TEMAS AVANÇADOS - Teoria Geral do Contrato em Perspectiva Contemporânea Flashcards

1
Q

É possível afirmar que o contrato tem o modelo liberal como seu paradigma, cujo princípio máximo é a autonomia da vontade?

A

Não mais

O contrato que tem o modelo liberal como seu paradigma, cujo princípio máximo é a autonomia da vontade, reflete, na verdade, um momento histórico que não corresponde mais à realidade atual**.

Essa concepção tradicional do contrato, que tem na vontade a única fonte criadora de direitos e obrigações, formando lei entre as partes, sobrepondo-se à própria lei, bem como a visão do Estado ausente, apenas garantidor das regras do jogo, estipuladas pela vontade dos contratantes, já há muito vêm tendo seus pilares contestados e secundados pela nova realidade social que se impõe. Dessa forma, o contrato se transforma para se adequar às exigências da nova realidade”.

Texto da professora Aline Arquette Leite, que integra a obra “Problemas de Direito Civil Constitucional”, coordenada pelo professor Gustavo Tepedino.

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Q

Como se deve compreender a reconstrução da autonomia privada no âmbito da teoria do contrato? (em síntese, faça um pequeno balanço da evolução história do instituto da autonomia privada).

A

A escola jusnaturalista já se debruçava na ideia de autonomia da vontade. Não sistematizou o conceito, mas trouxe a ideia de um direito natural que todo ser humano teria de dispor livremente das suas ações.

A ideia de autonomia da vontade como um pilar do direito privado começa a surgir, com maior força que no direito romano, a partir da revolução cultural burguesa. Porque com a ascensão da burguesia passou a haver uma identificação entre a liberdade de contratar e a liberdade de mercado, e isso deu uma força muito grande ao postulado da autonomia da vontade. Assim, ao final do Século XIX e início do Século XX, a teoria clássica do contrato visualizava a autonomia da vontade das partes, a liberdade individual de contratar como um postulado quase intransponível.

Ao longo do Século XX, sobretudo por conta das grandes transformações globais, e também em virtude da constitucionalização do direito civil, essa ideia foi sendo transformada. A doutrina começou a perceber que se você der poder demais à vontade individual, o poder econômico abusa. Então, ao longo do Século XX, aquela ideia pretérita de uma autonomia da vontade identificada como uma liberdade individual quase que absoluta foi sendo mitigada. Começou uma fase de dirigismo contratual que, sem neutralizar a autonomia da vontade, coloca limites nessa autonomia.

Nós vivemos hoje em uma era de uma autonomia privada mitigada. Alguns autores se referem a ela como uma autonomia solidária (como a professora Judith Martins Costa).

EM SÍNTESE: “à luz da teoria contemporânea do contrato desenvolvida por autores de altíssimo nível, como Massimo Bianca, Judith Martins Costa, Teresa Negreiros, Luiz Edson Fachin, a teoria contemporânea do contrato nos ensina que a autonomia privada é uma autonomia mitigada, porque a autonomia privada, traduzida na liberdade de contratar, é uma autonomia que encontra limite na função social e na boa-fé objetiva

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3
Q

Há autonomia da vontade no contrato por adesão?

A

Georges Ripert, na obra “A regra moral nas obrigações civis”, fala sobre isso. Segundo seu raciocínio, contrato por adesão é uma necessidade das sociedades de massa contemporâneas. O Conselho Diretor Administrativo do Bradesco não pode se sentar com cada correntista que queira abrir uma conta no Bradesco. Todavia, mesmo no contrato por adesão existe, sim, uma margem de autonomia e de vontade, ainda que mínima, que se traduz na liberdade que você tem de aderir ou não à proposta que lhe foi feita.

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4
Q

A funcionalização da propriedade tem a ver com a funcionalização do contrato?

A

Sim, na medida em que o direito reconhece a função social da propriedade, isso iria reverberar no contrato. A propriedade é o direito de usar, gozar, fruir, dispor. Todavia, o principal meio para se dispor da propriedade, para fazê-la circular, é o contrato. O contrato é o veículo por excelência da circulação da propriedade.

Assim, quando você funcionaliza a propriedade, tal funcionalização acaba reverberando também no instituto do contrato.

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5
Q

A Lei da Liberdade Econômica mitigou o princípio da função social do contrato? Ela reduziu a intervenção estatal nos contratos privados?

A

A Lei da Liberdade Econômica tentou cunhar uma maior independência nas relações civis e empresariais_, com menor intervencionismo do Estado_.

Isso não quer dizer ausência do Estado. O Estado precisa, em vários momentos, atuar para mitigar abuso de poder econômico. Claro que o Estado precisa atuar - o Estado legislador sobretudo -, mas hoje existe uma tendência, sobretudo a partir da Lei da Liberdade Econômica, para que o intervencionismo estatal seja mais pontual.

Todavia, mesmo a partir da Lei da Liberdade Econômica a função social do contrato continua sendo um princípio fundamental, porque é um elemento de contenção da autonomia privada.

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6
Q

Como está disciplinada, no Código Civil, a o princípio da função social dos contratos?

A

Art. 421. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato. Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual.

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7
Q

A função social do contrato, segundo Paulo Roberto Nalin (e citado por Humberto Theodoro Júnior), manifesta-se em um nível endógeno (ou intrínseco) e em um nível exógeno (ou extrínseco). O que caracteriza cada um desses níveis? O que Paulo Roberto Nalin quis dizer com isso?

A

Na busca por delimitar as bases de intelecção da função social, HUMBERTO THEODORO JR., citando PAULO NALIN, lembra-nos que a função social se manifesta em dois níveis: a) intrínseco – o contrato visto como relação jurídica entre as partes negociais, impondo-se o respeito à lealdade contratual e à boa-fé objetiva, buscando-se uma equivalência material entre os contratantes; b) extrínseco – o contrato em face da coletividade, ou seja, visto sob o aspecto de seu impacto eficacial na sociedade em que fora celebrado.

Isso é fantástico. Veja, eu posso analisar a função social do contrato em duas perspectivas. Imagine que “A” celebrou um contrato com “B”. Então, em uma perspectiva intrínseca, a função social em uma perspectiva endógena impõe às partes respeito recíproco, lealdade, observância da boa-fé. Isso também é uma manifestação da função social em nível intrínseco. Esta função social intrinsecamente manifestada em nossa visão, inclusive nos orienta à observância do princípio da equivalência material, do equilíbrio. A função social projetada em uma perspectiva endógena ou intrínseca opera o respeito à lealdade, o respeito à eticidade, o respeito ao equilíbrio entre as prestações do negócio. É a função social manifestada intrinsecamente, dentro do contrato.

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8
Q

Qual a consequência prática de um contrato que viole o princípio da função social em perspectiva intrínseca ou extrínseca?

A

Nulidade para a majoritária

Para alguns, inexistência

Geralmente, em uma visão tradicional, no Brasil, é muito comum se dizer que um contrato que viole um princípio dessa magnitude opera uma nulidade absoluta de pleno direito, porque vai de encontro à norma ou princípio do ordenamento.

O professor Pablo Stolze diz achar, na sua visão acadêmica, adequada, nulidade absoluta de pleno direito. Só que se ele estivesse em uma prova oral ou uma prova escrita, colocaria um paragrafozinho arrojado dizendo o seguinte: “embora tradicionalmente a nossa tendência seja conduzir o nosso raciocínio no sentido de que o contrato que viole um princípio como a função social ou a boa-fé objetiva resultaria em uma nulidade absoluta, merece reflexão a possibilidade de se concluir em uma outra via de raciocínio no sentido de que se trata de princípios tão caros, tão valiosos que um contrato que viole função social, um contrato que viole boa-fé objetiva poderia ser considerado, até mesmo no negócio jurídico, inexistente

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9
Q

Qual a diferença entre boa-fé subjetiva e boa-fé objetiva?

A

A boa-fé subjetiva sempre esteve presente na nossa história codificada, porque já estava no Código de 1916. A boa-fé subjetiva não é novidade no nosso sistema. A boa-fé subjetiva é um estado de espírito, de ânimo. A boa-fé subjetiva é um estado de inocência, ela é psicológica.

EXEMPLOS: O possuidor de boa-fé ignora os vícios que inquinam a sua posse. Essa boa-fé do possuidor de boa-fé é subjetiva, porque é psicológica, é um estado de inocência. O terceiro de boa-fé é que paga acreditando que aquele é o credor. Boa-fé subjetiva, porque é um estado de inocência, é psicológica.

A boa-fé objetiva não é um estado psicológico, a boa-fé objetiva é uma cláusula geral ou um princípio, assim como a função social. A boa-fé objetiva tem raiz sobretudo no CC alemão, § 242 do Código alemão. Está no Código alemão: dever de lealdade e confiança. É a boa-fé objetiva do § 242 do Código alemão.

A boa-fé objetiva não é um estado psicológico, é uma cláusula geral. Para muitos, de natureza principiológica, depende da escola filosófica que você siga. A boa-fé objetiva é uma cláusula geral de conteúdo ético e exigibilidade jurídica, a boa-fé objetiva tem força de norma, aliás, tem força de princípio.

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10
Q

A boa-fé objetiva, além de atuar como uma cláusula geral de conteúdo ético dos contratos, tem pelo menos outros três funções. Quais?

A

A boa-fé objetiva tem uma função interpretativa e colmatadora de lacunas. A boa-fé objetiva tem uma função interpretativa porque ela orienta a hermenêutica, a interpretação do julgado. O julgador não pode presumir a má-fé ao analisar uma petição ou manifestação das partes.

Além disso, ela também tem a função, dentro da hermenêutica, de colmatar lacunas. Se o juiz encontrar lacuna no ordenamento, a boa-fé pode servir como elemento de integração daquela lacuna, isso é estudado na introdução ao direito.

Uma terceira função que a boa-fé objetiva tem, essa aqui é a mais importante: a boa-fé objetiva tem a função constitutiva ou criadora de deveres implícitos no contrato; os direitos que emanam da boa-fé são conhecidos como direitos anexos, ou, os alemães diziam, colaterais, ou como querem os portugueses, deveres de proteção.

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11
Q

Quais são as duas categorias de obrigações que emanam de um contrato? Perguntando de outra forma: as obrigações decorrentes de um contrato são apenas aquelas nele expressamente previstas, de dar, fazer ou não fazer?

A

O contrato é a fonte primordial das obrigações. Do contrato deriva um dever jurídico principal, que é a prestação de dar, fazer ou não fazer, que objeto da obrigação. Todavia, também existem deveres jurídicos anexos ou de proteção decorrentes da boa-fé objetiva imanentes à toda e qualquer contrato, como os deveres de lealdade, confiança, assistência, informação, confidencialidade, sigilo.

Estes deveres, decorrentes da boa-fé objetiva, são deveres em relação aos quais não é necessário ao contrato explicitá-los, são deveres que emanam da cláusula geral de boa-fé objetiva.

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12
Q

O que é a violação positiva do contrato?

A

É a violação dos deveres que emanam da boa-fé objetiva, os deveres anexos, colaterais ou de proteção.

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13
Q

Havendo descumprimento de algum dos deveres anexos, colaterais dos contratos (aqueles não explícitos nas cláusulas contratuais, decorrentes da boa-fé objetiva), há responsabilidade civil? Se houver, objetiva ou subjetiva?

A

É a violação dos deveres que emanam da boa-fé objetiva, os deveres anexos, colaterais ou de proteção.

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14
Q

Qual o caso paradigmático brasileiro relativo à aplicação do princípio da boa-fé objetiva como criadora de obrigações na fase pré-contratual?

A

Sementes de tomate

O caso de uma empresa muito conhecida de produtos alimentícios e os plantadores de tomates no Rio Grande do Sul, que costumava distribuir sementes para que eles plantassem os tomates e só depois o contrato era celebrado. Então, em um determinado ano, os lavradores receberam as sementes, plantaram em legítima confiança e expectativa, à luz da boa-fé pré-contratual, ou seja, plantaram antes do contrato estar formalizado, e a empresa disse: “eu não quero comprar tomate esse ano”. Então, o TJ gaúcho teria conhecido uma quebra de boa-fé objetiva na fase pré-contratual.

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15
Q

Após o fim de um contrato pode haver quebra de boa-fé objetiva?

A

Mesmo após o fim da execução de um contrato pode haver quebra de boa-fé objetiva pós-contratual, porque é como se a obrigação, como se o contrato gerasse uma pós-eficácia objetiva, de maneira que mesmo tecnicamente não havendo mais contrato em vigor, determinados deveres emanados da boa-fé têm de ser observados, sob pena de quebra de uma boa-fé objetiva pós-contratual.

Os exemplos que o professor dá é do motorista particular (e do dever de guardar as informações pessoais e a intimidade de seus antigos empregadores) e do sócio retirante.

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16
Q

Qual autor escreveu um grande tratado relativo à aplicação da boa-fé na fase pré-contratual? E na fase pós-contratual?

A

Antônio Junqueira de Azevedo (pré)

E Clóvis do Couto e Silva (pós)

17
Q

De acordo com o professor Stolze, fundamentalmente há três cenários possíveis em virtude da superveniência da pandemia de COVID-19 na seara contratual. Quais são eles?

A

1° CENÁRIO: não há repercussão na relação contratual analisada.

2° CENÁRIO: a repercussão consiste na impossibilidade absoluta (fortuita) no cumprimento da obrigação (como a compra de um pacote de viagens para a lua de mel pouco antes das medidas sanitárias). Ele leva à resolução do contrato, sem aplicação de penalidades ou sanções.

3° CENÁRIO: a repercussão consiste no desequilíbrio da base contratual, onerando uma das partes, caso em que haverá uma revisão contratual, à luz da teoria da imprevisão ou da teoria da onerosidade excessiva (que é a teoria da imprevisão com a roupagem própria no âmbito do direito do consumidor, com as suas peculiaridades).

18
Q

As consequências decorrentes da pandemia do coronavírus (Covid-19) nas execuções dos contratos, incluídas as previstas no art. 393 do Código Civil (“Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado”), podem ter efeitos jurídicos retroativos?

A

Não

Lei 14.010/2020, Art. 6º: As consequências decorrentes da pandemia do coronavírus (Covid-19) nas execuções dos contratos, incluídas as previstas no art. 393 do Código Civil, não terão efeitos jurídicos retroativos.

19
Q

O aumento da inflação, a variação cambial ou a desvalorização do padrão monetário em decorrência da pandemia de COVID-19 consubstanciam fatos imprevisíveis, a autorizar a revisão ou resolução contratual?

A

Consumerista ou aluguel de imóveis

Lei 14.010/2020, Art. 7º: Não se consideram fatos imprevisíveis, para os fins exclusivos dos arts. 317, 478, 479 e 480 do Código Civil, o aumento da inflação, a variação cambial, a desvalorização ou a substituição do padrão monetário.

§ 1º As regras sobre revisão contratual previstas na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), e na Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991 (locação de imóveis urbanos), não se sujeitam ao disposto no caput deste artigo.

20
Q

O que é o chamado “dever de renegociação” e “cláusula de hardship”, e quem é o principal autor sobre o tema? Os contratos devem ter tal cláusula prevista expressamente para que ela seja aplicável?

A

Anderson Schreiber

A cláusula de hardship é uma cláusula que consta em alguns contratos estabelecendo que se um acontecimento superveniente desequilibrar a base econômica do negócio, as partes têm o dever de sentar para renegociar, é a chamada cláusula de hardship. Ela prevê expressamente o dever de renegociar.

A melhor doutrina hoje (Carlos Pianovski), tem sustentado que mesmo que um contrato não tenha cláusula de hardship, esse dever de renegociação, esse dever direcionado à tentativa de renegociar emana da própria boa-fé objetiva.

CARLOS PIANOVSKI: As medidas terminativas ou de revisão contratual devem ser sempre balizadas pelo princípio da boa-fé contratual. Não por acaso, a confiança legítima, que integra o binômio constitutivo do princípio, é um dos pilares da força obrigatória dos contratos (ao lado do valor jurídico da promessa). Em lúcido artigo publicado neste espaço, Anderson Schreiber, ao ressaltar a necessária preservação da força obrigatória dos contratos, aponta, como corolário da boa-fé, o dever de renegociar. Com efeito, tal dever pode ser tanto previsto contratualmente em cláusula de hardship, como derivar diretamente da função integrativa da boa-fé. Medidas interventivas devem ser precedidas do cumprimento do dever de renegociar – e o não atendimento desse preceito, em situação de grave crise, pode gerar repercussões a balizar a própria intervenção judicial, podendo, no limite, implicar o não atendimento de pretensões de modificação ou extinção de contratos, por violadoras à boa-fé objetiva. O dever de renegociar, derivado da boa-fé, é consonante com o valor da liberdade contratual – que se fundamenta, em última instância, na própria livre-iniciativa.

Traduzindo: ou você tenta sentar para renegociar antes ou eu, juiz, não vou revisar o seu contrato.