Suicídio na adolescência Flashcards

(1 cards)

1
Q
  1. Como compreender o ato como resposta à angústia?
  2. Como diferenciar passagem ao ato e acting out?
  3. Como compreender o fato de que o suicídio não necessariamente implica na
    intenção de se matar?
  4. Quais são as características da adolescência (e da cultura em que vivemos)
    que criam condições de vulnerabilidade para o suicídio nesta fase da vida?
A
  1. Como entender o ato como resposta à angústia?
    O ato, particularmente a automutilação ou os distúrbios alimentares, pode ser entendido como uma resposta à angústia insuportável quando as palavras não conseguem expressar a dor psíquica. Essa dinâmica é frequentemente observada em adolescentes que lutam contra tensões internas e sofrimento emocional que não podem ser verbalizados.
    Principais maneiras pelas quais o ato funciona como uma resposta à angústia:
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    Descarga de Intensidades Psíquicas O ato serve como uma descarga direta de intensas energias psíquicas no corpo, principalmente quando a dimensão da alteridade é precária, ou seja, não há um “outro” para receber ou ressoar com a dor.. Essa descarga é caracterizada por um “ato de dor” onde as intensidades psíquicas não são elaboradas.
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    Substituindo a dor psíquica pela dor física A dor física infligida por atos como a automutilação é vista como um substituto para a dor moral ou psíquica insuportável. É uma medida desesperada para aliviar a angústia, mesmo que seja por um curto período. Por exemplo, um adolescente pode cortar-se para sentir uma dor corporal mais tolerável, fazendo com que a dor moral insuportável desapareça ou se torne menos intensa..
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    Tentativa de Criar um Sentimento de Existência Em momentos de devastação psicológica e vertigem, atos como a automutilação visam construir um sentimento de existência. Os cortes podem trazer uma sensação de estar “vivo” e tirar o indivíduo de uma sensação de dormência ou de estar “morto”. Esta é uma tentativa desesperada de estabelecer contato com o próprio corpo, especialmente quando ele parece estranho ou informe.
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    Restaurando Limites e Controle A automutilação pode ser uma restauração brutal de limites corporais perdidos, uma tentativa de diminuir sentimentos de vertigem e uma forma de promover uma sensação de vida. É um método para o indivíduo recuperar o controle sobre afetos destrutivos e uma situação que parece totalmente fora de seu controle.
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    Negação da Dor Psíquica Paradoxalmente, buscar a dor física por meio de danos autoinfligidos é uma forma de aliviar uma dor psíquica insuportável e representa uma impossibilidade de sentir verdadeiramente a “dor da alma”.. Isso evidencia uma dificuldade na elaboração psíquica de eventos dolorosos.
  2. Como diferenciar “passagem ao ato” e “atuação”?
    As fontes, particularmente “Suicídio.pdf”, distinguem claramente entre “atuação” e “passagem ao ato” em termos psicanalíticos:
    Atuando:
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    Natureza demonstrativa: É algo que é essencialmente mostrado ao “Outro” (outra pessoa ou a ordem simbólica), uma “exibição velada” da qual o próprio sujeito não tem plena consciência..
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    Evitação da Angústia: Serve como uma forma de evitar ou controlar a angústia.
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    Mensagem: Traz uma mensagem, revelando um “resto” (objeto a) na relação do sujeito com sua própria fantasia.
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    Falta de questionamento subjetivo: o sujeito não formula uma queixa nem questiona o significado do seu ato; ele simplesmente age e se deixa ver.
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    Presença em Cena: O sujeito não sai de cena; ele faz uma “cena” ou uma “demonstração”.
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    Transferência: É considerada uma forma inicial de transferência, uma “transferência selvagem”, onde uma interpretação pode não ser imediatamente eficaz. Por exemplo, Hannah Baker recolhendo itens da farmácia de seus pais pode ser vista como uma atuação, uma interpelação ao Outro, uma forma de “deixar-se ver”..
    Passagem para a Lei:
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    Ação Precipitada: É uma ação em que o sujeito se precipita, uma ação que vai além do seu controle consciente. Exemplos incluem crime, agressão ou suicídio.
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    Corte Radical: Representa uma ruptura radical onde o sujeito “sai de cena”.
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    Falta de Premeditação: Acontece sem cálculo ou premeditação.
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    Saída da angústia: funciona como uma saída da angústia, levando potencialmente à retificação ou estabilização subjetiva (como na psicose).
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    Posição do Objeto: Na passagem para o ato, o sujeito aparece maximamente “apagado” ou “barrado”, precipitando-se e caindo para fora da cena, tornando-se um objeto.
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    Oposto de Atuação: Lacan enfatiza que “tudo o que é atuação é o oposto da passagem para o ato”, contrastando o ato de “entrar em cena” (atuação) com “deixar-se cair” (passagem para o ato).
    Em essência, enquanto a atuação é uma comunicação ou um espetáculo destinado a um Outro, ainda que inconscientemente, e mantém o sujeito em cena, a passagem ao ato é um mergulho radical, não calculado, fora de cena, onde o sujeito se reduz a um objeto e busca um fim definitivo para a angústia.. O suicídio de Hannah Baker em 13 Reasons Why é apresentado como uma passagem para o ato, pois ela sai do consultório mais angustiada e tira a própria vida, marcando-se como um sinal indelével.
  3. Como entender o fato de que o suicídio não implica necessariamente a intenção de matar?
    As fontes sugerem que atos suicidas, ou automutilação de forma mais geral, nem sempre são motivados por uma intenção direta de acabar com a própria vida, mas podem ser respostas complexas ao sofrimento psicológico:
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    Automutilação como autopreservação: No contexto da automutilação, os depoimentos indicam que os cortes autoinfligidos não estão relacionados ao suicídio, mas sim à expressão de sofrimento.. Historicamente, a automutilação era frequentemente entendida não como uma tentativa de autodestruição, mas como um meio de autocura e autopreservação.. O objetivo é aliviar a tensão interna insuportável e a dor psíquica, servindo como um “recurso desesperado” para alívio, mesmo que temporário..
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    Aposta na vida: No contexto mais amplo dos comportamentos de risco na adolescência, Lacadée (2011) sugere que esses comportamentos, incluindo a ideação suicida, são frequentemente “uma aposta na vida real e não uma tentativa de morrer”.. Elas são vistas como “tentativas de viver mais do que de morrer”.. Isso implica uma busca por significado, conexão ou uma maneira de se sentir vivo, mesmo que isso envolva ações extremas.
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    Produzindo uma Marca como Signo: O suicídio, como “passagem para o ato”, para Lacan, tem uma “beleza horrenda” porque permite ao indivíduo tornar-se um “signo eterno” para os outros. Ao abolir-se, o sujeito deixa uma marca indelével no mundo simbólico daqueles a ele ligados, criando uma afirmação definitiva ou uma interrupção de mal-entendidos. Este foco em deixar uma marca ou um sinal (como as fitas de Hannah Baker) sugere um aspecto comunicativo que vai além da mera cessação da vida, visando produzir um efeito no Outro.
    Assim, embora o ato de suicídio resulte em morte, a motivação subjacente do indivíduo pode não ser apenas morrer, mas sim comunicar uma dor extrema, sentir algo, afirmar a existência ou criar um impacto indelével quando outras formas de expressão falharam..
  4. Quais são as características da adolescência (e da cultura em que vivemos) que criam condições de vulnerabilidade ao suicídio nessa fase da vida?
    A adolescência é um período de vulnerabilidade psicológica significativa, e a cultura contemporânea agrava essas fragilidades, contribuindo para um risco maior de suicídio e automutilação.
    Características da Adolescência:
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    Transformações Intensas: A adolescência é marcada por profundas mudanças biológicas e psicológicas, incluindo transformações físicas (voz, crescimento dos pelos, desenvolvimento dos genitais) e o surgimento da sexualidade, o que exige uma reformulação fundamental da identidade..
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    Fragilidade psíquica e desamparo: É um período de fragilidade psíquica inerente, vulnerabilidade e desamparo. O adolescente confronta-se com mudanças na sua imagem corporal e com o despertar de pulsões, vivenciando muitas vezes uma transição dolorosa onde o corpo se torna fonte de angústia e mal-estar. Trata-se de reviver o desamparo inicial da infância, onde o sujeito não tinha recursos para gerir impulsos intensos.
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    Choque Narcisista e Redefinição de Identidade: As bases narcisistas da psique são intensamente abaladas devido ao desinvestimento dos apegos da infância. Os adolescentes devem construir uma nova identidade enquanto simultaneamente abandonam a antiga, levando a uma significativa perturbação narcisista.
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    Desapego e Solidão: Há um distanciamento afetivo e uma progressiva desidealização dos pais, o que pode levar a um profundo desamparo e a uma sensação de abandono.. Os adolescentes muitas vezes vivenciam sentimentos intensos de solidão e falta de interlocutores com quem compartilhar sua dor.
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    Labilidade de humor e silêncio: Altamente suscetíveis a estímulos internos e externos, os adolescentes podem apresentar oscilações de humor e silêncio profundo, muitas vezes disfarçados por uma fraca armadura de indiferença para manter os adultos afastados.Aqueles que permanecem em silêncio e não abordam suas queixas são frequentemente os mais preocupantes.
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    Tendência à Ação e Urgência: Os adolescentes tendem a agir e a concluir rapidamente, sem suportar o tempo necessário para a compreensão. Essa “pressa” e “precipitação” podem levar a atos de risco, pois não podem esperar para resolver algo.
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    Confronto com o “Real do Sexo”: A puberdade traz a “irrupção do Real do sexo”, um encontro impossível com o Outro sexo, levando a alterações na imagem corporal e à necessidade de criar uma nova linguagem simbólica (como a gíria).
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    Errância e Assunção de Riscos: O adolescente é frequentemente “errante” e “errático”, buscando seu lugar e fórmula, envolvendo-se em comportamentos de risco (como uso de drogas, automutilação, sexo inseguro) como uma forma de encontrar limites, experimentar sensações e afirmar a existência.. Esses atos são muitas vezes tentativas de viver em vez de morrer.
    Características da Cultura Contemporânea:
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    Cultura de desempenho e idealização: a sociedade promove uma “cultura de desempenho” e impõe ideais de perfeição e completude, muitas vezes com um ideal inatingível de magreza e beleza.. Existe uma “ditadura da magreza” constantemente enfatizada pela mídia.
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    Superficialidade dos Vínculos e Individualismo: O mundo contemporâneo é caracterizado pela vivência do efêmero e do caótico, pela fragmentação social e pela ênfase no consumo, o que leva a trocas intersubjetivas precárias e a vínculos superficiais.. Há uma “individualização do vínculo social”, onde a família se torna um refúgio emocional temporário em vez de uma unidade social fundamental, e o lugar da criança se torna instável.
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    Ausência do “Outro”: Há uma notável “ausência de um receptor” para a dor do adolescente, o que leva à dificuldade em encontrar palavras para o seu sofrimento. A “experiência de indiferença” nos primeiros relacionamentos pode levar a uma fundamental “falta de auto-reconhecimento” pelo Outro. Essa “aridez da presença do outro” como suporte da vida afetiva é uma característica do “desânimo”.
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    O corpo como expressão central do mal-estar: Neste contexto, o corpo torna-se o lugar privilegiado de expressão do sofrimento subjetivo, sobretudo pela precariedade dos mecanismos psíquicos para elaborá-lo. A ausência de palavras na vida psíquica significa que o corpo “fala” por meio de sintomas como transtornos alimentares, automutilação e outros comportamentos de risco..
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    Consumismo e “ter” em vez de “ser”: modelos econômicos predominantes promovem o consumo desenfreado e priorizam o “ter” em vez do “ser”. Isso cria um ideal ilusório de felicidade ligado aos bens materiais e a uma imagem perfeita.
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    Dificuldades Parentais: Os pais na sociedade contemporânea lutam para deixar seus filhos de lado, muitas vezes “vampirizando” sua juventude devido ao medo de envelhecer e diminuir as opções.. Essa dependência prolongada pode levar os adolescentes a recorrerem às marcações corporais como forma de demarcar seu território pessoal.
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    Falta de recursos simbólicos: o contexto cultural muitas vezes falha em fornecer mediadores simbólicos para os indivíduos processarem experiências, especialmente as traumáticas. Isso contribui para um “curto-circuito” na elaboração psíquica, levando à atuação em vez do pensamento e da simbolização..
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    Pressão por gratificação instantânea: a cultura enfatiza o prazer e a supressão da capacidade de pensar e refletir. Há um “excesso de estímulos e escassez de tempo” para absorver e refletir sobre os acontecimentos, levando a um estreitamento dos processos elaborativos.
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    Erosão dos Ritos Tradicionais de Passagem: A ausência de rituais tradicionais que delineiem papéis sociais torna a construção de sentido para a existência uma tarefa solitária e árdua para os adolescentes.
    Estes fatores combinados criam um ambiente volátil onde os adolescentes, já a atravessar um período de profunda perturbação interna, são altamente suscetíveis ao sofrimento psicológico e podem recorrer a comportamentos autodestrutivos quando os mecanismos tradicionais de enfrentamento ou o apoio externo são insuficientes..
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