Antiarrítmicos pós-IAM Flashcards
(4 cards)
Quais foram os achados do trial EMIAT (Lancet 1997)?
O estudo EMIAT (The Lancet, 1997) foi um RCT multicêntrico, duplo-cego e placebo-controlado que visou avaliar os benefícios da amiodarona, iniciada tardiamente após IAM em pacientes com disfunção ventricular, levando em conta que as arritmias ventriculares são uma grande causa de morte nesse grupo.
🌎 Na época do estudo, havia grande interesse no uso de antiarrítmicos para prevenir morte súbita pós-IAM em pacientes com fração de ejeção reduzida, após os resultados negativos do estudo CAST (que mostrou aumento da mortalidade com antiarrítmicos classe I). Diferentemente deste estudo, a amiodarona teve perfil um neutro em estudos pequenos, mas faltava a validação em maiores trials. Os pesquisadores consideraram que um dos ‘erros’ de estudos prévios foi usar como critério de inclusão a ocorrência de arritmias ventriculares, sendo que, provavelmente, a disfunção ventricular é um filtro prognóstico mais forte para identificar indivíduos em alto risco de morte súbita.
Pergunta PICO:
- P: 1.486 pacientes com IAM recente (entre 5 e 21 dias após o evento - a média foi 15 dias) e FEVE ≤ 40% (média de 30%), independentemente de achados de arritmias ventriculares.
- I: Amiodarona oral (800mg/dia por 2 semanas → 400mg/dia por 14 semanas → 200mg/dia de manutenção)
- C: Placebo
- O: Não houve diferença no desfecho primário de mortalidade geral. Entretanto, a amiodarona reduziu significativamente a mortalidade arrítmica (3,5% vs 5,1%; HR 0,68; p = 0,045) com um NNT ~ 63 para prevenir uma morte súbita arrítmica em 2 anos. Não houve aumento de efeitos adversos graves (nenhum caso de TdP inclusive), embora bradicardia sintomática e disfunção tireoidiana tenham sido mais comuns.
✌️ Ou seja: não há indicação de uso rotineiro profilático da amiodarona em pacientes com disfunção ventricular pós-IAM. Porém, se houver indicação da medicação por outro motivo, seu uso é seguro e com potencial de reduzir morte arrítmica (mas sem reduzir motalidade geral).
Quais foram os achados do trial CAMIAT (Lancet 1997)?
O estudo CAMIAT (Lancet, 1997) foi um RCT multicêntrico, duplo-cego e placebo-controlado que visou avaliar se a amiodarona reduziria a FV ressucitada ou mortalidade arrítmica em pacientes com extrassístoles ventriculares (EV) frequentes na fase subaguda do IAM.
🌎 Uma das principais causas de mortalidade tardia pós-IAM eram as arritmias ventriculares, e havia associação de aumento de mortalidade em pacientes pós-IAM que tinham EV frequentes. Por isso, começou a buscar em avaliar se suprimir as EV poderia trazer benefícios. Inúmeros estudos pequenos antes da década de 80 com múltiplos antiarrítmicos foram nulos. Porém, eles tinham um N pequeno, não selecionaram pacientes de alto risco e usaram antiarrítmicos mais fracos. Surgiu o famigerado e desastroso CAST em 1991, que acabou aumentando a mortalidade com antiarrítmicos classe I). A amiodarona surgiu como alternativa promissora em estudos pequenos, mas faltava ser testada em trials maiores. O CAMIAT foi desenhado para avaliar esse uso em uma população de risco intermediário.
🔬 Vamos à pergunta PICO:
- P: 1.202 pacientes com IAM nos últimos 6 a 45 dias + um dos seguintes achados ao Holter de 24h: densidade ≥ 10 EV/h, ≥ 1 TV de 100 a 120bpm, ou ≥ 1 TVNS > 120bpm de até 10 batimentos de duração (se fosse além desses limites, já interpretavam como necessário o uso de DAA, impossibilitando a randomização). Na baseline, só 23% dos pacientes tinham IC (e por isso podemos considerar como uma população de risco intermediário);
- I: Amiodarona oral (10mg/kg por 2 semanas → 300-400mg/dia por 3 a 5 meses → 200 a 300mg por 4 meses → 200mg 5 a 7 dias por semanas por 16 meses)
- C: Placebo oral
- O: após um seguimento médio de 1.8 anos, houve benefício no desfecho primário composto de FV ressucitada ou morte arrítmica (RRR 48,5%, RAR 2,7%, NNT 37, p 0.016). Não houve diferença significativa na mortalidade total (houve tendência, mas possivelmente faltou poder para esse desfecho). Houve suspensão da droga em 36.4% do grupo amiodarona vs. 25.5% do grupo placebo, mas sem ser por eventos pró-arrítmicos.
💣 O estudo não incluiu pacientes com arritmias ventriculares sustentadas com FC > 120bpm, limitando o valor do estudo para prevenção secundária clássica.
Quais foram os achados do trial CAST (NEJM 1991)?
O estudo CAST (NEJM, 1991) foi um RCT multicêntrico, duplo-cego e placebo-controlado, que visou avaliar se a supressão farmacológica de extrassístoles ventriculares com antiarrítmicos de classe IC (encainida, flecainida e moricizina) poderia reduzir mortes arrítmicas em pacientes pós-IAM com EV assintomáticas ou pouco sintomáticas (excluindo arritmias ventriculares sustentadas).
🌎 Na época, era sabido que EV frequentes eram um marcador de risco para morte súbita (por exemplo, ≥ 10 EV/h aumentava a mortalidade em 4x). Acreditava-se que sua supressão com antiarrítmicos poderia melhorar o prognóstico, mas os estudos até então falharam em demonstrar benefício. O CAST testou essa hipótese em um grande estudo randomizado e foi um marco, pois revolucionou a prática clínica ao demonstrar o oposto (inclusive teve que ser interrompido precocemente por piora dos desfechos).
🔎 Pergunta PICO:
- P: 1.498 pacientes com IAM prévio (6 dias a 2 anos antes), FEVE ≤ 55% (se IAM há menos de 90 dias) ou FEVE ≤ 40% (se IAM a mais de 90 dias) e em 18h de Holter ≥ 6 EV/h (mas sem TV ≥15 batimentos a ≥ 120bpm)
- I: Antiarrítmicos classe IC (encainida, flecainida ou moricizina), iniciados após teste de supressão bem-sucedido (redução > 80% das EV e > 90% das TVNS).
- C: Placebo oral.
- O: o estudo foi interrompido precocemente por futilidade e risco, com NNH de ~20 morte ou PCR.
📌 Resumo final: o CAST demonstrou que a supressão de EV com antiarrítmicos classe IC aumenta a mortalidade em pacientes com disfunção ventricular após IAM. O estudo mudou paradigmas, levando à forte contraindicação desses fármacos em cardiopatia estrutural (lembrando que propafenona também é da classe IC). Ele reforçou que nem toda supressão de arritmia é benéfica — o que se tornou um princípio fundamental da eletrofisiologia moderna.
Quais foram os achados do estudo DIAMOND-MI (Lancet 2000)?
O estudo DIAMOND-MI (The Lancet, 2000) foi um RCT multicêntrico, duplo-cego e placebo-controlado, que visou avaliar se o uso de dofetilida, um antiarrítmico classe III, poderia reduzir a mortalidade ou melhorar desfechos clínicos em pacientes com IAM recente e disfunção ventricular esquerda.
🌎 Na época do estudo, havia interesse crescente no papel de antiarrítmicos que prolongassem a repolarização sem os efeitos pró-arrítmicos observados com outras drogas, especialmente após os resultados desastrosos do CAST (que mostrou aumento de mortalidade com flecainida/encainida - DAA classe I). Estudos prévios (CAMIAT e EMIAT) já haviam demonstrado perfil neutro da amiodarona na mortalidade (e até mesmo com achado em redução de morte de causa arrítmica), mas se trata de uma medicação com sabidos efeitos colaterais a longo prazo. O DIAMOND-MI investigou se a dofetilida, um bloqueador seletivo de canais de potássio (IKr), seria mais seguro do ponto de vista sistêmico e pró-arrítmico, questionando se conseguiria inclusive reduzir o desfecho primário de mortalidade. Ou seja, não era um estudo específico sobre supressão de arritmias ventriculares ou de FA, mas sim sobre eficácica dura e segurança da droga.
Pergunta PICO:
- P: 1.510 pacientes com IAM recente (≤7 dias) e FEVE ≤ 35%. Na baseline, 8% tinha FA ou FLA.
- I: Dofetilida oral, iniciado em internação com titulação conforme função renal e intervalo QT, e mantido por tempo indefinido.
- C: Placebo.
- O: Não houve diferença no desfecho primário de mortalidade geral (32% vs. 33%; HR 1,0; IC 95% 0,8–1,1). No entanto, em análise exploratória, observou-se maior conversão a ritmo sinusal em pacientes com FA (NNT = 3). Houve aumento discreto no risco de TdP (≈3%), mas sem impacto em mortalidade.
🚫 Principais critérios de exclusão:
- Intervalo QTc basal > 460 ms
- Distúrbios eletrolíticos
- ClCr < 20
- História prévia de torsades de pointes
- Bloqueios de ramo ou AV avançados
🔎 No ano anterior havia sido lançado o DIAMOND-CHF, que avaliou a mesma droga no contexto de ICFER e alto risco de eventos arrítmicos e tromboembólicos. Também não houve diferença em morte, mas houve redução de hospitalização → os motivos levantados para esse benefício não ter sido visto no DIAMOND-MI foram de que o estudo atual tinha menos pacientes com FA (8 vs. 25%, coletando menos benefícios da cardioversão) e eram menos sintomáticos (logo, com menor margem para melhora).
✌️ Resumo: há segurança para o uso por outros motivos e a taxa de conversão de FA para sinusal é significativa, mas o paciente não se beneficiará de uso rotineiro pós-IAM para prevenir desfechos duros.