1992.
Neste processo, o STJ trouxe uma série de relevantes conclusões: * A absolvição criminal por atipicidade não impede a ação de improbidade nem faz coisa julgada na esfera cível. * A Lei n. 14.230/2021 inseriu o § 4º no art. 21 da Lei n. 8.429/1992 prevendo que a absolvição do réu em processo criminal por qualquer fundamento do art. 386 do CPP impedirá o trâmite da ação de improbidade. Ocorre que esse dispositivo teve a eficácia suspensa por decisão monocrática do Ministro Alexandre de Moraes, que deferiu, em 27/12/2022, a medida cautelar na ADI 7236 (DJe 10/01/2023). * A conduta de frustrar licitação continua sendo tipificada como ato de improbidade após a Lei n. 14.230/2021, tanto no art. 10, VIII como no art. 11, V da LIA. Se essa conduta havia sido punida com base no caput do art. 11, é possível aplicar a continuidade típico-normativa para enquadrar a conduta nos novos dispositivos, mantendo-se a condenação. * A conduta de frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente configura ato de improbidade que causa dano presumido ao erário (in re ipsa)? Antes da Lei n. 14.230/2021 havia controvérsia sobre o assunto. A Lei n. 14.230/2021, contudo, conferiu nova redação ao art. 10, VIII, da Lei n. 8.429/1992 dispondo que, para fins de configuração de improbidade administrativa, o ato deverá acarretar “perda patrimonial efetiva”. * A Lei n. 14.230/2021 excluiu a sanção de suspensão dos direitos políticos para os atos do art. 11 da LIA. Essa exclusão deve ser aplicar retroativamente para os processos em que ainda não houve trânsito em julgado. STJ. 2ª Turma. AREsp 1.417.207-MG, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 17/9/2024 (Info 826). Antes da Lei n. 14.230/2021: os atos de improbidade administrativa previstos no art. 11 caracterizavam-se como um rol exemplificativo. Isso significa que, mesmo se a situação não se enquadrasse perfeitamente em um dos incisos do art. 11, ainda assim poderia ser ato de improbidade com base no caput do art. 11 desde que violasse qualquer princípio administrativo. Depois da Lei n. 14.230/2021: os atos de improbidade administrativa previstos no art. 11 caracterizavam-se como um rol taxativo. Somente será considerado ato de improbidade com base no art. 11 se a situação se amoldar em uma das hipóteses dos incisos desse artigo. Não é mais possível dizer que houve ato de improbidade administrativa com base no caput do art. 11. O juiz não ficava restrito à “tipificação” realizada na inicial, podendo enquadrar a conduta do agente ímprobo nos arts. 9º, 10 ou 11 (como se fosse uma emendatio libelli, do processo penal). Isso porque, antes da Lei nº 14.230/2021, a jurisprudência do STJ estava sedimentada no sentido que, na ação de improbidade, o réu defende-se dos fatos imputados, e não da capitulação legal da conduta. Ocorre que, com a Lei n. 14.230/2021, essa prática não é mais permitida, não podendo o juiz alterar a capitulação inicial: Art. 17: § 10-C. Após a réplica do Ministério Público, o juiz proferirá decisão na qual indicará com precisão a tipificação do ato de improbidade administrativa imputável ao réu, sendo-lhe vedado modificar o fato principal e a capitulação legal apresentada pelo autor. § 10-D. Para cada ato de improbidade administrativa, deverá necessariamente ser indicado apenas um tipo dentre aqueles previstos nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei. § 10-F. Será nula a decisão de mérito total ou parcial da ação de improbidade administrativa que: I - condenar o requerido por tipo diverso daquele definido na petição inicial; A jurisprudência do STJ é no sentido de que o art. 17, § 10-C da Lei n. 14.230/2021 não pode ser aplicado aos processos já sentenciados: O art. 17, § 10-C, da Lei n. 8.429/1992 (com redação dada pela Lei n. 14.230/2021), que veda ao magistrado sentenciante modificar o fato principal e a capitulação legal apresentada pelo autor da ação civil pública por ato de improbidade administrativa, possui natureza eminentemente processual, motivo pelo qual as sentenças já proferidas quando do advento da Lei n. 14.230/2021 devem se submeter à teoria do isolamento dos atos processuais, segundo a qual cada ato se submete à lei vigente ao tempo de sua prática, respeitando-se aqueles já consumados nos termos da legislação anterior. STJ. 1ª Turma. AgInt no AREsp 2.301.778/DF, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 4/12/2023.
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As provas produzidas no inquérito civil público têm valor probatório relativo, podendo ser afastadas; mas só devem ser afastadas quando há contraprova produzida sob a vigilância do contraditório.
O juízo de primeiro grau condenou o réu utilizando, como fundamentação, as provas colhidas no inquérito civil. A defesa recorreu, mas a sentença foi mantida pelo Tribunal de Justiça. O recorrente alegou violação à regra do ônus da prova, considerando que sua condenação ocorreu, exclusivamente, com base no inquérito civil, composto de documentos colhidos de modo informal e unilateral pelo Ministério Público, sem observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa. No caso concreto, o recorrente não produziu qualquer prova que desconstituísse as conclusões aferidas em sede de inquérito cível e corroboradas em juízo. Assim, não havendo contraprova que afaste a presunção relativa das provas produzidas no inquérito civil, elas devem ser preservadas. Em suma: as provas colhidas em inquérito civil têm valor probatório relativo, podendo o magistrado valer-se de suas informações para formar ou reforçar sua convicção, desde que não colidam com provas de hierarquia superior, como aquelas colhidas sob as garantias do contraditório. STJ. 2ª Turma. AREsp 1.417.207-MG, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 17/9/2024 (Info 826). O que é um inquérito civil? O inquérito civil é um procedimento administrativo, investigativo, de natureza inquisitorial, instaurado pelo membro do Ministério Público com a finalidade de apurar fatos que podem ser objeto de uma ação civil pública. Características: * procedimento administrativo; * investigativo; * inquisitorial (para a maioria, não existe contraditório e ampla defesa); * unilateral; * não obrigatório (facultativo); * público; e * exclusivo do Ministério Público (só ele pode instaurar). Regulamentação * Art. 129, III, da CF/88; * Art. 8º da Lei n. 7.347/85 (Lei de Ação Civil Pública); * Art. 6º da Lei n. 7.853/89 (pessoas com deficiência); * Art. 201, V, da Lei n. 8.069/90 (ECA); * Art. 6º, VII, da LC n. 75/93 (Lei do MPU); * Art. 25, IV, da Lei n. 8.625/93 (Lei orgânica do MP); * Art. 74, I, da Lei n. 10.741/2003 (Estatuto do Idoso); * Resolução n. 23/2007-CNMP.
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Somente após o advento da Lei n. 13.129/2015, a instauração de procedimento arbitral constitui causa de interrupção do prazo prescricional.
A Lei n. 13.129/2015 inseriu o § 2º no art. 19 da Lei n. 9.307/96 (Lei de Arbitragem) prevendo o seguinte: Art. 19 (...) § 2º A instituição da arbitragem interrompe a prescrição, retroagindo à data do requerimento de sua instauração, ainda que extinta a arbitragem por ausência de jurisdição. Vale ressaltar, contudo, que o STJ decidiu que, mesmo antes do advento da Lei n. 13.129/2015, a instauração de procedimento arbitral já produzia a interrupção do prazo prescricional. A sentença arbitral tem os mesmos efeitos de uma sentença judicial. Logo, a instauração do procedimento arbitral também deve ser vista como causa de interrupção do prazo prescricional, assim como ocorre com a instauração de um processo judicial. Ao iniciar a arbitragem, a parte demonstra sua intenção de tutelar seus direitos, mesmo sem a intervenção do Judiciário, o que afasta a presunção de inércia. Como a parte não está inerte, não se pode falar em perda da pretensão (prescrição). Essa interpretação já era defendida pela doutrina, e a Lei nº 13.129/2015 apenas consolidou esse entendimento. STJ. 3ª Turma. REsp 1.981.715-GO, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 17/9/2024 (Info 826).
60
No instituto da substituição vulgar, no caso de falecimento do legatário ou herdeiro, após a aceitação do legado ou da herança, o substituto não terá direito ao legado ou herança, que caberá aos sucessores do legatário ou herdeiro.
Caso hipotético: Regina, em seu testamento, deixa um legado de R$ 500 mil para Ana, a sua melhor amiga. Havia uma cláusula no testamento dizendo que, na falta de Ana, o legado deveria ir para a sua filha (Beatriz). Regina morre. Ana, que estava viva na época, participa da abertura do inventário junto com os outros legatários. O processo de inventário se arrasta por anos devido a complicações legais. Antes da conclusão do inventário, Ana falece. Sua filha Beatriz, mencionada no testamento original, entra com um pedido no processo de inventário requerendo que o legado de R$ 500 mil seja transferido para ela, conforme a cláusula do testamento de Regina. Ocorre que os herdeiros de Ana (irmãos de Beatriz) impugnam o pedido formulado, argumentando que o legado já havia sido aceito por Ana quando ela participou da abertura do inventário e que, portanto, o dinheiro deveria ser transmitido aos herdeiros de Ana, não especificamente para Beatriz. O STJ concordou com os argumentos dos herdeiros de Ana e, portanto, negou o pedido de Beatriz. A substituição prevista no testamento era uma substituição vulgar, que só se aplicaria se Ana tivesse falecido antes de Regina ou se recusasse o legado. Como Ana sobreviveu à Regina e aceitou o legado ao participar do inventário, a substituição caducou. O legado foi transferido para o patrimônio de Ana no momento da morte de Regina, de acordo com o princípio da saisine. Portanto, após a morte de Ana, o legado deve ser transmitido aos seus herdeiros legais, não especificamente para Beatriz conforme previsto na cláusula de substituição do testamento original. STJ. 4ª Turma. REsp 2.018.054-RS, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 17/9/2024 (Info 826). A substituição vulgar, ou ordinária, ocorre quando o testador nomeia um herdeiro ou legatário e prevê, no mesmo ato, um substituto para o caso de premoriência ou, estando vivo, não quiser ou não puder receber o que lhe foi deixado, em conformidade com o art. 1.947 do CC/2002 (correspondente ao art. 1.729 do CC/1916): Art. 1.947. O testador pode substituir outra pessoa ao herdeiro ou ao legatário nomeado, para o caso de um ou outro não querer ou não poder aceitar a herança ou o legado, presumindo-se que a substituição foi determinada para as duas alternativas, ainda que o testador só a uma se refira. Tem-se a efetivação da substituição vulgar do legatário, portanto, nas hipóteses em que: a) o legatário não quiser receber o legado, renunciando ao direito; b) o legatário não puder receber o legado por algum impedimento legal; e c) o legatário tiver falecido antes do testador. A substituição vulgar caduca se: 1) o substituto vier a falecer antes do testador; 2) o substituto vier a falecer antes do herdeiro ou legatário instituído; ou ainda 3) na hipótese em que o herdeiro ou legatário instituído aceitar a herança ou o legado. Diferença entre substituição vulgar, substituição compendiosa e fideicomisso Enquanto a substituição vulgar ocorre de forma condicional, apenas se o beneficiário nomeado não puder ou não quiser aceitar o legado, o fideicomisso envolve uma sucessão em cadeia, em que o primeiro beneficiário (fiduciário) deve transmitir os bens a um segundo beneficiário (fideicomissário) em momento posterior, após cumprir determinada condição. Na substituição vulgar ocorre uma única transmissão da herança ou legado, beneficiando-se ou o primeiro herdeiro ou legatário nomeado, ou seus substitutos. Já o instituto do fideicomisso implica uma dupla transmissão da herança ou legado, primeiro ao fiduciário e, depois, ao fideicomissário. Por fim, tem-se substituição compendiosa quando, juntamente da instituição da figura do fideicomisso, ocorre a substituição vulgar tanto do fiduciário quanto do fideicomissário, impedindo que, com a morte de um dos dois originalmente instituídos, caduque o fideicomisso.
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O plano de saúde não é obrigado a cobrir, de forma ilimitada, as terapias prescritas ao paciente com Síndrome de Down.
A Resolução Normativa 539/2022, da ANS, ampliou as regras de cobertura para tratamentos de transtornos globais de desenvolvimento. Por meio dessa RN, ficou estabelecida a “cobertura obrigatória em número ilimitado de sessões para pacientes com transtornos globais do desenvolvimento (CID F84)”. Nesses casos, a operadora deverá oferecer o atendimento indicado pelo médico assistente, sem limitação de sessões. Segundo a diretriz da ANS, o fato de a síndrome de Down não estar enquadrada na CID F84 (transtornos globais do desenvolvimento) não afasta a obrigação de a operadora cobrir o tratamento multidisciplinar e ilimitado prescrito ao beneficiário com essa condição que apresente quaisquer dos transtornos globais do desenvolvimento. STJ. 3ª Turma. AgInt no AREsp 2.511.984-MS, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 26/8/2024 (Info 826). Jurisprudência em Teses (Ed. 213): 12) O fato de a Paralisia Cerebral e a Síndrome de Down não estarem enquadradas na CID-10 F84 (transtornos globais do desenvolvimento) não afasta a obrigação de as operadoras de planos de saúde fornecerem cobertura de terapia multidisciplinar, sem limite de sessões, prescrita a beneficiário.
62
Os encargos condominiais, mesmo que anteriores à recuperação, são créditos extraconcursais que não se sujeitam à habilitação, mas se submetem à suspensão determinada pela Lei de Falências.
Caso hipotético: em 2009, o condomínio ajuizou ação de cobrança contra João por dívidas condominiais não pagas relativos a um apartamento (processo na 1ª Vara Cível). Paralelamente, João era sócio da empresa Alfa Ltda., que entrou em processo de falência (processo na 2ª Vara falimentar). Em 2014, o juízo falimentar decretou a desconsideração da personalidade jurídica da Alfa, tornando os bens pessoais de João, incluindo seu apartamento, parte da massa falida. O processo de cobrança das dívidas condominiais continuou tramitando normalmente e o Juiz da 1ª Vara Cível determinou a penhora do apartamento de João para pagamento das dívidas condominiais e designou leilão para venda do bem. O Juiz da 1ª Vara Cível poderia ter feito isso. Os encargos condominiais, mesmo que anteriores à recuperação, são créditos extraconcursais que não se sujeitam à habilitação, nem à suspensão determinada pela Lei de Falências, competindo ao juízo da ação de cobrança a competência para processar os atos de alienação de bem imóvel para satisfazer dívida condominial. STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 1.897.164-RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 26/8/2024 (Info 826). Art. 6º da LFR: A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial implica: II - suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor, inclusive daquelas dos credores particulares do sócio solidário, relativas a créditos ou obrigações sujeitos à recuperação judicial ou à falência; O art. 76 da LFR: O juízo da falência é indivisível e competente para conhecer todas as ações sobre bens, interesses e negócios do falido, ressalvadas as causas trabalhistas, fiscais e aquelas não reguladas nesta Lei em que o falido figurar como autor ou litisconsorte ativo. O crédito condominial cobrado não decorre de dívida de imóvel de propriedade da empresa falida e sim de propriedade de um de seus sócios. O bem apenas foi arrecadado pela massa falida após o deferimento de pedido de desconsideração da personalidade jurídica, por meio de decisão proferida em 11/3/2014, sendo que a ação de cobrança da dívida condominial foi ajuizada em 2009. Os encargos condominiais, mesmo que anteriores à recuperação judicial, enquadram-se no conceito de despesas necessárias à administração do ativo, tratando-se de crédito extraconcursal que não se sujeita à habilitação, tampouco à suspensão determinada pela Lei de Falências. Isso porque os valores devidos ao condomínio são necessários para manter a utilidade do bem. Não importa se a dívida é anterior à decretação da falência ou ao pedido de recuperação.
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Não é exigida a publicação do ato decisório na imprensa oficial para que se inicie o prazo processual contra o revel que não tenha advogado constituído nos autos, sendo suficiente a publicação em cartório.
No CPC/1973, os prazos contra o réu revel sem advogado fluíam a partir da juntada do ato decisório aos autos, ou seja, bastava a publicação da decisão no cartório. O réu revel não era intimado de forma direta, e o simples ato de juntar a decisão ao processo iniciava a contagem do prazo. Com o CPC/2015, houve uma mudança significativa. Agora, os prazos contra o réu revel sem advogado só começam a contar a partir da publicação da decisão no órgão oficial, conforme prevê o art. 346. Desse modo, a simples inserção da sentença no sistema eletrônico do tribunal (neste caso, o PROJUDI) não é suficiente para que o prazo processual contra o réu revel comece a contar. Art. 346 do CPC: Os prazos contra o revel que não tenha patrono nos autos fluirão da data de publicação do ato decisório no órgão oficial. Parágrafo único. O revel poderá intervir no processo em qualquer fase, recebendo-o no estado em que se encontrar. STJ. 1ª Turma. REsp 2.106.717-PR, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 17/9/2024 (Info 826).
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É possível a conversão da obrigação de fazer em perdas e danos, independentemente do pedido do titular do direito subjetivo, em qualquer fase processual, quando verificada a impossibilidade de cumprimento da tutela específica.
Caso hipotético: João ingressou com ação contra o poder público pedindo a realização de um procedimento cardíaco. A tutela provisória foi deferida, no entanto, a administração pública estava demorando para cumprir. Diante da demora e, com receio de sofrer um ataque cardíaco, João decidiu realizá-lo às suas próprias expensas. Logo em seguida, ele peticionou nos autos informando que, por necessidade de saúde, o tratamento já havia sido realizado na rede particular. Requereu, então, que o pedido cominatório (obrigação de fazer) fosse convertido em perdas e danos, já que o cumprimento da tutela específica pelo réu (realização do tratamento) teria se tornado impossível. O STJ concordou com o autor. É possível a conversão da obrigação de fazer em perdas e danos, independentemente do pedido do titular do direito subjetivo, inclusive em fase de cumprimento de sentença, quando verificada a impossibilidade de cumprimento da tutela específica. Art. 499 do CPC: A obrigação somente será convertida em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente. STJ. 1ª Turma. REsp 2.121.365-MG, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 3/9/2024 (Info 826).
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Não configurada coautoria ou participação nos crimes contra honra, mas delitos autônomos em contextos distintos, a ausência de oferecimento de queixa-crime contra todos os que proferiram ofensas contra a vítima não afronta o princípio da indivisibilidade da ação penal privada.
Caso adaptado: Jonathan é um influenciador digital com milhões de seguidores nas redes sociais. Em outubro de 2020, Jonathan realizou uma live em seu perfil do Instagram onde fez diversas declarações ofensivas contra Carla, uma figura pública. Jonathan acusou Carla de corrupção, chamou-a de “ladra” e fez insinuações sobre sua vida pessoal. Durante a live, Jonathan mencionou que havia recebido mensagens privadas de alguns seguidores com informações e opiniões negativas sobre Carla, mas não revelou a identidade desses seguidores. Jonathan incorporou essas informações em seus próprios comentários durante a transmissão ao vivo. Carla ingressou com queixa-crime imputando-lhe os crimes de injúria e de difamação. A defesa do querelado impetrou habeas corpus alegando que Carla deveria ter incluído na queixa-crime os seguidores que enviaram as mensagens privadas a Jonathan, argumentando que a não inclusão desses indivíduos violava o princípio da indivisibilidade da ação penal privada. A omissão de Carla em processar os outros indivíduos configuraria renúncia ao direito de queixa contra João, acarretando a extinção da punibilidade (art. 107, V, do CP). O STJ não concordou com os argumentos da defesa. No caso em questão, as ofensas feitas pelo querelado durante uma live não configuram coautoria com terceiros que, em momentos distintos, tenham manifestado opiniões semelhantes. Assim, não se pode falar em renúncia tácita por parte da querelante quanto ao direito de queixa contra outras pessoas que não foram identificadas ou estão identificadas de forma precária. STJ. 5ª Turma. AgRg no RHC 188.454-RJ, Rel. Min. Messod Azulay Neto, Rel. para acórdão Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 27/8/2024 (Info 826). O princípio da indivisibilidade significa que a ação penal deve ser proposta contra todos os autores e partícipes do delito. Art. 48 do CPP: A queixa contra qualquer dos autores do crime obrigará ao processo de todos, e o Ministério Público velará pela sua indivisibilidade. Ação penal privada: princípio da INdivisibilidade. Ação penal pública: princípio da DIvisibilidade (STF e STJ). 1) Se a omissão foi VOLUNTÁRIA (DELIBERADA): Se ficar demonstrado que o querente (aquele que propõe ação penal privada) deixou, de forma deliberada, de oferecer a queixa contra um ou mais autores ou partícipes, neste caso, deve-se entender que houve de sua parte uma renúncia tácita. 2) Se a omissão foi INVOLUNTÁRIA: Se ficar demonstrado que a omissão de algum nome foi involuntária (ex: o crime foi praticado por João e Pedro, mas o querelante não sabia da participação deste último), então, neste caso, o Ministério Público deverá requerer a intimação do querelante para que ele faça o aditamento da queixa-crime e inclua os demais coautores ou partícipes que ficaram de fora. * Se o querelante fizer o aditamento: o processo continuará normalmente. * Se o querelante se recusar expressamente ou permanecer inerte: o juiz deverá entender que houve renúncia (art. 49 do CPP). Assim, deverá extinguir a punibilidade em relação a todos os envolvidos.
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São lícitas as provas oriundas de diligência policial, sem mandado de busca e apreensão, realizada no interior de imóvel desabitado, caracterizado como bunker, e destinado ao armazenamento de drogas e armas.
Caso adaptado: a Polícia Militar recebeu uma denúncia anônima sobre um imóvel em área rural suspeito de ser usado para armazenar drogas e armas por uma organização criminosa. O local, semelhante a um “bunker”, foi monitorado e, sem mandado judicial, a polícia entrou no imóvel, que estava desabitado e em reforma. Durante a inspeção, encontraram um depósito subterrâneo com mais de 450 kg de cocaína, 8 kg de maconha e várias armas de fogo. Os responsáveis pelo imóvel foram presos e condenados por tráfico e posse ilegal de armas. A defesa de um dos condenados impetrou habeas corpus, alegando que as provas deveriam ser anuladas devido à ofensa à garantia constitucional de inviolabilidade do domicílio. O STJ não concordou com os argumentos da defesa. Ficou constatado que o imóvel não era uma residência. Ao contrário, tratava-se de um “bunker”, ou seja, uma estrutura fortificada e subterrânea, construída para fins exclusivos de armazenamento e refino de drogas ilícitas, bem como para guarda de armas de grosso calibre. Não há, nos autos, elementos suficientes para caracterizar o imóvel em questão como um domicílio. Assim, não é necessário analisar a existência de razões fundadas que justifiquem o ingresso policial, já que o referido sítio não está protegido pela Constituição. STJ. 6ª Turma. HC 860.929-SP, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 27/8/2024 (Info 826).
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STJ acompanha o STF e decide que é devida a imediata execução da condenação imposta pelo Tribunal do Júri, independentemente do total da pena aplicada.
O STF, no Tema 1.068, decidiu que: A soberania dos veredictos do Tribunal do Júri autoriza a imediata execução de condenação imposta pelo corpo de jurados, independentemente do total da pena aplicada. STF. Plenário. RE 1.235.340/SC, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, julgado em 12/09/2024 (Repercussão Geral – Tema 1068) (Info 1150). O STJ acompanhou o Supremo e passou a decidir que: Não configura flagrante constrangimento ilegal a imediata execução da condenação imposta pelo corpo de jurados, independentemente do total da pena aplicada, nos termos da tese fixada pelo STF no julgamento do RE n. 1.235.340/SC (Tema 1.068), em sede de Repercussão Geral. STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 788.126-SC, Rel. Min. Jesuíno Rissato (Desembargador convocado do TJDFT), Rel. para acórdão Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 17/9/2024 (Info 826). Obs: EM REGRA, NÃO cabe execução provisória da pena, exceto no Júri. É proibida a chamada “execução provisória da pena”. Se não houve ainda trânsito em julgado, não se pode determinar que o réu inicie o cumprimento provisório da pena. Não importa que os recursos pendentes possuam efeito meramente devolutivo (sem efeito suspensivo). Não existe cumprimento provisório da pena no Brasil porque ninguém pode ser considerado culpado antes do trânsito em julgado (art. 5º, LVII, da CF/88). O art. 283 do CPP, que exige o trânsito em julgado da condenação para que se inicie o cumprimento da pena, é constitucional, sendo compatível com o princípio da presunção de inocência, previsto no art. 5º, LVII, da CF/88. STF. Plenário. ADC 43/DF, ADC 44/DF e ADC 54/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgados em 7/11/2019 (Info 958).
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O termo inicial do prazo decadencial para que o Fisco proceda a novo lançamento tributário, uma vez constatado equívoco formal no primeiro lançamento, é a data em que se tornar definitiva a decisão que anulou o primeiro lançamento.
Quando há um erro formal no lançamento do tributo (ex: o Fisco lançou o tributo devido como sendo IPTU, mas na verdade era ISS), o Município poderá realizar um novo lançamento. O prazo decadencial para esse novo lançamento começa a contar a partir do momento em que se torna definitiva a decisão que anulou o primeiro lançamento incorreto. Em outras palavras, constatado equívoco formal no primeiro lançamento realizado, o termo inicial do prazo decadencial para que o fisco proceda a novo lançamento tributário inicia-se na data em que se tornar definitiva a decisão que anulou o primeiro lançamento, nos exatos termos do art. 173, inciso II, do CTN: Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados: (...) II - da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado. STJ. 2ª Turma. AgInt nos EDcl no AREsp 1.737.998-SP, Rel. Min. Teodoro Silva Santos, julgado em 26/8/2024 (Info 826).
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Terrenos marginais a rios navegáveis são bens públicos da União, com possibilidade de indenização apenas em casos de enfiteuse ou concessão administrativa.
A natureza jurídica dos terrenos marginais a rios navegáveis é de bem público da União, conforme previsão expressa do art. 20, III, da Constituição Federal, sendo insuscetíveis de apropriação privada. A jurisprudência evoluiu para conferir uma interpretação mais restritiva do art. 11 do Código de Águas, admitindo-se a possibilidade de indenização apenas quando demonstrada a existência de enfiteuse ou concessão administrativa de caráter pessoal, não se configurando domínio privado sobre a área. * mesmo com registro no nome de particular, o terreno continua sendo bem público, se estiver na margem de rio navegável; * só há direito à indenização se o particular tiver uma enfiteuse ou concessão administrativa, o que não é o mesmo que ser dono do imóvel; * o objetivo dessa interpretação é proteger o domínio público dos bens da União e impedir que o registro privado retire um bem que pertence ao poder público. Em suma: a natureza jurídica dos terrenos que margeiam os rios navegáveis é de bem público da União, não sendo, por isso, suscetíveis de apropriação privada, salvo se demonstrada a existência de enfiteuse ou concessão administrativa de caráter pessoal, quando haverá a possibilidade de indenização. STJ. 1ª Turma. REsp 1.976.184-MG, Rel. Min. Paulo Sérgio Domingues, julgado em 1º/4/2025 (Info 846).
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As taxas de manutenção criadas por associações de moradores não podem ser exigidas de edifícios que não se associaram formalmente ou que não anuíram à cobrança, ainda que tenham feito contribuições voluntárias no passado.
Em se tratando de condomínio de fato estabelecido por edifícios de bairros residenciais abertos, que impõe o fechamento e/ou a restrição de acesso a vias públicas, a circunstância de terem sido feitas contribuições voluntárias por um dos edifícios da região, ao longo de vários anos, não configura adesão formal à associação de moradores, nem autoriza cobrança futura de mensalidades. STJ. 4ª Turma. AgInt no AgInt no AREsp 1.060.252-RJ, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 17/2/2025 (Info 846). Um condomínio atípico, no contexto imobiliário, refere-se a uma situação em que um bairro residencial, originalmente com acesso livre, é transformado em um “condomínio de fato”. Isso ocorre quando os moradores de um bairro se organizam para implementar medidas de segurança, como a instalação de cancelas e a contratação de seguranças particulares, restringindo o acesso ao local. Essa transformação, no entanto, é feita sem a devida observância das leis de parcelamento do solo urbano, como a Lei n. 6.766/79, o Estatuto das Cidades (Lei n. 10.257/2001) e o plano diretor do município. A principal característica desses condomínios atípicos é que, embora as casas sejam propriedades privadas, as ruas permanecem como bens de uso comum do povo, ou seja, públicas. Isso levanta questões sobre a regularidade jurídica desse tipo de fechamento, já que, legalmente, esses loteamentos não existem, sendo por isso chamados de “condomínios de fato”. Antes da Lei n. 13.465/2017, não havia obrigatoriedade legal para que os moradores pagassem taxas de manutenção, a menos que houvesse um contrato ou adesão expressa a uma associação de moradores. Com a entrada em vigor da Lei n. 13.465/2017, tornou-se possível a cobrança de taxas de manutenção em loteamentos de acesso controlado, desde que o morador já possuísse o lote quando a lei entrou em vigor e tivesse aderido expressamente ao ato constitutivo da associação, ou, no caso de novos adquirentes, se o ato constitutivo da obrigação estivesse registrado no cartório de Registro de Imóveis. Os moradores que não quiserem se associar ou que não anuíram à constituição desse condomínio de fato não são obrigados a pagar. Em nosso ordenamento jurídico, somente existem duas fontes de obrigações: a LEI ou o CONTRATO. No caso concreto, não há lei que obrigue o pagamento dessa taxa; de igual forma, se o morador não quis participar da associação de moradores nem anuiu à formação desse condomínio de fato, ele não poderá ser compelido a pagar. As taxas de manutenção criadas por associações de moradores não obrigam os não associados. STJ. 2ª Seção. REsp 1.280.871-SP e REsp 1.439.163-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. para acórdão Min. Marco Buzzi, julgados em 11/3/2015 (Recurso Repetitivo – Tema 882) (Info 562) É inconstitucional a cobrança por parte de associação de taxa de manutenção e conservação de loteamento imobiliário urbano de proprietário não associado até o advento da Lei n. 13.465/2017, ou de anterior lei municipal que discipline a questão, a partir da qual se torna possível a cotização dos proprietários de imóveis, titulares de direitos ou moradores em loteamentos de acesso controlado, que: i) já possuindo lote, adiram ao ato constitutivo das entidades equiparadas a administradoras de imóveis; ou ii) sendo novos adquirentes de lotes, o ato constitutivo da obrigação esteja registrado no competente Registro de Imóveis. STF. Plenário. RE 695911, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 14/12/2020 (Repercussão Geral – Tema 492). O Tema 882 se aplica ao condomínio de fato: as taxas de manutenção criadas por associações de moradores não obrigam os não associados ou que a elas não anuíram expressamente.
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Aplica-se analogicamente o prazo de 30 dias do art. 18, § 1º, do CDC (prazo para sanar o vício) ao fornecimento de peças de reposição pelo fornecedor (assegurar a oferta enquanto não cessar a fabricação ou importação).
O § 1º do art. 18 do CDC prevê que: § 1º Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: I - a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso; II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; III - o abatimento proporcional do preço. O art. 32, por sua vez, estabelece: Art. 32. Os fabricantes e importadores deverão assegurar a oferta de componentes e peças de reposição enquanto não cessar a fabricação ou importação do produto. O prazo de 30 dias previsto no art. 18, § 1º, do CDC não pode ser aplicado por analogia à hipótese do art. 32 do mesmo diploma, pois as situações são distintas e específicas, não havendo lacuna legal que justifique tal interpretação. STJ. 4ª Turma. REsp 1.604.270-DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 1º/4/2025 (Info 846).
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Não é possível ao hospital denunciar a lide aos médicos responsáveis pelos atendimentos a paciente, aos quais é imputada a prática de erro médico.
Caso hipotético: Regina buscou atendimento no Hospital por diversas vezes com fortes dores no peito, sendo liberada repetidamente sem exames adequados. No quinto dia, foi atendida em outra unidade de saúde, onde foi diagnosticada com tromboembolismo pulmonar. Diante disso, ajuizou ação contra o hospital por negligência médica. O hospital, por sua vez, tentou transferir a responsabilidade aos médicos plantonistas, requerendo a denunciação da lide para incluí-los como litisconsortes passivos. O STJ não admitiu a denunciação da lide neste caso, considerando que se trata de uma relação de consumo e o art. 88 do CDC veda expressamente essa forma de intervenção. A jurisprudência do STJ estende essa vedação do art. 88 do CDC para todas as hipóteses de responsabilidade objetiva por acidente de consumo, como o erro médico, e reforça que o hospital responde objetivamente pelos danos decorrentes de sua atividade econômica, independentemente da culpa dos médicos. Admitir a denunciação da lide comprometeria a celeridade processual e traria complexidade desnecessária ao processo. O hospital pode propor ação regressiva autônoma contra os médicos caso comprove que agiram com culpa. STJ. 3ª Turma. REsp 2.160.516-CE, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Min. Humberto Martins, julgado em 1º/4/2025 (Info 846). Embora o art. 88 do CDC mencione especificamente a vedação à denunciação da lide nas hipóteses do art. 13 (responsabilidade do comerciante por fato do produto), a jurisprudência pacífica do STJ estende essa vedação a todas as hipóteses de responsabilidade por acidentes de consumo (arts. 12 e 14 do CDC), incluindo casos de erro médico. Nesse sentido: A jurisprudência desta Corte é firme em asseverar o não cabimento do instituto da denunciação da lide (art. 88 do CDC), que não se restringe às hipóteses de fato do produto ou serviço, aplicando-se, inclusive, aos casos de acidentes de consumo (arts. 12 e 14 do CDC). STJ. 3ª Turma. AgInt no AREsp n. 2.134.523/SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 3/4/2023. Art. 13, parágrafo único, do CDC: Parágrafo único. Aquele que efetivar o pagamento ao prejudicado poderá exercer o direito de regresso contra os demais responsáveis, segundo sua participação na causação do evento danoso. Art. 88 do CDC: Na hipótese do art. 13, parágrafo único deste código, a ação de regresso poderá ser ajuizada em processo autônomo, facultada a possibilidade de prosseguir-se nos mesmos autos, vedada a denunciação da lide.
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Na execução fiscal, a penhora de bens de empresa em recuperação não exige, previamente, demonstração de que não comprometerá o plano; a eventual substituição da garantia deve ser avaliada pelo juízo da recuperação caso envolva bem de capital essencial.
Incumbe ao Juízo da execução fiscal proceder à constrição judicial dos bens da executada, sem nenhum condicionamento ou mensuração sobre eventual impacto desta no soerguimento da empresa executada que se encontra em recuperação judicial, na medida em que tal atribuição não lhe compete. Em momento posterior (e enquanto não encerrada a recuperação judicial), cabe ao Juízo da recuperação judicial, na específica hipótese de a constrição judicial recair sobre "bem de capital" essencial à manutenção da atividade empresarial, determinar sua substituição por outra garantia do Juízo, sem prejuízo, naturalmente, de formular, em qualquer caso, proposta alternativa de satisfação do crédito, em procedimento de cooperação recíproca com Juízo da execução fiscal, o qual, por sua vez, deve observar, sempre, o princípio da menor onerosidade ao devedor. STJ. 2ª Turma. REsp 2.184.895-PE, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 1º/4/2025 (Info 846). A Lei n. 14.112/2020 impôs tripla limitação à competência do juízo da recuperação judicial para interferir em execuções fiscais: 1) Limitação material: só pode substituir penhoras sobre “bens de capital essenciais”, e não sobre quaisquer bens do devedor; 2) Limitação temporal: essa competência se estende apenas até o encerramento da recuperação judicial; 3) Limitação de alcance: o juízo recuperacional não pode simplesmente cancelar ou invalidar a penhora, mas apenas determinar sua substituição por outra garantia. Art. 6º da Lei n. 11.101/2005: A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial implica: I - suspensão do curso da prescrição das obrigações do devedor sujeitas ao regime desta Lei; II - suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor, inclusive daquelas dos credores particulares do sócio solidário, relativas a créditos ou obrigações sujeitos à recuperação judicial ou à falência; III - proibição de qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial ou à falência. § 7º-B. O disposto nos incisos I, II e III do caput deste artigo não se aplica às execuções fiscais, admitida, todavia, a competência do juízo da recuperação judicial para determinar a substituição dos atos de constrição que recaiam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial até o encerramento da recuperação judicial, a qual será implementada mediante a cooperação jurisdicional, na forma do art. 69 da Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), observado o disposto no art. 805 do referido Código.
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A remessa necessária tem devolutividade ampla, permitindo a análise de questões não suscitadas na apelação.
As condenações da Fazenda Pública poderão ser objeto de análise pelo Tribunal de origem ainda que não sejam suscitadas no recurso de apelação, pois a remessa necessária possui ampla devolutividade, o que impede a preclusão da matéria. Ainda que tenha sido editada antes do Código de Processo Civil de 2015, essa compreensão já era orientada pelo conteúdo da Súmula 325 do Superior Tribunal de Justiça, que dispõe: “a remessa oficial devolve ao Tribunal o reexame de todas as parcelas da condenação suportadas pela Fazenda Pública, inclusive dos honorários de advogado”. Ex: a Fazenda Pública foi condenada a pagar a verba 1 e 2. Ela interpôs apelação apenas quanto à verba 1. O Tribunal de Justiça poderá reexaminar também a verba 2 em remessa necessária. STJ. 1ª Turma. AgInt no REsp 1.935.370-TO, Rel. Min. Paulo Sérgio Domingues, julgado em 24/2/2025 (Info 846). Art. 496 do CPC: Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença: I - proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público; II - que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução fiscal. § 1º Nos casos previstos neste artigo, não interposta a apelação no prazo legal, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, e, se não o fizer, o presidente do respectivo tribunal avocá-los-á. § 2º Em qualquer dos casos referidos no § 1º, o tribunal julgará a remessa necessária.
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O terceiro interessado que ingressa voluntariamente no processo na fase recursal está sujeito aos efeitos da decisão recorrida, inclusive à condenação em honorários recursais, nos termos do art. 85, §11, do CPC, desde que tenha havido fixação de honorários na origem.
Ao ingressar voluntariamente no processo para recorrer, o terceiro interessado está ciente dos termos e determinações da decisão recorrida. Não pode agir contraditoriamente ao assumir a decisão para pleitear benefícios com a sua reforma, mas negá-la para eximir-se do pagamento de honorários recursais, mesmo que sua primeira manifestação no processo seja em sede recursal. O recurso do terceiro prejudicado segue a aplicação da regra de o assistente receber o processo no estágio em que se encontra, nos termos do parágrafo único do art. 119 do CPC. Para haver honorários recursais, deve haver condenação em honorários advocatícios desde a origem no feito em que interposto o recurso, não importando em face de quem a decisão primeva fixou os honorários. Se a sentença fixou honorários advocatícios e, após isso, o terceiro prejudicado ingressa na lide para recorrer, ainda que seu recurso não seja conhecido, ele deve arcar com o pagamento dos honorários recursais, pois cumpridos todos os requisitos para que lhe seja imputado este dever, nos termos do art. 85, § 11, do CPC. STJ. 3ª Turma. REsp 1.888.521-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 1º/4/2025 (Info 846).
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Para a configuração do crime de prevaricação exige-se o dolo específico de satisfazer interesse ou sentimento pessoal de forma objetiva e concreta, não sendo suficiente a mera negligência, comodismo ou descompromisso.
Caso hipotético: João, Delegado de Polícia, foi denunciado pelo Ministério Público pelo crime de prevaricação (art. 319 do CP). Isso porque a correição encontrou diversas irregularidades na Delegacia no qual ele era titular. Algumas das irregularidades encontradas: centenas de boletins de ocorrência sem andamento, armazenamento irregular de aproximadamente 5 toneladas de drogas, destinação inadequada de armas e objetos relacionados, além de frequentar academia durante o expediente utilizando veículo oficial. O STJ entendeu que os fatos narrados não configuram prevaricação e absolveu o réu por ausência de dolo. O dolo específico para o crime de prevaricação exige a satisfação de interesse ou sentimento pessoal de forma objetiva e concreta. Desídia e comodismo não configuram o dolo específico necessário para o crime de prevaricação. No caso em questão, embora a conduta do réu demonstrasse desídia administrativa, não evidenciava a satisfação de um interesse pessoal específico ou objetivo concreto de vantagem pessoal, requisito necessário para a configuração do crime de prevaricação. Art. 319 do CP: Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa. STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 2.693.820-SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 18/3/2025 (Info 846).
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Crimes de violação de domicílio e lesão corporal em contexto de violência doméstica não devem ser tratados como autônomos, aplicando-se o princípio da consunção.
O princípio da consunção não se aplica quando o crime de invasão de domicílio ocorre junto com o crime de lesão corporal, de forma autônoma, mesmo que um aconteça antes ou depois do outro. Isso vale especialmente nos casos de violência doméstica e familiar baseada em gênero (misógina), onde estão presentes valores jurídicos diferentes. A invasão de domicílio protege a privacidade, o sossego e a tranquilidade da pessoa, enquanto a lesão corporal atinge a integridade física. Essas situações não se encaixam na progressão criminosa, pois cada crime tem sua própria finalidade e bem jurídico tutelado, de acordo com os arts. 5º e 7º da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). Além disso, o artigo 150, § 1º, do Código Penal estabelece, de forma clara e obrigatória, que se o crime de invasão de domicílio for cometido com violência, uso de arma ou por duas ou mais pessoas, o agente deve receber a pena de detenção de seis meses a dois anos, além da pena pela violência praticada. STJ. 6ª Turma. AgRg no AREsp 2.711.392-SC, Rel. Min. Otávio de Almeida Toledo (Desembargador convocado do TJSP), julgado em 12/3/2025 (Info 846).
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A condenação por tráfico de drogas exige prova concreta da materialidade, sendo insuficientes prints de redes sociais e mensagens eletrônicas sem apreensão da substância.
Caso hipotético: João foi investigado por utilizar um perfil anônimo no Instagram para divulgar a venda de drogas, com linguagem informal e memes, além de interagir com possíveis compradores por mensagens diretas e grupos de WhatsApp. Após seis meses, a polícia cumpriu mandado de busca e apreensão, recolhendo celulares, cadernos com anotações e um áudio comprometedores. Apesar disso, nenhuma droga foi encontrada com João ou em locais a ele ligados. Ainda assim, o Ministério Público ofereceu denúncia e ele foi condenado por tráfico de drogas, com base em mensagens, áudios, prints de redes sociais, anotações e depoimentos de policiais. A defesa impetrou habeas corpus no STJ, alegando falta de prova material do crime. O STJ concordou, destacando que, para a condenação por tráfico, é essencial a apreensão de entorpecentes ou outros elementos concretos que comprovem a traficância. Como não houve essa apreensão no caso de João, mesmo diante de indícios e da sua confissão sobre a divulgação de drogas, o tribunal entendeu que a condenação contrariava sua jurisprudência consolidada. Assim, o réu foi absolvido por ausência de prova material do crime. Em suma: é flagrantemente ilegal a condenação pelo crime de tráfico de drogas fundamentada essencialmente em prints de publicações de venda de entorpecentes em redes sociais e mensagens eletrônicas, sem a efetiva apreensão de drogas. STJ. 5ª Turma. AgRg no HC 977.266-RN, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 20/3/2025 (Info 846). É imprescindível que a substância supostamente ilícita seja apreendida e submetida à perícia técnica para confirmar se ela se enquadra na definição legal de droga. No caso concreto, os policiais encontraram apenas um “resquício” de cocaína em uma balança. Esse resquício não pode ser considerado objeto material do crime de tráfico porque: * Não se pode afirmar que ele está relacionado à conduta imputada ao acusado neste caso específico. * Não foi possível determinar a quantidade do resquício devido à impossibilidade de pesagem. * Não se pode comprovar a materialidade do crime com base apenas neste resquício. STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 2.092.011-SC, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 24/6/2024 (Info 21 – Edição Extraordinária).
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Habeas corpus não é o instrumento adequado para questionar as condições da proposta de Acordo de Não Persecução Penal.
Caso hipotético: João praticou homicídio culposo no trânsito após atropelar e matar Regina. O Ministério Público propôs um ANPP, com a condição de pagamento de R$ 50.000,00 em danos morais à família da vítima. A defesa recusou a proposta alegando que João não tinha condições financeiras e que já havia ação cível tratando do mesmo tema, pedindo a dispensa da indenização com base na exceção prevista no art. 28-A, I, do CPP. O juiz, no entanto, considerou a proposta válida, afirmou que o Judiciário não pode revisar seu conteúdo sem base legal e que não havia pedido expresso para remessa ao PGJ (§ 14 do art. 28-A do CPP). Diante da negativa judicial, a defesa impetrou habeas corpus argumentando que a proposta gerava dupla responsabilização e era desproporcional. Pleiteou que o MP reformulasse a proposta com base no § 5º do art. 28-A do CPP. O pedido foi negado pelo Tribunal de Justiça, e a defesa recorreu ao STJ. O STJ, porém, rejeitou o recurso. Conclusões do Tribunal: 1. A reparação de danos como condição do acordo de não persecução penal não é impedida pela existência de ação cível em curso. 2. A alegada incapacidade financeira do acusado não torna ilegal a proposta de ANPP, podendo ser objeto de análise pelo órgão superior ministerial, caso provocado na forma adequada. 3. O instrumento adequado para questionar as condições da proposta de ANPP é a remessa ao órgão superior do Ministério Público, conforme previsto no §14 do art. 28-A do CPP. Art. 28-A, § 14, do CP: No caso de recusa, por parte do Ministério Público, em propor o acordo de não persecução penal, o investigado poderá requerer a remessa dos autos a órgão superior, na forma do art. 28 deste Código. STJ. 6ª Turma. RHC 184.507-MT, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 1º/4/2025 (Info 846).