Os Verdes Anos Flashcards

(4 cards)

1
Q

Cenário e Lisboa

A

Lisboa entra no filme, como espaço e ideia, logo desde a sequência inicial – voz off de Afonso, tio de Júlio. Ve,os a estação de Santa Apolónia, em que Júlio é deixado sozinho, e o seu percurso até Alvalade, onde Júlio irá trabalhar, e onde conhece Ilda. Numa outra sequência, Afonso leva Júlio e Ilda a passear por locais icónicos da cidade – Avenidas Novas, Baixa, Cacilhas;
Os dois hão de namorar pela Belavista. A sequência do desencantamento passa-se na Cidade Universitária; é no Campo Grande que Ilda acaba por deixar Júlio.
O Novo Cinema coincide, cronologicamente, com o surgimento de uma nova geração de arquitectos, com uma nova abordagem. Questiona-se a definição de modernismo; repensa-se a relação com o real – no cinema e na arquitectura;
No filme, é através de Ilda que Júlio descobre as avenidas novas, a nova cidade universitária, o novo aeroporto;
Os protagonistas do filme podem ser vistos como indivíduos que a cidade marginalizou. Lisboa: cidade opressora (Baptista 2008:94). Lisboa: metáfora da prisão social que era o regime de Salazar? (Urbano 2013: 155).

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Q

Que valor era atribuído por Paulo Rocha à mise-en-scène?

A

Em Os Verdes Anos (1963), essa valorização da mise-en-scène é evidente na forma como Rocha constrói visualmente o mundo das personagens. Por exemplo, a oposição entre espaços abertos (como os jardins ou as ruas de Lisboa) e espaços fechados (como o apartamento do tio ou os locais de trabalho) é usada para refletir os conflitos interiores e sociais vividos por Júlio e Ilda. Estes espaços não são neutros: são cuidadosamente escolhidos e filmados para traduzir, através da imagem, o desajustamento, a claustrofobia e a alienação das personagens num mundo moderno que não os acolhe. Assim, a mise-en-scène serve como um espelho visual do mal-estar existencial dos protagonistas.

Por exemplo, o modo como Paulo Rocha filma Júlio a caminhar sozinho pelas ruas de Lisboa, muitas vezes de forma distante e isolada no enquadramento, espelha o seu sentimento de desenraizamento e solidão. Lisboa, longe de ser uma cidade acolhedora, é mostrada como um labirinto impessoal, onde o indivíduo se perde. A cidade é tanto um espaço físico como um estado de alma, e é a mise-en-scène que constrói essa equivalência.

Num contexto de Portugal sob o regime do Estado Novo, a mise-en-scène adquire também um valor crítico e político, embora subtil. Através da composição dos espaços, do silêncio das personagens e da sua movimentação contida, Paulo Rocha retrata uma juventude reprimida, silenciosa, à margem de um sistema opressivo. Sem confrontação direta, ele critica o conformismo, o peso da tradição e a rigidez social. Rocha usou a mise-en-scène como forma de resistência subtil e inteligente. O modo como filma as ruas de Lisboa, os bairros operários, os interiores modestos e os contrastes sociais não é neutro. Há uma escolha clara de mostrar um Portugal que raramente era representado no cinema da época: urbano, pobre, em transformação, cheio de promessas falhadas e desigualdades profundas. A mise-en-scène, neste caso, torna-se uma forma de resistência estética, transmitindo ideias que não podiam ser ditas de forma explícita devido à censura.

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Q

Como é caracterizada a personagem de Júlio?

A

A personagem de Júlio é construída como uma figura central de tensão entre dois mundos: o rural, de onde vem, e o urbano, onde tenta, sem sucesso, encontrar o seu lugar. A sua entrada em Lisboa marca o início de uma experiência de desajustamento e alienação que vai moldar todo o seu percurso ao longo do filme. Júlio é um jovem inexperiente, recém-chegado do campo, tímido e introspectivo, que revela desde cedo dificuldades em adaptar-se à lógica da cidade. A sua linguagem corporal, muitas vezes fechada, o olhar perdido e os longos silêncios são usados pelo realizador Paulo Rocha para sublinhar o seu mal-estar existencial. Lisboa surge para Júlio como um espaço hostil, marcado pela pressa, pela indiferença e pela superficialidade das relações humanas. Ele não se sente à vontade nem no espaço público da cidade nem no espaço privado, onde vive com o tio, uma figura rígida e conformada com os valores da classe média urbana. Júlio representa uma juventude perdida, à procura de sentido num mundo que não compreende nem o acolhe.

Ao conhecer Ilda, uma empregada doméstica com aspirações e maior desenvoltura na cidade, Júlio vê nela uma possibilidade de ligação afetiva e de pertença. No entanto, essa relação não consegue preencher o seu vazio interior. À medida que os obstáculos aumentam — sejam eles sociais, económicos ou emocionais —, Júlio começa a revelar traços de instabilidade, insegurança e ciúme. A sua incapacidade de comunicar plenamente com Ilda, de partilhar os seus medos e desejos, leva à deterioração da relação e culmina num final trágico e violento.

Júlio é, assim, uma figura trágica da juventude portuguesa dos anos 60, simbolizando o impasse entre tradição e modernidade, entre sonho e realidade. O seu fracasso não é apenas individual, mas também social — é o reflexo de uma geração confrontada com mudanças rápidas, mas sem os recursos emocionais, culturais ou sociais para as acompanhar. Ele é uma vítima da modernização incompleta do país e da promessa de mobilidade social que raramente se concretiza para os mais vulneráveis.

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Q

Que argumento é elaborado sobre Ilda, feminilidade e modernidade?

A

Ilda representa, em contraste com Júlio, uma figura de maior integração no espaço urbano. Ao contrário dele, ela já nasceu e cresceu em Lisboa ou, pelo menos, demonstra familiaridade com os códigos e ritmos da cidade. É mais desinibida, autónoma e adaptada à vida moderna. Trabalha como empregada doméstica, mas apesar da natureza subalterna do seu emprego, ela movimenta-se com alguma confiança pelos espaços da cidade, incluindo os centros comerciais e os jardins, símbolos da nova Lisboa em transformação.

Neste sentido, Ilda encarna uma feminilidade moderna — uma jovem mulher que deseja mais do que aquilo que o seu lugar social aparentemente lhe permite. Tem aspirações, fala com alguma liberdade, interessa-se pela moda e pela vida urbana, e acredita, mesmo que de forma ingénua, na possibilidade de ascensão social ou, pelo menos, de uma vida diferente. Este desejo de “melhor futuro” é parte da sua identidade.

A personagem de Ilda é também uma metáfora da emergência de novas subjetividades femininas em Portugal nos anos 60 — uma década em que, lentamente, as mulheres começavam a conquistar alguma visibilidade, ainda que muito limitada, no espaço público. A sua personagem sugere o início de uma transformação no papel da mulher, ainda que fortemente condicionada pelas estruturas patriarcais vigentes.

No entanto, o destino de Ilda também revela os limites dessa emancipação. O seu sonho de mudança é esmagado pela violência e pela frustração de Júlio, representando simbolicamente o choque entre a promessa de modernidade e o peso persistente da opressão tradicional.

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