Ponto de Vista Flashcards
(3 cards)
Como se ligam narrativa, narração e ponto de vista no cinema?
A narrativa é fundamental para que os seres humanos percebam o sentido do mundo. Muitas vezes considerada equivalente à história, é a cadeia de eventos que ocorre no espaço e no tempo, numa relação de causa-efeito. Tem três elementos principais, espaço, tempo e causalidade, os padrões de mudança e estabilidade destes elementos são importantes para o entendimento da história pelos espectadores, que estão dependentes desse fenómeno. A narrativa é formada a partir da junção de planos e depende da própria construção interna dos mesmos.
A narração é a forma como a narrativa é apresentada, o argumento de um filme apresenta/sugere informação relativa à história do mesmo. Podem ser dadas pistas aos espectadores, pode ser ocultada informação, ou a própria apresentação de informação pode ser estruturada de forma a causar efeitos diferentes como surpresa ou suspense (M/MULHER SEM CABEÇA). A narração é uma construção, pensada e planeada, guia o espectador no seu encontro com a narrativa.
Um dos elementos que condiciona a narração é o ponto de vista adotado pelo filme. Um plano é um significante do ponto de vista da instância narradora e da enunciação. Todos os planos têm um ponto de vista na cinematografia. O ponto de vista pode definir-se como posição através da qual uma pessoa, acontecimento ou objeto é vista, pode ser subjetivo ou objetivo e pode ainda estar mais ou menos próximo da visão das personagens, conforme a câmara tem mais ou menos autonomia.
Concluindo, a narrativa é o que dá sentido, é a história, a narração é a forma como essa história é apresentada e o ponto de vista é o que condiciona a narração.
POV
Estratégia narrativa; tipo de plano
Câmara adota o olhar de uma personagem vendo o que esta veria, para o que quer ou pode ver, ou ainda para como enquadra o que se vê
Pode ser a visão de quem realiza o filme.
Como descreveria a narrativa do filme “A Mulher Sem Cabeça”? Que POV é privilegiado?
A narrativa de A Mulher Sem Cabeça acompanha Vero, uma mulher da classe alta argentina que, após um acidente, entra num estado de desorientação e culpa, sem saber se atropelou uma criança ou um cão. O filme adota o ponto de vista de uma Argentina pós-ditadura militar que tenta apagar da memória o seu passado histórico e o desaparecimento das crianças raptadas nesse período.
Na sequência inicial, surgem pistas visuais que evocam a memória reprimida do país. As mãos de uma criança na janela do carro, que se tornam mais visíveis. Após o atropelamento, Vero coloca os óculos de sol, como se tentasse proteger-se e ocultar a verdade do que aconteceu. O pó da estrada cobre o corpo da vítima, numa metáfora para o apagamento dos corpos dos desaparecidos, e a ambiguidade sobre a sua identidade reforça que ninguém sabe quem são ou o que lhes aconteceu.
A música “Soley, Soley”, ouvida no rádio, foi lançada em 1971, durante a ditadura. A sua harmonia pop contrasta com a gravidade dos acontecimentos da época — uma tentativa da classe alta de recordar apenas o que lhe convém, ignorando o sofrimento.
Na segunda sequência analisada, essa hierarquia social reflete-se na relação com a empregada, que sai da sala e regressa — o que mostra o seu sentimento de exclusão, surgindo apenas como força de trabalho. Tal como os outros trabalhadores da classe baixa retratados ao longo do filme, a sua existência parece invisível no contexto representado.
A pouca profundidade de campo utilizada nas duas cenas reforça visualmente essa alienação: o espaço ao redor é desfocado, sublinhando a indiferença da classe alta relativamente a quem os rodeia, algo que está refletido na despreocupação da classe alta da Argentina que recusa a preocupar-se com as crianças desaparecidas cuja identidade perde-se na história do país.