Avaliação hemodinâmica Flashcards
(6 cards)
Quais são os componentes responsáveis pela PA sistólica (PAS) e diastólica (PAD)? Qual é o impacto desses componentes na pressão de pulso e na avaliação do nó dicrótico na PIA?
A PAS nada mais é do que a pressão exercida na parede vascular durante a contração ventricular. Logo, os principais componentes serão o volume sistólico (secundária obviamente à força contrátil e à pré-carga), a complacência dos grades vasos e a resistência periférica:
- Quanto maior o VS, maior a PAS;
- Quanto menor a complacência dos vasos (maior “rigidez”, como em artérias mais ateroscleróticas), maior a PAS;
- Quanto maior a RVP, maior a PAS → isso se explica pelo seguinte motivo: quando o sangue é bombeado, há uma onda pressórica anterógrada que, ao atingir a microcirculação, irá “bater e voltar” (como se fosse uma reflexão), gerando uma onda pressórica retrógrada. Quanto maior a RVP (e também quanto mais placas o paciente tiver, mais precoce e mais intensa será esta última onda, de forma a ela se encavalar sobre a primeira anterógrada, aumentando a PAS.
Por sua vez, desde que na ausência de IAo, a PAD é secundária principalmente ao tônus vascular periférico:
- Quanto maior a RVP, maior a PAD. Quanto menor a RVP, menor a PAD → inclusive, há a descrição do “Shock index diastólico”, que é a divisão da FC pela PAD → valores > 2,2 foram associados a maior mortalidade no choque séptico e podem inferir maior necessidade de início de vasopressores.
No final das contas, para a perfusão orgânica o que vai importar mesmo é a PAM. Valores ≥ 65mmHg de modo geral serão suficientes para uma perfusão adequada, mas com atenção a duas observações:
- Assim como na perfusão cerebal, a perfusão de órgãos encapsulados (ex: fígado e rim) também depende do gradiente entre a PA e pressão interior ao órgão. Então mesmo, em situações de congestão importante ou síndrome compartimental, possivelmente podemos necessitar de PAMs maiores;
- Indivíduos mais hipertensos podem precisar de uma PAM maior.
A pressão de pulso (PP) é a subtração da PAS - PAD. Logo, será secundária aos motivos explicados acima. No choque, PP < 40 pode sugerir um maior déficit de bomba e pré-carga, possivelmente favorecendo ao uso de volume e inotrópicos. Já um PP grande pode sugerir uma maior necessidade de uso de vasopressores.
Por fim, sobre o nó dicrótico: ele é o momento de encontro da onda anterógrada e da retrógrada de pressão descritas acima. Logo, quanto maior a RVP, mais precoce será o nó dicrótico (ele aparecerá mais alto na curva da PIA). Quanto menor a RVP, mais tardio será o nó dicrótico (ele aparecerá mais baixo na curva de PIA).
Fonte: Invasive arterial pressur monitoring: much more tha mean arterial pressure! (Hernandez et. al., Intesive Care Med - 2022)
Quais as implicâncias do shock index e do shock index diastólico?
Shock index = FC/PAS → valores > 0,7-0,9 foram usados para detectar hipovolemia em pacientes com trauma e choque hipovolêmico, sendo que alguns trials incluíram o corte ≥ 0,8 como trigger para a ressucitação volêmica.
Shock index diastólico = FC/PAS →valores > 2,2 foram associados a maior mortalidade no choque séptico e podem inferir maior necessidade de início de vasopressores.
OBS: lembrando que PAS sofre interferência mais do volume sistólico e da complacêncica vascular e a PAD sofre mais pela RVP.
Fonte: Invasive arterial pressur monitoring: much more tha mean arterial pressure! (Hernandez et. al., Intesive Care Med - 2022)
Quais foram os achados do ANDROMEDA-SHOCK Trial?
O ANDROME-SHOCK (JAMA, 2019) foi um trial multicêntrico randomizado e aberto com o seguinte desenho:
- P: 424 pacientes com choque séptico (no baseline: SOFA médio de ~10, lactato médio de ~4,5, dose média de noradrenalina ~0,2mcg/kg/min, PAM média de ~68, TEC médio de 4-5s)
- I: protocolo de ressucitação guiado para normalizar o tempo de enchimento capilar (TEC) a cada 30min durante 8h
- C: protocolo de ressucitação guiado para reduzir níveis de lactado em 20% a cada 2h durante 8h
- O: não houve diferença no desfecho primário de mortalidade em 28 dias → 34.9% no grupo TEC vs. 43.4% no grupo lactato (HR 0.75, CI 0.55-1.02, p 0.06). Houve diferença no desfecho secundário de redução de disfunção orgânica em 72h (SOFA médio do grupo TEC foi 1 ponto menor do que o do lactato).
Observações:
- Era considerado alterado um TEC > 3s;
- O protocolo envolvia passos padronizados de expansão volêmica conforme fluidorresponsividade e fluidotolerância + ajustes de vasopressores + abordagens com inotrópicos;
- Houve uma tendência à superioridade do desfecho primário no grupo TEC, mas sem significância estatística (e inclusive não sei porque não usaram um desenho de não-inferioridade).
Minha conclusão: como o estudo foi desenhado para avaliar a superioridade da estratégia pelo TEC, o resultado foi negativo. Porém, levando em vista a tendência ao resultado benéfico e a praticidade à beira-leito para uso do TEC, vale a pena o incorporar na avaliação clínica rotineira, acompanhando de registros pontuais diários de lactato em pacientes graves (levando em conta que pode haver maior variabilidade interobservador em relação ao TEC, sendo importante ter uma medida mais fixa para auxiliar).
Como fazer adequadamente o passive leg raising?
É um teste importante para avaliar fluidorresponsividade com a análise concomitante do débito cardíaco ao mobilizar cerca de 300mL de circulação venosa para o coração direito. Tem as vantagens de ser aplicável em pacientes com respiração espontânea, arritmias, baixo volume corrente e baixa complacência pulmonar (esses cenários citados limitam o uso de medidas que dependem da interação cardiorrespiratória, como a VPP). Porém, para ser bem feito, devemos seguir 3 passos:
- Iniciar com o paciente com a cabeceira a 45º e com as pernas a 0° (aumenta o acúmulo de volume no MMII) → medir o débito cardíaco nesse cenário;
- Descer a cabeceira para 0° e elevar as pernas para 45° → medir novamente o DC durante o primeiro minuto;
- Voltar para a posição inicial e medir novamente o DC.
Observações importantes:
- Deve ser medido o DC e não a PA;
- Idealmente usar monitor com atualização em tempo real →na indisponibilidade, avaliar via VTI com ECO;
- Ajustar a posição do paciente com o controle da cama e não com as mãos para evitar dor e agitação (fatores que podem interferir no DC).
O que é o índice de pulsatilidade da artéria pulmonar (PAPi)? Quais são seus fatores moduladores? E quais são as aplicações clínicas?
O PAPi é medido pela divisão da pressão de pulso da artéria pulmonar (PSAP - PDAP) dividida pela PAD (ou PVC). Ou seja, PAPi = PPAP/PAD. Podemos fazer o cálculo com os dados Swan-Ganz. De uma maneira simples, sua análise foi postulada para avaliar disfunção de VD sob a seguinte explicação:
- Quanto maior o volume sistólico do VD, maior será a PSAP e consequentemente maior será a PPAP;
- Da mesma forma, quão melhor for o VD, menos será a PAD (ou PVC);
- Logo, quão melhor for o VD, maior é será o PAPi (pois dividiremos uma PPAP alta por uma PVC baixa).
Porém, essa é uma análise muito simples, visto que a pressão de pulso da artéria pulmonar (PPAP), além de depender do VS do VD, também depende da capacitância arterial pulmonar (CAP), que é a capacidade do leito vascular acomodar volume (quanto maior a capacitância, menos pressão é preciso para armazenar um mesmo volume). Logo, quanto mais remodelada e rígida for a circulação pulmonar, ou até mesmo distendida por uma capilar pulmonar (CP) alta secundária a uma IVE, menor será a capacitância (e maior será a PAPi). Também, quanto maior for a resistência vascular pulmonar, menor será a CAP.
Resumindo, as fórmulas que temos até então são:
- PAPi = PPAP / PAD;
- PPAP = VS do VD / CAP;
- No final: PAPi = (VS do VD) / PAD x CAP
Então, as seguintes variáveis interferem no PAPi:
- Quanto maior for a PAD, menor será o PAPi;
- Quanto maior for o VS do VD, maior será o PAPi;
- Quanto maior for a CAP, menor será o PAPi;
- Quanto maior for a CP menor será a CAP, e consequentemente maior será o PAPi.
- Quanto maior for a RVP menor será a CAP, e consequentemente maior será o PAPi.
Logo, diante de tantas variáveis, entendemos que o volume sistólico do VD é apenas um dos pontos que interferirá no PAPi. Quão mais saudáveis forem o VE e a resistência pulmonar, mais o determinante do PAPi realmente será o volume sistólico do VD. Portanto, é natural pensarmos que não tem como ter um ponto de corte único para o PAPi (de maneira geral, quão menor for, pior é e está realmente associado a piores desfechos). A depender da doença de base, o ponto de corte vai variar, como exemplo dos estudos a seguir:
- Em pacientes pós-IAM de VD, um PAPi ≤ 0,9 teve 100% de sensibilidade e 98% de especificidade para o desfecho composto de mortalidade intra-hospitalar e/ou necessidade de suporte para o VD;
- Em pacientes após implante de LVAD, um PAPi < 1,85 teve 94% de sensibilidade e 81% de especificidade para identificar IVD;
- Em pacientes com IC descompensada (sem choque cardiogênico), numa análise post hoc do ESCAPE trial, uma PAPi < 3,35 teve 83% de sensibilidade e 31% de especificidade para o desfecho de morte ou hospitalização em 6 meses.
Resumindo:
- PAPi = (VS do VD) / PAD x CAP
- Quanto menor o PAPi, pior é o prognóstico;
- Quanto mais agudo for o quadro e com acometimento isolado de VD (ex: infarto de VD em paciente sem HP ou IVE), maior será a interferência do VS do VD no PPAi e o ponto de corte de PAPi para piores desfechos será menor (pois menor será o VS do VD em um paciente com capacitância pulmonar boa);
- Individualize ao cenário!
Fonte: Pulmonary artery pulsatility index: physiological basis and clinical application - EJHF 2020